A sub-representação da mulher na política, por Ivonete Nascimento

“O desafio de garantir a paridade em tais espaços, vai precisar de mais ações afirmativas que alterem, de fato, a real sub-representatividade das mulheres e busquem uma sociedade mais justa e igualitária”

Imagem: Reprodução

O direito político das mulheres de votar e de ser votada consistiu em uma longa luta do movimento feminista por essa reivindicação. Mas, até os dias de hoje, a presença feminina na política ainda enfrenta um preconceito arraigado, o que impede a sua participação plena. Admite-se, com isso, a opinião de Perrot (1988) de que o acesso das mulheres ao poder político sempre foi difícil.

A luta pelo sufrágio universal, o direito de votar e ser votado, consistiu em uma grande empreitada dos desprovidos por longo período, envolvendo homens e mulheres. No entanto, a luta pela expansão de tais direitos políticos não abrangia o voto feminino, mesmo com a Revolução Francesa e a Revolução Americana, marcos da instituição dos direitos de cidadania. As mulheres tiveram que lutar pela universalização do voto, o que, segundo Alves e Pitanguy (2003, p. 44), “[…] foi uma luta específica, que abrangeu mulheres de todas as classes”. O direito de votar e de ser votada significava para a mulher sua entrada e participação em uma arena essencialmente masculina, o que ocasionou muita resistência por parte de vários homens.

Até o início do século XX, o direito de votar no Brasil estava restrito aos homens. Como dizia Canêdo (2003) sobre o preceito eleitoral de todo o período da Colônia, Império e início da República, “[…] o verbo “votar” e a prática da cidadania são do gênero masculino e da cor branca, as mulheres estavam ausentes do texto, assim como os escravos e os indígenas” (CANÊDO, 2003, p. 523). Com a primeira República, houve uma ampliação do perfil de votantes, pois antes de 1891 votavam apenas homens maiores de 25 anos e proprietários.

A luta pelo direito ao voto feminino no Brasil consistiu em um polo de aglutinação de setores da sociedade, envolvendo mulheres instruídas, ainda em meados do século XIX.

Consideradas precursoras dessa luta, Francisca Senhorinha da Mota Diniz, Josefina Alves de Azevedo, Leolinda Daltro, Bertha Lutz, Natércia Rocha, Mietta Santiago, entre outras, travaram uma batalha contra o atraso e o pensamento hegemônico de que a vinda das mulheres para o espaço público significava um risco para a família, pois elas não tinham perfil natural para atuar em tal ambiente. De acordo com Hahner (1981, p,78), “Muitos temiam que, se o mais puro e mais nobre dos sexos descesse do pedestal e escapasse do isolamento do lar, ele poderia ser maculado ou corrompido e a sociedade arruinaria.”

A conquista do voto feminino ocorreu com o Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que trazia o voto não obrigatório para as mulheres maiores de 21 anos. Isso após muita luta do movimento sufragista brasileiro, considerado até os dias de hoje o marco do movimento feminista no país.

Posteriormente, o direito politico do voto feminino foi ampliado
para mulheres maiores de 18 anos na Constituição de 1934 e sendo obrigatório, a partir da Constituição de 1946.

Apesar da conquista do direito político do voto feminino ter ocorrido há 89 anos, os resultados eleitorais demonstram haver pouca representatividade da mulher nos espaços de poder político no Brasil. A despeito de elas serem a maioria da população (51,8%) e representarem mais de 52% do eleitorado. Além disso, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, de 16,4 milhões de pessoas filiadas a partidos políticos em 2020, as mulheres compõem esse universo em 7,4 milhões.

As eleições de 2018, para o parlamento federal, trouxeram como resultado das urnas a eleição de 77 deputadas federais de um total de 513 cadeiras, representando 15% desse parlamento. Para o Senado Federal, houve um decréscimo em relação às eleições de 2014, sendo eleitas 12 senadoras, o que representa o percentual de 14,8% de um total de 81 vagas.

Tal resultado colocou o nosso pais, na pesquisa desenvolvida pelo Inter-Parliamentary Union, no panorama sobre a participação política de mulheres no mundo, na 132ª posição, em um rank de 193 países, no ano de 2019, ficando atrás de vários países da América Latina, tais como: Cuba, Bolívia, México, Costa Rica, Nicarágua, Equador e Perú, entre outros.

O resultado das eleições municipais de 2020 demonstra também um pequeno aumento da participação das mulheres no poder político municipal. Concorreram às eleições 33,6% de candidaturas femininas às prefeituras e as câmaras municipais. Foram eleitas 658 prefeitas (13%) e 9.196 vereadoras (16%), quando em 2016 foram 11,57% prefeitas e 13,6% vereadoras. Além disso, verificou-se que 17% (937) dos municípios não elegeram mulheres para o referido parlamento.

Conclui-se que tais resultados eleitorais mostram a baixa representatividade das mulheres nos vários níveis de disputa eleitoral do sistema político brasileiro. Assim, confirma-se a percepção de que ocorre uma persistente desigualdade de gênero nos espaços de poder político no país que impede a participação plena das mulheres. Portanto, o desafio de garantir a paridade em tais espaços, vai precisar de mais ações afirmativas que alterem, de fato, a real sub-representatividade das mulheres e busquem uma sociedade mais justa e igualitária.

Ivonete Nascimento possui doutorado e mestrado em Ciência da Informação, pela Universidade de Brasília. É especializada em gestão pública e em gestão em controladoria governamental. É bacharel em Arquivologia. É professora de Magistério Superior substituta do curso de Arquivologia, da Faculdade de Ciência da Informação, da Universidade de Brasília.

Referências

ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003. (Coleção primeiros passos; 44). 77p.

CANÊDO, Letícia Bicalho. Aprendendo a votar. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. 591p.

HAHNER, June Edith. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937. Tradução Maria Theresa P. de Almeida, Heitor Ferreira da Costa. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1981.

Inter-Parliamentary Union. Women in National Parliaments. 2019. Disponível em: http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm . Acesso em: 06 fev. 2021.

PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

Tribunal Superior Eleitoral. Número das Eleições Municipais de 2020. Disponível em: https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais. Acesso em: 06 fev. 2021.

Fonte: Revista Mátria 2021