Fiocruz revela impactos da pandemia em 95% dos profissionais de saúde

Entrevistados relataram danos à saúde mental e violência no trabalho pela desvalorização da população ao seu trabalho.

Profissionais de enfermagem sob violento estresse, não apenas pela doença, quanto por ataques nas ruas.

Há mais de um ano atuando na linha de frente contra a Covid-19, os profissionais da área da Saúde estão esgotados. Essa exaustão advém não só da proximidade com o elevado número de casos e mortes de pacientes, colegas de profissão e familiares, como também das alterações significativas que a pandemia vem provocando em seu bem-estar pessoal e vida profissional.

De acordo com os resultados da pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, realizada pela Fiocruz em todo o território nacional, a pandemia alterou de modo significativo a vida de 95% desses trabalhadores. Os dados revelam, ainda, que quase 50% admitiram excesso de trabalho ao longo desta crise mundial de saúde, com jornadas para além das 40 horas semanais, e um elevado percentual (45%) deles necessita de mais de um emprego para sobreviver.

O mais amplo levantamento sobre as condições de trabalho dos profissionais de saúde desde o início da pandemia avaliou o ambiente e a jornada de trabalho, o vínculo com a instituição, a vida do profissional na pré-pandemia e as consequências do atual processo de trabalho envolvendo aspectos físicos, emocionais e psíquicos desse contingente profissional. 

“Após um ano de caos sanitário, a pesquisa retrata a realidade daqueles profissionais que atuam na linha de frente, marcados pela dor, sofrimento e tristeza, com fortes sinais de esgotamento físico e mental. Trabalham em ambientes de forma extenuante, sobrecarregados para compensar o elevado absenteísmo. O medo da contaminação e da morte iminente acompanham seu dia a dia, em gestões marcadas pelo risco de confisco da cidadania do trabalhador (perdas dos direitos trabalhistas, terceirizações, desemprego, perda de renda, salários baixos, gastos extras com compras de EPIs, transporte alternativo e alimentação)”, detalhou a coordenadora do estudo, Maria Helena Machado.

Os dados indicam que 43,2% dos profissionais de saúde não se sentem protegidos no trabalho de enfrentamento da Covid-19, e o principal motivo, para 23% deles, está relacionado à falta, à escassez e à inadequação do uso de EPIs (64% revelaram a necessidade de improvisar equipamentos). Os participantes da pesquisa também relataram o medo generalizado de se contaminar no trabalho (18%), a ausência de estrutura adequada para realização da atividade (15%), além de fluxos de internação ineficientes (12,3%). O despreparo técnico dos profissionais para atuar na pandemia foi citado por 11,8%, enquanto 10,4% denunciaram a insensibilidade de gestores para suas necessidades profissionais.

Saúde e vida profissional

Graves e prejudiciais consequências à saúde mental daqueles que atuam na assistência aos pacientes infectados foram também detectadas. Segundo a pesquisa, as alterações mais comuns em seu cotidiano, citadas pelos profissionais, foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo, suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%). 

Quando questionados a respeito das principais mudanças na rotina profissional, 22,2% declararam conviver com um trabalho extenuante. Apesar de 16% de esses profissionais apontarem alteração referente a aspectos de biossegurança e contradições no cotidiano, a mesma proporção relatou melhora no relacionamento entre as equipes. O estudo demonstra ainda que 14% da força de trabalho que atua na linha de frente do combate à Covid-19 no país está no limite da exaustão. 

Desrespeito x fake news

Conforme declara a equipe responsável pelo levantamento, essas transformações decorrem de vários fatores, por exemplo, a falta de apoio institucional, segundo 60% dos entrevistados. A desvalorização pela própria chefia (21%), a grande ocorrência de episódios de violência e discriminação (30,4%) e a falta de reconhecimento por parte da população usuária (somente 25% se sentem mais valorizados) também afligem os profissionais de saúde.

“O estudo evidencia que 40% deles sofreram algum tipo de violência em seu ambiente de trabalho. Além disso, são vítimas de discriminação na própria vizinhança (33,7%) e no trajeto trabalho/casa (27,6%). Em outras palavras, as pessoas consideram que o trabalhador transporta o vírus, e, portanto, ele é um risco. Se não bastasse esse cenário desolador, esses profissionais de saúde experienciam a privação do convívio social entre colegas de trabalho, a privação da liberdade de ir e vir, o convívio social e a privação do convívio familiar”, explica Maria Helena Machado.

A pesquisa abordou, ainda, as percepções deles acerca das fake news propagadas ao longo desta pandemia de Covid-19. Mais de 90% dos profissionais de saúde admitiram que as falsas notícias são, sim, um verdadeiro obstáculo no combate ao novo coronavírus. No atendimento, 76% relataram que o paciente tinha algum tipo de crença referente às fake news, como a adoção de medicamentos ineficazes para prevenção e tratamento, por exemplo. A porcentagem expressiva de 70% dos trabalhadores discorda que os posicionamentos das autoridades sanitárias sobre a Covid-19 têm sido consistentes e esclarecedores.

Perfil

O questionário da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz) contemplou, além de médicos, enfermeiros, odontólogos, fisioterapeutas e farmacêuticos, todas as categorias profissionais da área da Saúde, inclusive administrador hospitalar, engenheiro (segurança do trabalho, sanitarista) e um expressivo número de residentes e graduandos da área da saúde, em mais de dois mil municípios. Os dados revelam que a Força de Trabalho durante a pandemia é majoritariamente feminina (77,6%). A maior parte da equipe é formada por enfermeiros (58,8%), seguida pelos médicos (22,6%), fisioterapeutas (5,7%), odontólogos (5,4%) e farmacêuticos (1,6%), com as demais profissões correspondendo a 5,7%. Importante registrar que cerca de 25% deles foram infectados pela Covid-19.

A faixa etária relativa aos profissionais da linha de frente mais comum é entre 36 e 50 anos (44%). Trabalhadores jovens, de até 35 anos (38,4%), também possuem grande representatividade na assistência. No quesito cor ou raça, 57,7% declararam-se brancos, 33,9% pardos e 6% pretos. O levantamento indica, ainda, que 34,5% dos profissionais trabalham em hospitais públicos, 25,7% na atenção primária e 11,2% atuam nos hospitais privados. A maior parte está concentrada nas capitais e regiões metropolitanas (60%). 

O questionário sobre as Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19 no Brasil obteve mais de 25 mil participantes. Desses, aproximadamente 16 mil representam o universo das profissões de saúde, segundo o Conselho Nacional de Saúde, contempladas nesta pesquisa. As demais categorias, que incluem técnicos, auxiliares e trabalhadores de nível médio, fazem parte da pesquisa inédita “Os trabalhadores invisíveis da Saúde”, cujos resultados serão divulgados ainda neste ano.

“A pandemia revelou a essencialidade da saúde em nossas vidas e paradoxalmente, revelou o quanto os profissionais de saúde não são considerados e respeitados nesse processo. Por meio da pesquisa, constata-se o estado de exaustão e sofrimento desses profissionais, que já entraram na pandemia adoecidos e cansados, e a situação sob a qual estão expostos só piorou tal quadro”, finalizou a coordenadora do estudo.

A pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19 no Brasil teve apoio das seguintes entidades/instituições Conass, Conasems, CNS, Cofen, CFM, FIO, ISP, FCMMG/FELUMA, UFAM, Nescon/UFMG , UFPA, Icict, IAM e Gereb.

De acordo com a pesquisa, 34,5% dos profissionais trabalham em hospitais públicos, 25,7%, na atenção primária e 11,2%, na rede privada. A maior parte está concentrada nas capitais e regiões metropolitanas (60%).

Da FioCruz

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