O caráter revolucionário na premiação de Nomadland no Oscar

Não se trata apenas de ser o primeiro vencedor de Melhor Filme dirigido por uma mulher não branca

A Melhor Atriz do Oscar 2021 Frances McDormand interpreta Fern em Nomadland, vencedor de Melhor Filme | Foto: Divulgação

Por Dan Kois*

A conquista de Nomadland no domingo (25) à noite na cerimônia do Oscar, onde a produção ganhou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Atriz, é um marco na história do Oscar por várias razões. O primeiro vencedor de Melhor Filme dirigido por um asiático-americano, o primeiro dirigido por uma mulher não branca e apenas o segundo dirigido por uma mulher, ponto final. Filme sobre precariedade econômica ganha o grande prêmio pelo segundo ano consecutivo. O filme de menor bilheteria a ganhar o de Melhor Filme desde 1950. O primeiro vencedor de Melhor Filme a retratar seu herói fazendo cocô em um balde.

Mas eu diria que o aspecto mais importante da vitória de Nomadland – ou pelo menos o aspecto mais importante sobre o qual ninguém está falando – tem a ver com seu assunto. Não, não nômades. Mulheres. Filmes sobre mulheres basicamente nunca ganham o Melhor Filme. Pelas minhas contas, Nomadland é um dos apenas seis filmes focados na vida e nas histórias de mulheres a ganhar o prêmio. Isso em 93 anos.

Seis anos atrás, eu escrevi sobre Livre (Wild – 2014), um grande filme que ganhou uma indicação de Melhor Atriz por Reese Witherspoon, mas não chegou a ser indicado para Melhor Filme. Quando os homens são indicados para Melhor Ator, seus filmes são candidatos a Melhor Filme, eu escrevi. Quando as mulheres são indicadas para Melhor Atriz, muitas vezes seus filmes não são. Os filmes que sempre são indicados para Melhor Filme refletem uma certa ideia do valor das histórias de homens em comparação com as de mulheres. O desprezo por Livre mostrou que, mais uma vez, “as histórias de mulheres – aquelas no mundo, vivendo vidas humanas reais, existindo não como personagens auxiliares, mas como heróis de suas próprias histórias – são consideradas inadequadas para o maior prêmio da indústria.”

Nos anos que se seguiram, isso não mudou muito. Nas cinco cerimônias do Oscar entre aquele ano e este, apenas seis dos 43 indicados ao prêmio de Melhor Filme contaram histórias de mulheres. Os indicados deste ano não se saíram muito melhor, embora seja notável que haja espaço não apenas para a versão suavemente realista de Nomadland da história de uma mulher americana, mas também para a versão colorida e impetuosa apresentada em Bela Vingança. A diferença, este ano, é simplesmente que uma das histórias das mulheres venceu.

A principal competição de Nomadland para o Melhor Filme deste ano foi Os 7 de Chicago, um filme quase inteiramente sobre as angústias, as travessuras, a importância histórica e os discursos inspiradores dos homens. Apropriadamente, considerando seu meio histórico, Os 7 de Chicago apresenta apenas três personagens femininas com algum destaque; sem surpresa, considerando seu roteirista e diretor, Aaron Sorkin, essas três mulheres existem para receber o sermão de um homem, trair outro homem e fazer uma piada picante sobre dormir com outros homens. É totalmente divertido, mas não estou de forma alguma chateado por vê-lo derrotado pelo muito melhor Nomadland.

Nomadland é um filme silencioso o suficiente que é difícil pensar nele como verdadeiramente revolucionário. No entanto, o foco absoluto na história de uma mulher americana autêntica e única concede ao filme essas mesmas qualidades. Fern é difícil, gentil, corajosa e deprimida. Ela toma decisões boas e muito ruins. Sentimos por ela, sonhamos por ela, desesperamos por ela. Fern pode representa um estilo de vida e uma classe econômica, mas é também muito mais do que isso. O fato de ela viver no centro de um filme que foi considerado por Hollywood o melhor filme do ano é notável.

Nomadland, ao contrário de quase todos os outros ganhadores de Melhor Filme, é sobre a mulher e mais ninguém. Fern não é mais esposa e nunca foi mãe. Fern não tem um mentor, motorista sábio ou nêmesis canibal cujo relacionamento com ela define o filme. Ela não é uma musa, um amor perdido ou uma amante condenada.

Fern e seu filme não estão envolvidos em um romance, seja com um membro de uma gangue, um dono de boate, um artista pobre, um bon vivant ou um peixe. Fern considera brevemente se estabelecer com um cara perfeitamente legal, mas ela eventualmente o rejeita por sua vida solo na estrada.

Nomadland junta-se a Sra. Miniver (1942), A Malvada (All About Eve – 1950), Laços de Ternura (Terms of Endearment – 1983), Entre Dois Amores (Out of Africa – 1985) e Chicago (2002) como filmes muito mais interessados ​​em mulheres do que em homens para ganhar o Melhor Filme. Essa é uma lista com grandes filmes e Nomadland pode até ser o mais engenhoso de todos eles.

Ao contrário dos filmes anteriores, Nomadland foi escrito e dirigido por uma mulher, trazido à existência por uma equipe de produtores que apresenta três mulheres e baseado em um livro escrito por uma mulher, Jessica Bruder. Isso também é revolucionário. O sexismo arraigado em Hollywood sugere que esta vitória não será suficiente para mudar, de uma vez por todas, a noção de Hollywood sobre o que faz uma história valiosa e digna de prêmios. Mas espero que essa vitória convença os produtores a investir em mais algumas histórias como a de Fern.

Fonte Slater

(*) Dan Kois é editor e escritor da Slate. Ele é o autor de “How to Be a Family” e coautor de “The World Only Spins Forward”.