Ismael Ivo, um revolucionário da dança

Uma das figuras mais importantes da dança, Ismael Ivo morreu na quinta-feira (8), aos 66 anos, em decorrência da Covid-19. Ivo deixa o legado valioso de um bailarino e coreógrafo que transformou a dança contemporânea

A dança mundial acordou triste nesta sexta-feira (9). Ismael Ivo morreu ontem (8) aos 66 anos em decorrência da Covid-19. Ele estava internado no Hospital Sírio Libanês, na capitão paulista. O bailarino e coreógrafo se consagrou com uma brilhante carreira no exterior e, desde 2017, tinha voltado ao Brasil para assumir a direção do Balé da Cidade, em São Paulo, uma das companhias mais prestigiadas e importantes da América Latina.

Nascido em uma família pobre da Vila Prudente, na periferia de São Paulo, Ismael conseguiu bolsas de estudo em escolas de dança até ingressar no corpo de baile do Teatro Galpão. A carreira internacional começou em 1983, quando conheceu o coreógrafo norte-americano Alvin Ailey. Um ano depois mudou-se para Viena, onde fundou o festival de dança contemporânea ImPulsTanzt. Passou também pelo Teatro Nacional Alemão, em Weimar, e dirigiu durante oito anos o Festival de Dança de Viena e o setor de dança da Bienal de Veneza. Foram 33 anos no exterior, até o bailarino voltar à sua cidade natal com a missão de assumir o corpo de baile do Teatro Municipal, se tornando o primeiro negro assumir este cargo.

(GERMANY OUT) Germany, Berlin - Ort: Bode Museum Berlin (Grosse Kuppelhalle, Kameckehalle und Basilikia). Titel: Apollo und Hyacinth. Autor: Wolfgang Amadeus Mozart. Choreografie: Ismael Ivo. Premiere: 18. November 2006Darst: Ismael Ivo (Apollo, li.). (Ph (Foto: ullstein bild via Getty Images)
Ismael Ivo, durante apresentação, em Berlim, na Alemanha (Foto: ullstein bild via Getty Images)

Dispensou, para tanto, convites importantes como dirigir o Balé da Ópera de Gotemburgo, na Suécia, ou se tornar o novo diretor da Companhia L’Arte Balletto, da Itália. O motivo de seu retorno foi impresso em seu primeiro espetáculo à frente da companhia: Risco (2017), no qual trouxe o tema da mudança. Para o coreógrafo, o momento que o Brasil estava vivendo culturalmente e politicamente era de “revisão” e ele queria fazer parte deste processo. É que Ivo enxergava a dança como uma ferramenta potente de transformação social e, atento à sua própria história, foi o curador do Programa de Qualificação em Artes de Dança de São Paulo. 

Para a primeira bailarina brasileira do Dance Theatre of Harlem, em Nova York, Ingrid Silva, Ismael foi um ícone da dança nacional. “Tive a oportunidade de conhecê-lo quando participamos juntos na entrevista com o Pedro Bial. Foi um dos momentos mais especiais pra mim. Lembro que ele falou ‘menina, você é um patrimônio nacional, um dia quero ver você dançando em uma das nossas apresentações aqui no Balé da Cidade de São Paulo’. Carinhosamente, me deu um abraço e mantivemos contato. Ontem a noite, após saber de seu falecimento, fiquei muito triste. A dança hoje perde um pioneiro brasileiro”, afirmou à Vogue.

É importante dizer que Ivo não fugia de assuntos duros, como o racismo. Em entrevistas costumava afirmar que era necessário que o Brasil olhasse com contundência e colocasse “o dedo na ferida” nessa questão. Assim ele o fez, inserindo o debate sobre o protagonismo do  corpo negro em espetáculos durante o mês da consciência negra, em 2017. O babalorixá Rodney de William chama atenção para isso: “Fico me perguntando: foi Covid ou foi tristeza? Quem acompanhou os últimos episódios da vida profissional dele sabe bem do que falo. O racismo nos tira a força. O racismo nos esgota. O racismo nos impede de reagir. A passagem de Ismael Ivo pelo Balé da Cidade de São Paulo foi marcada por essa ‘comorbidade’ que vem nos matando há séculos. Que os Orixás dancem felizes em sua chegada ao poderoso Orun!”. Em 2020, integrantes do Municipal fizeram denúncias de assédio moral contra ele, que acabou sendo demitido do cargo. 

Ismael Ivo (Foto: Reprodução/ Instagram)
Ismael Ivo (Foto: Reprodução/ Instagram)

Ismael voltou ao Brasil porque tinha o desejo de devolver algo ao seu país de origem. E a palavra que costumava usar era de “acessibilidede”. Dizia que gostaria de ver o Muncipal cheio de meninos da zona leste, como ele. A dança perde um mestre e o Brasil um resistente.

Uma série de figuras da cena artística prestaram suas homenagens ao coreógrafo por meio das redes sociais, caso do rapper Emicida e da cantora Assucena Assucena. Mais uma prova de que o legado de Ismael Ivo ultrapassa os limites do teatro. Confira abaixo:

Emicida
“A dança acorda mais triste hoje com a perda de Ismael Ivo para o covid 19. Um destruidor de barreiras em toda a sua trajetória. Esteja em paz”.

Ballet de paraisópolis
“Um mestre, pensador, coreógrafo, bailarino… um artista nato. Hoje perdemos uma figura da dança e um grande amigo

Assucena Assucena
“Um gênio! Tive a honra de conhecê-lo rapidamente à frente do maravilhoso Balé da Cidade de São Paulo. “Um Jeito de Corpo” foi um dos espetáculos mais lindos que pude sentir na minha vida”.

Fabiana Cozza
Vê-lo dançando foi das maiores emoções que senti vendo um artista em cena. Um dos gigantes da dança contemporânea internacional, o brasileiro Ismael Ivo se despediu há pouco. Minhas condolências à família. Vá em paz, Mestre!

Inês Bogéa
Sua paixão pela dança esteve presente em cada gesto e palavra de forma carismática e inspiradora. Levo comigo seu sorriso sempre amplo e acolhedor.

Fonte: Vogue