Pandemia de covid-19 impulsiona crise política no Paraguai

Rafael Villa diz que o Paraguai é um dos países mais pobres da América Latina e enfrenta problemas não só no combate à pandemia como também se vê às voltas com uma crise política

Os paraguaios ignoraram o isolamento social e foram às ruas pedir a renúncia do presidente Mario Abdo Benítez – Foto: Ministerio de Hacienda via Wikimedia Commons/Flickr/Domínio público

Para entender o que está acontecendo no Paraguai, é preciso diferenciar duas frentes de conflito do governo, que avançam em paralelo. A crise sanitária que o presidente Mario Abdo Benítez insiste em negar — hospitais com UTIs lotadas, escassez de medicamentos para pacientes internados com covid-19,  além da baixa taxa de vacinação da população — é profundamente delicada. E o drama da pandemia minimizado pelo presidente acabou se tornando a motivação perfeita para que seus opositores, dentro e fora do Partido Colorado, voltem à carga com um pedido de impeachment.

Com esse quadro, os paraguaios ignoraram o isolamento social e foram às ruas pedir a renúncia do presidente Mario Abdo Benítez.  Os protestos contrários  começaram depois de um aumento expressivo no número de casos da covid-19 no país, com a chegada da segunda onda da doença.

O Paraguai possui sete milhões de habitantes e sua maioria é basicamente formada por jovens, são cerca de 27% de seus habitantes, além disso 38% da população ainda vive na zona rural, por isso a covid-19 não teve um grande impacto na primeira onda do vírus. Na segunda onda, a doença atingiu a capital e os moradores do campo.

O professor Rafael Villa, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri-USP) e de Ciências Políticas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo, explica que a recente crise que o país está vivendo está relacionada com a “péssima” gestão da pandemia, já que Benítez é negacionista.

“A crise política se dá pela motivação da causa sanitária. Quando Fernando Lugo sofreu impeachment, a causa era política pela polarização ideológica no Paraguai”, compara ele. Nos últimos 20 anos, dois presidentes paraguaios não conseguiram cumprir o mandato: Raul Cubas Grau e Fernando Lugo.

Mesmo assim, o professor da USP “não acredita em um pedido de impeachment, visto que ele possui maioria no Congresso, por isso a chance de ele cumprir seu mandato até o final (2023) é grande”, conclui.

A possibilidade de impeachment depende do Congresso, cujas forças hegemônicas são da situação. As forças do Partido Colorado, ligadas ao presidente anterior Horácio Cartes controlam o legislativo, e os partidos de oposição não têm maioria suficiente.

Dados da pandemia

São 1200 novos casos de covid por dia e mortes em alta. A campanha de vacinação é considerada a pior do continente. O Paraguai conseguiu apenas 4 mil doses da vacina russa Sputinik V, 20 mil doses da chinesa Coronavac doadas pelo Chile e 36 mil da Astrazeneca pelo Sistema Covax da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Além disso, faltam medicamentos básicos para tratamento da covid e não há mais leitos de UTI”, acrescentou.

As condições sanitárias do Paraguai são precárias, segundo Villa, para uma população de sete milhões, com apenas três mil UTIs públicas e um sistema de saúde privado muito caro e inacessível. O governo pediu ajuda ao Brasil para a campanha de imunização, mas não obteve resposta devido às dificuldades da campanha brasileira com o fornecimento de vacinas.

Na América do Sul, o Brasil tem a pior proporção de mortes da população, com 1.726 por milhão, 15o do mundo, seguido do Peru, com 1.694, Colômbia com 1.317, Argentina com 1.298, Chile com 1.295, Bolívia com 1.070, Equador com 982. O Paraguai tem 719 mortes por cada milhão de habitantes, ocupando o 58o. lugar dentre 221 países. Segue-se o Uruguai com 513 e a Venezuela com 66 mortos por milhão.

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