Saúde gasta com “famosos” para propaganda de “tratamento precoce”

Segundo reportagem da Agência Pública, 19 influenciadores de redes sociais receberam cachê do governo para propagandear que os seguidores deveriam cobrar do médico “tratamento precoce” contra covid-19

Bento Gonçalves distribui 413 kits do tratamento precoce da covid-19 desde agosto de 2020.

A Secretaria de Comunicação (Secom) e o Ministério da Saúde (MS) gastaram mais de 1,3 milhão de reais em ações de marketing com influenciadores digitais para divulgarem o infame “tratamento precoce” proposto pelo governo Bolsonaro para contaminados pelo novo coronavírus. Nenhum deles deveria ou precisaria falar em isolamento social, apenas sobre o tratamento que é considerado ineficaz e perigoso para cientistas de todo o mundo, além do uso de máscara e álcool gel.

Segundo investigação de Giovana Fleck e Laís Martins, da Agência Pública, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, foram investidos mais de R$10 milhões em marketing de influência pelo Ministério da Saúde, segundo os dados obtidos pela reportagem.

De R$ 1,3 milhão investido na campanha ‘Cuidados Precoce Covid-19’, R$ 85,9 mil foram destinados ao cachê de 19 celebridades da internet contratados para divulgar estas campanhas em suas redes sociais. Em janeiro deste ano, a Secom contratou quatro influenciadores, que receberam um montante de R$ 23 mil para falar sobre “atendimento precoce”. A verba saiu de um investimento total de R$19,9 milhões da mesma campanha.

De acordo com os documentos obtidos pela Pública, a ex-BBB Flávia Viana recebeu R$ 11,5 mil para ação de marketing ‘Cuidados Precoce COVID-19’

No roteiro da ação, obtido pela Agência Pública através de um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Secom orientava os perfis de Instagram sobre a quantidade de posts e stories dizendo aos seguidores que, caso apresentassem sintomas da Covid, era importante procurar imediatamente um médico e solicitar um atendimento precoce. O roteiro não menciona os medicamentos do protocolo de atendimento precoce do governo, que inclui cloroquina e ivermectina.

Ironicamente, o texto do roteiro fala em combate à fake news sobre a pandemia. No dia 16 de janeiro, uma postagem do Ministério da Saúde no Twitter foi marcada como “publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à COVID-19” por mandar os cidadãos que tivessem sintomas buscar uma UBS e solicitar o “tratamento precoce”. Veja abaixo:

O roteiro enfatiza que se trata de “atendimento” e não “tratamento”, para evitar a denúncia, mas garantir a veiculação da mensagem.

As ações publicitárias coincidem com o colapso do sistema hospitalar em Manaus, quando o Ministério orientou a Saúde local a difundir o “tratamento precoce”. Segundo texto do ofício, o tratamento tem “a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde”.

Toda a documentação confunde a diferença entre atendimento precoce e tratamento precoce, propositalmente. Para evitar a associação imediata com os medicamentos, algumas peças falam em atendimento precoce, embora as únicas medidas preventivas contra o vírus orientadas em todo o mundo, envolvam apenas uso de máscara, higienização das mãos e distanciamento social.

Paralelamente à ação com influenciadores liderada pela Secom, o Ministério da Saúde lançou a plataforma “TrateCov”, que recomendava cloroquina até para bebês. O Conselho Federal de Medicina pediu, em nota, que o aplicativo fosse removido “imediatamente” pelo Ministério. O aplicativo saiu do ar em 20 de janeiro, menos de uma semana depois de seu lançamento. 

No dia 15 de janeiro de 2021, a Secom realizou uma reunião cujo tópico era ‘Influenciadores’, segundo agenda do coordenador-geral de Mídia, Luiz Antônio Oliveira Alves. A Agência Pública solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a ata da reunião. Na resposta, a Secom afirmou que não é de praxe manter ata ou gravação de reuniões, por se tratar de assuntos internos e rotineiros, mas esclareceu que nesta reunião discutiu-se “questões envolvidas no emprego de influenciadores digitais como complemento aos esforços de mídia das ações de divulgação desta Secretaria.” 

O processo de contratação de influenciadores envolve agências licitadas pelo Executivo, como Artplan, Calia e NBS, que fazem a intermediação. As três seguem ganhando licitações anuais do governo desde, pelo menos, 2017. A Artplan, cliente da empresa de marketing do antigo chefe da Secom, Fabio Wajngarten, recebeu o maior número de verbas publicitárias em 2019. 

Outra campanha do MS com influenciadores:

Confira os detalhes desta denúncia no site da Agência Pública.

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