Bolsonaristas usam pandemia para atacar governadores e policiais

Apoiadores de Bolsonaro usam redes sociais para intimidar quem defende medidas restritivas

Os governos estaduais e os policiais militares são os novos alvos das hordas do bolsonarismo. Com discursos negacionistas e mentirosos sobre a pandemia, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro têm usado as redes sociais para intimidar quem defende medidas restritivas – que são indispensáveis para conter o número de casos e mortes por Covid-19.

Quando a Polícia Militar de São Paulo anunciou que a vacinação para seus integrantes começaria no dia 12 de abril, todos os posts publicados pela corporação em uma rede foram atacados por bolsonaristas, que afirmaram: “Vocês são covardes! Estão batendo em trabalhadores, seus capachos do calcinha apertada”. Outro bolsonarista, crítico à vacina Coronavac, do Instituto Butantan, escreveu: “Fico em dúvida se comemoro”.

Os ataques às polícias nas redes sociais com informações falsas se multiplicaram em 2021, transformando a atuação da extrema-direita no principal fator de instabilidade política para as forças de Segurança. “Já faz algum tempo que estamos sofrendo estes ataques. Alguns perfis lançam vídeos de abusos policiais de outros contextos ou mais antigos e fazem parecer que são atuais e contra a população”, disse o coronel Robson Cabanas Duque diretor da Comunicação da PM.

O fenômeno não atinge apenas a polícia paulista e o governador João Doria (PSDB) – mas também as polícias de outros estados, como a Bahia e o Rio Grande do Sul. Também são alvo os governadores adversários do presidente Jair Bolsonaro, como os do Piauí e do Maranhão.

“Há digitais bolsonaristas em questões locais. Eles se aproveitam para uso politiqueiro. A raiva dele (Bolsonaro) é não poder demitir ou prender governadores. Então tenta sabotar”, disse o governador Flávio Dino (PCdoB-MA). Segundo o coronel Lindomar Castilho, comandante da PM do Piauí, há pessoas que “tentam desinformar e fazer a cabeça dos policiais” sob seu comando.

Em São Paulo, a PM tenta identificar o centro difusor dos ataques à corporação que buscam minar a disciplina da tropa. Entre as postagens monitoradas pela polícia está uma do ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, e outra do blogueiro Allan dos Santos, ligado ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “Somos fiéis à Constituição, à lei, não importam quais sejam as orientações políticas dos governos. Somos uma instituição de 189 anos. Se cumprir a lei desagradará a A ou a B, assim será”, afirmou o coronel Cabanas.

Em carta divulgada no dia 29, 16 governadores afirmaram que “os agentes públicos precisam de paz para prosseguir com o seu trabalho, salvando vidas e empregos. Estimular motins policiais, divulgar fake news, agredir governadores e adversários políticos, são procedimentos repugnantes, que não podem prosperar em um país livre e democrático”.

O documento declarava ainda o apoio dos governados ao desejo das entidades de policiais de vacinação imediata de seus integrantes. A estratégia visava a retratar o bolsonarismo como responsável por opor a população aos PMs. O Piauí, governado por Wellington Dias (PT), deve começar nesta segunda-feira (5) a vacinar seus 6.140 PMs. A Covid matou 35 policiais militares e contaminou 1.283 no estado até sexta-feira (2).

A reação dos governadores aconteceu após a ação coordenada do bolsonarismo de insuflar um motim na PM da Bahia. Em 28 de março, o soldado Wesley Soares Góes teve um surto e, com um fuzil, foi ao Farol da Barra, em Salvador, onde passou a fazer disparos. Após atirar em direção aos colegas, acabou morto. De imediato, parlamentares bolsonaristas, como a deputada Bia Kicis (PSL-DF), passaram a tratá-lo como mártir por se recusar a cumprir as ordens do governador Rui Costa (PT). Mais tarde, ela removeu a publicação.

A estratégia de provocar um motim na Bahia só não avançou porque a ação foi filmada, confirmando que o soldado tentara matar os colegas. “A Bahia é o lugar mais frágil, em razão dos problemas enfrentados pelo governador na Segurança. Por isso foi atacada”, disse Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre os problemas de Costa, estaria a contestação feita por sua gestão no Supremo Tribunal Federal da lei que acabou com as prisões disciplinares dos PMs.

Mas a ação do bolsonarismo não é suficiente para, segundo especialistas em Segurança Pública, provocar uma ruptura da ordem. “Os policiais têm diversas vantagens que não vão colocar em risco por razões ideológicas”, diz Leandro Piquet Carneiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. Para ele, a aprovação do congelamento de salários na PEC Emergencial esvaziou o discurso sindicalista de Bolsonaro, diminuindo sua capacidade de mobilização.

Os comandos das PMs estaduais estão recomendando o máximo de cautela aos seus homens no cumprimento de medidas de restrição à circulação de pessoas durante a pandemia. Temem que qualquer incidente seja usado politicamente contra as corporações. “Recomendamos aos nossos homens que tenham bom senso em todas as ações”, disse o subsecretário de Segurança Pública, coronel Alvaro Camilo. Para o coronel Lindomar, da PM do Piauí, “bom senso e conversa não podem faltar. O policial não pode cair em provocações. Tem de colocar como autoridade.”

Para o oficial da PM e deputado Paulo Ramos (PDT-RJ), repercutiu mal na categoria a ação de bolsonaristas após o incidente com o soldado Wesley Góes, em Salvador. “Tentaram jogar companheiros contra companheiros, dividir a tropa”, diz Ramos. “Mas não deu certo – a repercussão foi negativa tanto na Bahia como nos outros estados.”

Segundo ele, a identificação ideológica entre Bolsonaro e muitos PMs permanece, mas as expectativas práticas se romperam. “No discurso, o presidente incentiva o confronto (entre policiais e criminosos), mas nunca esteve nessa situação ou correu riscos. Ele só empurra os outros, incentiva os outros a se expor.” Para o coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante da PM do Rio, o discurso de Bolsonaro está “enfraquecido” junto à categoria. “O que ele fez pelas polícias ou pelos policiais? É só discurso.”

Com informações do Estadão