Na mira do Congresso, Ricardo Salles vira a bola da vez na Esplanada

O ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro tentou atrapalhar uma megaoperação da Polícia Federal no Amazonas contra o desmatamento. Ele é alvo de duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) que serão relatadas pela ministra Cármen Lúcia

(Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Depois da demissão de Ernesto Araújo do Itamaraty, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é a bola da vez na Esplanada. Criticado desde o início de sua gestão pela política ambiental, que tem prejudicado a imagem do Brasil no exterior e despertado retaliações de outros países, Salles está na mira do Congresso, do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Acusado de tentar atrapalhar uma megaoperação da Polícia Federal no Amazonas contra o desmatamento, em dezembro, Salles é alvo de duas ações no Supremo que serão relatadas pela ministra Cármen Lúcia – uma apresentada pelo PDT e outra pelo próprio superintendente da corporação no estado, Alexandre Saraiva. O episódio resultou na queda de Saraiva esta semana e aumentou a contrariedade dos parlamentares com relação ao ministro.

Pelo mesmo motivo a oposição se articula para convocar o ministro e levá-lo ao plenário, em comissão geral, para explicar as acusações. E, para isso, conta com apoio de parlamentares de outros partidos, como o primeiro-vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que chama Salles de “antiministro” e aliado de criminosos. Lideranças do Centrão, grupo de partidos de centro-direita e direita que apoiam Bolsonaro, também têm pedido a cabeça do ministro, que ainda conta com um grupo de apoiadores entre os integrantes da bancada ruralista.

A pressão contra Salles também vem do exterior. Em carta a Joe Biden, 15 senadores democratas pediram ontem ao presidente dos Estados Unidos que condicione qualquer parceria com o Brasil na Amazônia a uma mudança real na política ambiental para a redução do desmatamento na região. A nota é um alerta a Biden a respeito do pedido de apoio feito por Jair Bolsonaro nesta semana ao colega americano, em carta na qual se compromete a acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Os senadores democratas alegam que o governo brasileiro não é confiável e ressaltam que o fracasso do Brasil na área ambiental impedirá os Estados Unidos de apoiar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vaga cobiçada por Bolsonaro.

A insatisfação com Salles é crescente no Congresso, como mostra o primeiro vice-presidente da Câmara. “Ricardo Salles é um antiministro do meio ambiente. Na luta pela preservação da Amazônia, ele está ao lado dos criminosos. Compromete a imagem do país e as relações com países fundamentais para as nossas exportações, em especial, do agronegócio”, critica o deputado Marcelo Ramos ao se referir à acusação de que Salles tentou proteger desmatadores na Operação Handroanthus.

Convocação

A Câmara pode analisar na próxima semana um pedido de convocação da oposição para que o ministro explique as suspeitas apontadas pela Polícia Federal no Amazonas na notícia-crime enviada ao STF. “Ricardo Salles tem muito a explicar para o Congresso. Além de todo o desmonte da política de proteção ambiental construída no Brasil ao longo de décadas, agora precisa também explicar suas ações que levaram o superintendente da Polícia Federal no Amazonas a denunciá-lo pela prática de diversos crimes. Queremos que ele venha ao Congresso para podermos inquiri-lo a esse respeito”, justifica o pedido de convocação o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ). Para o líder da minoria, Marcelo Freixo (Psol-RJ), está claro que Salles comete crimes. “É um antiministro, é inimigo do meio ambiente, comete sucessivos crimes e precisa ser questionado no Congresso Nacional.”

A ministra Cármen Lúcia foi sorteada para relatar a notícia-crime da PF e o pedido de investigação feito pelo PDT. A operação resultou na apreensão de aproximadamente 200 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente, material estimado em quase R$ 130 milhões.

Saraiva foi destituído da superintendência um dia após o anúncio de que havia pedido investigação do ministro. O delegado acusa Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e o senador Telmário Mota (Pros-RR) de dificultarem ação fiscalizadora do poder público no meio ambiente, exercer advocacia administrativa e integrar organização criminosa.

“Em razão da magnitude dos resultados, apreensão de madeiras com valor estimado em R$ 129.176.101,60, o setor madeireiro iniciou a formação de parcerias com integrantes do Poder Executivo, podendo-se citar o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o parlamentar Telmário Mota (Pros), no intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública”, diz trecho do documento enviado pelo delegado ao Supremo.

Segundo o delegado, o Ministério do Meio Ambiente não exerceu seu poder de polícia e “resolveu adotar posição totalmente oposta, qual seja, de apoiar os alvos, incluindo, dentre eles, pessoa jurídica com 20 (vinte) Autos de Infração Ambiental registrados, cujos valores das multas resultam em aproximadamente R$ 8.372.082,00”. “Com efeito, além de omitir-se de exercer seu poder de polícia ambiental, dificultando ação de fiscalização ambiental, patrocina diretamente interesses privados (de madeireiros investigados) e ilegítimos no âmbito da Administração Pública”, acrescentou Saraiva na notícia-crime.

O delegado ainda contestou declaração de Salles de que a documentação da madeira apreendida era regular. De acordo com o agora ex-superintendente da PF no Amazonas, o material apreendido é produto de fraude em razão da grilagem de terras. Segundo Saraiva, Salles, Telmário e Bim agiram como “braço ativo” dos madeireiros alvos da Operação Handroanthus, ocorrida em dezembro do ano passado. Além de omitir-se de exercer seu poder de polícia ambiental, dificultando ação de fiscalização ambiental, patrocina diretamente interesses privados (de madeireiros investigados) e ilegítimos”, escreve o delegado sobre a atuação ministerial.

Em entrevista à GloboNews, Saraiva reforçou a denúncia contra o ministro. Segundo ele, as atividades do Ibama estão sendo desviadas no combate ao desflorestamento. “O Ibama sempre foi parceiro da Polícia Federal no combate à extração de madeira ilegal. O que está acontecendo agora não tem precedentes”, disse. O delegado disse ainda que não tem apego ao cargo de liderança na PF e que estava apenas “seguindo a lei”. “Não fiz concurso para superintendente da PF. Sou delegado da PF, não tenho apego ao cargo. Sigo a lei”. Na quinta-feira, ele foi substituído na superintendência da PF pelo delegado Leandro Almada. A troca foi feita pelo novo diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, conduzido ao cargo na semana passada.

Para o subprocurador-geral do TCU Lucas Furtado, a atuação de Salles merece a devida atenção do TCU. “A atuação do ministro do Meio Ambiente, na sequência dos acontecimentos, revela um total descolamento das atribuições do cargo que exerce, que deveria se pautar pela defesa do meio ambiente e pela fiscalização de atividades ilegais que resultam em dano ao patrimônio ambiental brasileiro”, disse. “Ao contrário do que se esperava da atuação do ministro, ele vem atuando, segundo narrado na notícia crime, em defesa dos interesses dos madeireiros que realizaram as extrações ilegais e criminosas”, acrescentou.

O Congresso em Foco procurou Salles neste sábado (17), mas não houve retorno. Em resposta à agência Reuters, o ministro disse que não fez nada para impedir a operação. Segundo ele, o delegado da PF fez um “último ato midiático” sem “nenhum fundamento”, quando já sabia que deixaria a Superintendência da PF no Amazonas, antes de ser comunicado oficialmente. O senador Telmário Mota disse que entrou com uma representação por abuso de autoridade, uma queixa-crime por calúnia e uma petição para Corregedoria-Geral da PF contra Alexandre Saraiva.

Fonte: Congresso Em Foco