Eleição no Peru: um sindicalista, a cavalo, desafia o neoliberalismo

No segundo turno, Pedro Castillo se posiciona como o candidato da esquerda radical diante de Keiko Fujimori – que mantém o mesmo discurso de direita

Com cem por cento das urnas apuradas, o professor e sindicalista Pedro Castillo se consolida na primeira colocação para o segundo turno presidencial. Sua rival será Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori e várias vezes candidata à presidência.

A vitória de Castillo, do Partido Peru Livre, sobre outros candidatos de longa carreira política, continua a surpreender, principalmente em Lima, capital do país e centro do poder político. Dos 18 candidatos ao cargo mais importante do país, Castillo figurava nas últimas colocações de intenção de voto, mas na reta final da campanha foi o único que teve um crescimento exponencial nas urnas, enquanto seus contendores estagnaram.

Resultado: Pedro Castillo, do Perú Libre, obteve 19,10% dos votos; Keiko Fujimori, do Fuerza Popular, 13,37%.

Neste domingo, a empresa Ipsos divulgou a primeira pesquisa do segundo turno, marcado para o dia 6 de junho, e o resultado ratifica a expressão cidadã do primeiro turno. Segundo o levantamento, Castillo obtém 42% das preferências eleitorais; Fujimori, 31%. O estudo destaca ainda que a aceitação de Castillo chega a 68% no centro e no sul do país, enquanto Fujimori obtém 43% em Lima.

Da mesma forma, 55% dos consultados indicam que definitivamente não votariam em Fujimori e 33%, não votariam em Castillo. Em relação à decisão de votar em um dos candidatos, 67% dos entrevistados afirmaram já saber em quem irão marcar a cédula e 29% disseram que ainda não sabem.

Faltam ainda sete semanas para o segundo turno eleitoral. Mas, se essa tendência continuar, um professor rural, a cavalo, de chapéu de aba larga e ruana, que desafia o modelo neoliberal imposto há 30 anos, será o próximo presidente da nação. E é justamente esse o motivo do triunfo de Castillo no primeiro turno eleitoral. Ele é o candidato “antissistema”, o homem do Peru profundo, abandonado pelo Estado, inexistente para a mídia corporativa e só visitado com promessas quebradas por candidatos a cargos públicos importantes em tempos eleitorais.

Castillo, 51 anos, nascido no departamento de Cajamarca, ganhou visibilidade em 2017 ao liderar uma greve nacional de professores que durou três meses. Eles exigiam melhores salários, a eliminação das avaliações de desempenho no trabalho, por considerá-las discriminatórias, e recursos suficientes para atender à desgastada infraestrutura das escolas.

Entre as principais propostas de Castillo, está a mudança da Constituição de 1993, nascida durante a ditadura de Fujimori, que instalou o modelo neoliberal no país. Para isso, propõe uma Assembleia Nacional Constituinte, conforme reivindicada por milhões de pessoas nas ruas em 2020. Oferece também a nacionalização de setores estratégicos da economia, uma reforma judicial profunda e acesso gratuito à universidade. É, sem dúvida, um projeto de país diametralmente diferente dos “outros” 17, só que com uma certa proximidade com Verónica Mendoza, do Juntos por el Perú.

Porém, com características próprias, para o país, é um cenário semelhante ao das eleições de 2016: fujimorismo versus antifujimorismo, entre Keiko Fujimori e Pedro Pablo Kuczynski. Embora ambos na direita, a balança inclinou-se para o também conhecido “PPK”, que renunciou em 2018, atolado em um escândalo de corrupção. Desde então, quatro presidentes passaram pela Casa de Pizarro.

Agora, em meio a essa crise sistêmica, com o cansaço do povo, Castillo se posiciona como o candidato da esquerda radical diante de Fujimori – que mantém o mesmo discurso de direita, apenas amenizado pelas circunstâncias atuais e por um processo judicial por conta do qual passou 13 meses na prisão, acusada de lavagem de dinheiro. Em novembro de 2021, o Ministério Público pediu contra Fujimori uma sentença de mais de 30 anos por suposto recebimento de dinheiro ilegal da empreiteira brasileira Odebrecht para financiar suas campanhas de 2011 e 2016.

Nas próximas semanas, veremos qual será a movimentação dos representantes da fraturada ala direita. Eles vão se juntar à filha do ditador? Será que vão esquecer por um momento o escândalo de corrupção para bloquear o caminho do professor rural que enfrenta o status quo? O povo tem a última palavra e, no dia 6 de junho, saberemos.

Fonte: FarodiRoma, via OperaMundi