Pandemia: Brasil pode chegar a 611 mil mortes por Covid até agosto

“O inverno deve piorar a situação” no País, afirma o médico responsável pelo modelo estatístico adotado pela Casa Branca, nos EUA

Com a chegada do inverno, a pandemia pode ter um repique no Brasil e acelerar o número de mortes por Covid-19. É o que aponta o médico libanês-americano Ali Mokdad, responsável pelo modelo estatístico adotado pela Casa Branca, nos Estados Unidos

Segundo ele, o Brasil pode chegar a 611 mil óbitos em decorrência do novo coronavírus até agosto, tornando-se um dos países com mais mortes por habitantes no mundo. O motivo é claro: os governos, em particular o federal, continuam resistindo a adotar as recomendações de uso de máscaras, distanciamento e o fechamento parcial de atividades – o chamado “lockdown”.

“Acabamos de finalizar uma nova estimativa que aponta até 611 mil mortes no Brasil até agosto. O inverno deve piorar a situação”, afirma Mokdad, chefe de estratégias para saúde pública do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, em Seattle. “Por sorte, as vacinas têm se mostrado eficazes em reduzir as mortes. Mas a vacinação está atrasada no País.”

Num momento em que o Senado organiza uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) para apurar as omissões do governo Jair Bolsonaro na tragédia, Mokdad é enfático ao opinar sobre o papel federal na escalada de mortes. Para ele, das mais de 220 mil mortes adicionais com relação ao saldo atual de mais de mais de 390 mil vítimas, ao menos 63 mil podem ser evitadas com medidas para estimular o uso de máscaras, o distanciamento, o isolamento social e o “lockdown”.

“Do lado do governo, foram muitas as vozes que não levaram a Covid-19 a sério e não deram o exemplo correto – e houve perda de tempo com um falso dilema entre salvar vidas ou salvar a economia. Isso vale principalmente para o presidente Jair Bolsonaro, cujo exemplo influencia muito as pessoas, da mesma maneira que aconteceu nos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump”, diz o cientista.

Na estimativa mais recente do instituto, divulgada na última semana, o Brasil teria entre 548 mil e 611 mil mortes até agosto. A diferença entre os cenários depende das lideranças políticas, afirma Mokdad. “Muitas das mortes poderiam ter sido evitadas caso o presidente tivesse outra atitude. Infelizmente, ele minimizou a doença, não usou máscaras e causou aglomerações. Em retrospecto, se fosse um presidente diferente aplicando políticas diferentes, o país teria uma situação bem melhor. É simples assim.”

Antes disso, o país já havia extrapolado o pior cenário previsto pela entidade – que, em agosto passado, estimou que o Brasil teria até 160 mil mortes em 2020. Porém, foram 195,4 mil vítimas até 31 de dezembro, segundo o consórcio de veículos de imprensa que passou a apurar os balanços junto às secretarias estaduais após o Ministério da Saúde se recusar a fornecer dados e, depois, alterar metodologias.

Se o pior cenário previsto pelo IHME se concretizar, é provável que o Brasil se torne um dos países com maior número proporcional de mortes entre as nações com mais de 5 milhões de habitantes – a projeção é que isso possa acontecer caso o total de vítimas supere 600 mil. Hoje, segundo dados do Worldometers.info, que agrega informações globais sobre a Covid, o Brasil ocupa o segundo lugar na lista de nações com mais mortes, atrás dos EUA, e é o oitavo em mortes por milhão de pessoas entre países com mais de 5 milhões de habitantes.

Além de aumentar o número de mortes evitáveis, a postura das lideranças brasileiras fomentou – e continua incentivado – o surgimento de novas variantes do vírus, o que ajudou a fazer explodir o total de vítimas no país. “Esse vírus estará entre nós por muito tempo, porque estamos deixando que ele sofra mutações. O Brasil tem tido 80 mil novas infecções confirmadas por dia”, afirma. “São 80 mil novas chances para o vírus se transformar em algo mais perigoso. Não há vacinas suficientes, e, mesmo que houvesse, algumas não protegem das variantes.”

Mokdad questiona a eficácia de projetos de lei que permitam a empresas comprar vacinas, como o que está em discussão no Brasil. “Se esse esforço vai ajudar a fazer com que todos tomem vacina, legal. Mas se vai criar um mercado no qual só os ricos conseguem se vacinar – e à custa de fazer faltarem vacinas para áreas e pessoas pobres –, isso é um erro grave”, afirmou. “A disseminação maior no Brasil neste momento não é entre ricos, mas entre pobres. Qualquer esforço para vacinar pessoas ricas é um erro. Esforços para vacinar pessoas pobres dão resultados melhores. Caso contrário, haverá novas ondas, pondo inclusive os ricos em perigo.”

Com informações do Valor Econômico