Líder da URNG defende frente nacional para superar crises na Guatemala

Gregorio Chay, secretário-geral da Unidade Nacional Revolucionária Guatemalteca (URNG), afirma o compromisso com a conformação de uma ampla frente nacional progressista para derrotar o presidente Giammattei e seu entorno

Gregorio Chay, secretário-geral da Unidade Nacional Revolucionária Guatemalteca (URNG) | Foto: Reprodução/Facebook

“Nós, como Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), estamos trabalhando para que se concretize uma grande frente nacional progressista, que não deve ser somente eleitoral. A frente eleitoral será o desenlace, pois deve se construir desde agora para combater as máfias que estão no controle do Estado”, afirmou Gregorio Chay, secretário-geral do histórico partido. Em entrevista exclusiva, o líder da URNG faz um balanço das manifestações contra o governo do presidente Alejandro Giammattei, “contra a Reforma do Orçamento, que até agora nada mais é do que um butim para as redes de corrupção e para as grandes empresas”; o papel do partido e os principais pontos para romper com a lógica especulativa e dos monopólios, que mantém o país atado ao passado. De forma enfática, Chay também defende o cumprimento dos Acordos de Paz, que este ano completam 25 anos, reiterando que “na rota de recuperação nacional, a agenda da Paz deve voltar a ser a agenda nacional”. Superadas longas décadas de ditadura, que deixaram um saldo de mais de 250 mil mortos e desaparecidos, o país segue sendo governado conforme os interesses de Washington.

Como a URNG se inseriu nas gigantescas mobilizações ocorridas no ano passado contra as medidas do presidente Alejandro Giammattei?

As massivas manifestações que ocorreram foi porque há um descrédito nas instituições do Estado, diante da massiva quebra de micros, pequenas e médias empresas, da redução do poder aquisitivo do poder de compra da população, de uma premeditada e organizada obstrução da Justiça e da corrupção e da impunidade vigentes. Isso tudo desembocou nos significativos protestos sociais do final do ano passado.

Há um mal-estar generalizado e as próprias organizações e movimentos sociais começam a falar e a pedir unidade, o que é um bom sinal. Mas temos ainda um longo caminho a percorrer porque, lamentavelmente, há ainda entre os setores da esquerda muita briga interna. E isso é um problema: não ter claro que há um inimigo comum, que deve nos unir.

Enquanto Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca, fizemos uma convocação em 2017, e o publicamos em 2018, para unificar forças. Sentimos a necessidade de uma grande frente nacional progressista e, nas eleições anteriores, infelizmente, isso se frustrou no meio do caminho. Nos articulamos, andamos uns poucos meses juntos, mas o sectarismo somado à ação dos corruptos inviabilizou a candidatura comum. Agora temos mais condições. Nós, como URNG, estamos trabalhando para que se concretize essa frente, que deve ser não somente eleitoral. Essa frente eleitoral será o desenlace, pois deve se construir desde agora para combater as máfias que estão no controle do Estado.

Nossa compreensão é que as condições para a conformação desta frente vão se dando na medida em que a população está ficando extremamente cansada dos abusos deste governo. E cansada não só do governo, mas de toda a estrutura de poderes paralelos que condicionam o presidente Giammattei. As pessoas estão cada vez mais revoltadas, principalmente a classe média, porque a informação está fluindo e todos vão se dando conta da impunidade do governo, do Congresso e dessa rede que opera dentro das estruturas do Estado.

Quais os principais nós a serem desatados?

Temos quatro principais reivindicações que defendemos e expusemos em um documento da URNG em dezembro do ano passado. De lá para cá nenhuma delas teve seu desenlace favorável, com o país rumando para uma ditadura com corte institucional.

Uma é a eleição dos tribunais, pois o que existe atualmente é a completa cooptação da Justiça por parte das máfias. São as máfias que definiram o Tribunal de Constitucionalidade, que é o órgão máximo em matéria de acompanhamento da Constituição. Cooptado por eles, este tribunal toma posse em 14 de abril, o que nos traz um grande desafio.

O segundo grande desafio é a Reforma do Orçamento, que até agora nada mais é do que um butim para as redes de corrupção e para as grandes empresas. Contra esse assalto e o achaque aos recursos do orçamento social foi que o povo guatemalteco se levantou no ano passado.

Para este ano se esperava uma formulação nova, porque inicialmente houve um passo atrás no orçamento que retirava recursos das áreas sociais. Mas nada ocorreu e, se depender desse governo, nada vai ocorrer, porque eles têm o controle do Congresso. Pretendem seguir aprovando as medidas a seu bel prazer.

O terceiro ponto, que era um desafio, era a reorganização do governo, que inclusive havia sido exigida pelo vice-presidente Guillermo Castillo já no ano passado e o presidente se comprometeu a executar em janeiro. Assim, foi pedida a renúncia de todos os ministros, mas não houve nenhuma mudança.

E o quarto ponto era a atenção das demandas sociais, o que também não dá nenhum sinal que vão atender.

O governo está completamente em débito, totalmente no negativo com o povo em relação a esses quatro desafios. Sendo assim, o país caminha para a ingovernabilidade e a uma maior confrontação.

E no meio disso tudo temos o coronavírus. Como a pandemia tem impactado a vida dos guatemaltecos?

Nunca um vírus tinha convulsionado tanto o mundo inteiro. Ao mesmo tempo, seu impacto na vida e a saúde da humanidade marcou a diferença para enfrentar a pandemia entre países com sistemas diferentes de governo. Evidenciou as perversidades do sistema capitalista, com uma extraordinária acumulação de riquezas em poucas mãos às custas do empobrecimento e da miséria de países inteiros como o nosso, que foram surpreendidos com precários sistemas de saúde, que não puderam evitar milhares de vítimas mortais, além dos altos custos para suas economias.

De forma completamente diferente, os países com orientação socialista, com sistemas de saúde pública e organização social e estatal, enfrentaram com maior capacidade a pandemia e, com isso, sofreram menores custos sociais e econômicos.

Para a Guatemala, o que para alguns foi inicialmente saudado como um exemplo na condução da crise, resultou em um prematuro confinamento e prolongados Estados de exceção, com altíssimos custos à economia. Isso levou a um esgotamento nacional, que logo derivou numa repentina abertura quando o índice de contágios estava em seu nível mais elevado. Contando com pleno respaldo político, social e financeiro, o presidente Giammattei poderia ter manejado melhor a crise e reduzido os custos sociais e econômicos, mas não o fez.

O fato é que, devido à pandemia, nosso país esgotou seus recursos financeiros neste primeiro ano. E tivemos ainda o agravante dos impactos da natureza, que foi a passagem das tormentas Eta e Iota, que evidenciaram a nula capacidade de prevenção e reação do Estado. Para as cúpulas governantes, as crises ou desastres naturais constituem oportunidades de negócios particulares.

O que reforça a bandeira da reformulação do Orçamento?

Dentro do nosso desafio estava a reformulação do Orçamento da Guatemala pelo fato dele ser, lamentavelmente, formulado e executado a partir de interesses de poderes paralelos e das grandes empresas, e financiado com a dívida externa.

Nós queremos a reformulação para priorizar o sistema de Saúde. Não estamos falando nem de refazer o sistema, que é o que precisa ser feito, mas de, ao menos, criar as condições para enfrentar a pandemia e acolher as vítimas das duas tormentas que açoitaram o país. Esta deve ser uma prioridade orçamentária imediata, ao mesmo tempo que fazer reformas básicas no sistema fiscal e tributário, de tal forma que não sigamos nesta rota perigosa de endividamento permanente, interno e externo, que apenas favorece a especulação financeira e abandona o setor produtivo.  

E como barrar esta prioridade à especulação?

Há uma linha pró-especulação dominante, que vem sendo adotada para favorecer uns poucos. E para enfrentá-la, para defender o desenvolvimento produtivo, compreendemos que não há outro caminho senão levantar o país.

Como disse anteriormente, as instâncias de governo e as instituições de Justiça estão cooptadas, e o legislativo é dominado pelo pacto de corruptos. Então não há esperança de que por meio de qualquer organismo do Estado se mudem as coisas. Só uma ampla mobilização social. Por isso me refiro à necessidade de frente em dois cenários fundamentais. Um é o de enfrentamento, já a partir deste momento, de combatermos essas cúpulas para limitar seu âmbito de ação e sua margem de cooptação.

A manifestação social, como foi demonstrado no ano passado, é a única maneira de impedir o avanço dessas cúpulas, de barrar o retrocesso. Este seria o primeiro âmbito de ação. E o segundo é o eleitoral. Isso deve desembocar numa proposta unitária, numa luta conjunta para afastar esses grupos de poder em 2023. Esta é a nossa compreensão sobre os desafios da frente e, para isso, estamos preparando a nossa estrutura partidária.

Do ponto de vista econômico, quais os pontos chaves para que a Guatemala volte a crescer?

Em primeiro lugar, compreendemos a necessidade de uma reforma fiscal e tributária,  gradual e progressiva, e que priorize o investimento social, que priorize o Estado. Este seria o primeiro ponto chave: a defesa do papel do Estado como motor do desenvolvimento.

O segundo seria uma reformulação orçamentária que priorize a produção para o mercado interno, voltada a todos os entes produtivos, não apenas para os grandes, como é hoje, mas que priorize os micros, pequenos e médios empresários. Na Guatemala, há uma tremenda concentração da propriedade da terra e dos bens em duas dezenas de famílias que baseiam toda sua produção para a exportação e nada para o mercado interno. Estou falando de agroexportação e ponto final. O que fica para o mercado interno está controlado por monopólios, como o cimento, produto que nos é imposto a altíssimo custo, a um preço muito mais caro do que no mercado internacional.  

E o terceiro elemento, que deriva destes dois primeiros, é romper com a dependência do endividamento externo e interno. Deter essa escalada abusiva.

Fale um pouco mais sobre a atuação dos monopólios na Guatemala.

Ainda que a Constituição os proíba, aqui existem monopólios, que demonstram ser um imenso problema. Quem controla simplesmente não deixa que o cimento venha de outro país, para serem vendidos nas alturas. Igual ao cimento, o açúcar se vende muito mais caro.

No início dos anos 2000, a agroindústria fez uma greve de dois ou três dias só porque o presidente Alfonso Antonio Portillo decidiu importar açúcar para que baixassem o preço. Então o obrigaram a retroceder na sua decisão.

Da mesma forma, a concentração faz que não haja democracia na comunicação. Os Acordos de Paz aprovaram a facilitação da liberação de frequências de rádio para as comunidades e organizações indígenas, porém isso tem sido boicotado permanentemente. E nunca foi cumprido. O monopólio das comunicações pertence fundamentalmente a Ángel Gonzáles, que tem todos os canais de televisão aberta e a maioria das emissoras de rádio. É o proprietário do maior sistema de comunicações do país e, acredito, da América Central. Existem outras corporações menores, como as emissoras Unidas e outras, que são muito menores e são um pouco mais abertas, mas tampouco são a expressão da população.

Este ano é histórico para um balanço dos Acordos de Paz.

Deve se valorizar o ressurgimento pelo interesse e o apreço demonstrados pelos Acordos de Paz, expressos por sindicatos, organizações de vítimas e comunidades indígenas e até mesmo por setores do próprio governo que, em diversos eventos, manifestaram a necessidade de retomar o conteúdo e o espírito do que foi assinado. Neste ano, em que completamos 25 anos das assinaturas dos Acordos de Paz da URNG com o governo, nosso partido reafirma sua convicção de que não há outro caminho viável para recuperar o país e que sua agenda permanece pendente.

É necessário deixar claro que na rota de recuperação nacional, a agenda da Paz deve voltar a ser a agenda nacional e, para sua consecução, a luta social e política constitui seu motor de impulso. E que sua concretização deve resultar da aliança e da articulação das forças de oposição, democráticas e progressistas.

Uma última reflexão

Nós dizemos que há três interesses que movem os políticos: o interesse pessoal, o interesse partidário e o interesse nacional. Lamentavelmente, se impõem mais para alguns o pessoal e o partidário. Para nós, da URNG, o interesse nacional deve estar, sempre, acima de todos os demais. Com esta compreensão e compromisso orientamos nossa ação e lutamos para libertar a Guatemala, dar um novo futuro ao seu povo e fortalecer a luta continental pela autodeterminação dos povos.

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