CPI da Covid avança, desarma estratégia e coloca pressão em Bolsonaro
Apesar das negativas do atual titular da pasta de Saúde, Marcelo Queiroga, os ex-ministros Teich e Mandetta revelaram a omissão e irresponsabilidade do presidente na condução da pandemia. Planalto ignorou alertas, insistiu na cloroquina e apostou na “imunidade de rebanho” pelo contágio
Publicado 07/05/2021 15:22
A primeira semana de trabalho da CPI da Pandemia conseguiu colocar pressão no presidente Jair Bolsonaro e desarmou a estratégia do Palácio do Planalto de tentar se eximir de responsabilidades pela desastrosa condução da pandemia. Para a maioria dos senadores que integram a comissão, depois de ouvir os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual titular da Saúde, Marcelo Queiroga, ficou claro que a resposta do governo diante do Covid-19 foi omissa e irresponsável.
“As informações prestadas pelos ex-ministros corroboram a ideia de que Jair Bolsonaro tem responsabilidade direta no trágico quadro da pandemia no Brasil”, resume o senador Humberto Costa (PT-PE), titular da CPI, que também fez críticas ao atual ministro. “Além de não responder às perguntas na CPI para blindar o chefe genocida, Marcelo Queiroga não criticou o uso de cloroquina, condenada mundialmente pela ciência, e ainda errou dados sobre a vacinação no Brasil. Foi constrangedor”.
Humberto diz que tanto Mandetta quanto Teich incriminaram Bolsonaro. Os dois ex-ministros revelaram à CPI que havia pressão do presidente pelo uso de cloroquina no tratamento da Covid-19, mesmo sem eficácia comprovada. Teich disse que pediu demissão do cargo porque não tinha autonomia no cargo e era pressionado a adotar a cloroquina. Além da revelação, pesa também contra o governo a ordem dada pelo Planalto ao Exército para a produção em massa do medicamento – prescrito para o tratamento da malária. O laboratório militar tem em estoque o equivalente a 18 anos de cloroquina, o que é prova do mal uso dos recursos públicos.
Além disso, os ex-ministros afirmaram que Bolsonaro não apenas ignorava as orientações da pasta, como tomou decisões ouvindo pessoas sem conhecimento técnico. Mandetta disse que sofria a concorrência, dentro do governo, de assessores, filhos do presidente e de médicos que chegaram a propor um decreto para incluir na bula da cloroquina o tratamento para Covid-19.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se mostrou surpreso. E aponta que os depoimentos colhidos até agora mostram “a existência de um gabinete das sombras, um ministério paralelo da saúde, um poder paraestatal” que não só aconselhava o presidente da República como definia medidas no enfrentamento do coronavírus numa linha contrária à de seus ministros da Saúde.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE), que também participou das audiências da CPI, reforça que todos os depoimentos indicam que Bolsonaro é responsável direto pelos mais de 410 mil mortos. “Questionamos o ministro da Saúde sobre a estratégia de Bolsonaro em promover contaminação em massa com a Covid-19. E o próprio ministro reconheceu as ilegalidades do presidente da República”, aponta. No depoimento de quinta-feira, 6, Queiroga disse que é importante evitar aglomerações. “Toda aglomeração deve ser dissuadida, independente de quem faça”, disse.
Rogério considerou “gravíssima” a revelação de que o Ministério da Saúde recomendou o uso de cloroquina para o tratamento da Covid-19, apesar de a Organização Mundial de Saúde considerar ineficaz e perigosa a prescrição do medicamento. “O órgão máximo de representatividade de saúde pública no país, por meio de nota, passou a recomendar uso da cloroquina”, condenou. “Um medicamento já comprovado pela ciência que não tem eficácia e, pior, pode levar ao óbito”. E ataca: “É o governo da morte e da mentira”.
Imunidade de rebanho
Humberto diz que o Palácio do Planalto apostou na tese da imunidade de rebanho pelo contágio. “Bolsonaro atuou deliberadamente para espalhar o coronavírus pelo país para ‘não deixar o Brasil parar’ e alcançar a imunidade da população”, ressalta o senador, que é médico e foi ministro da Saúde no governo Lula. “Mandetta confirmou que o presidente atuou para espalhar o vírus pelo Brasil. E Teich confirmou que Bolsonaro trabalhou e pressionou para incluir a cloroquina como protocolo contra a Covid. Bolsonaro terá de responder por tudo isso”, insiste.
Ele avalia que de nada adiantou Marcelo Queiroga tentar blindar o presidente. A conduta irresponsável de Bolsonaro ficou evidente. O ministro insistiu em não responder se recebeu orientação de Bolsonaro para o Ministério da Saúde recomendar a prescrição de hidroxicloroquina. Mas ao se recusar a avaliar a posição do presidente em defesa do medicamento, expôs a posição controversa e criminosa do chefe do governo. Sobre as recomendações médicas para a adoção de medidas de isolamento social, Queiroga disse que não faria “juízo de valor”, quando questionado se concordava com a declaração de Bolsonaro de que poderia editar decreto contra a política de isolamento social.
As evasivas de Queiroga não conseguiram esconder as contundentes revelações dos ex-ministros. Segundo Mandetta, o presidente foi alertado sobre a importância do isolamento social. Ele disse que chegou a escrever uma carta a Bolsonaro defendendo a medida. O documento foi entregue à CPI. Mandetta também declarou que não partiu do Ministério da Saúde a orientação para produção de cloroquina pelo Exército – o que coloca a responsabilidade diretamente sobre o Palácio do Planalto.
Já Teich disse que foi a insistência de Bolsonaro com o uso da cloroquina que o levou a deixar o governo. Segundo o ex-ministro, a gota d’água foi uma sequência de falas de Bolsonaro, incluindo a defesa da expansão do uso da cloroquina. Teich disse que tinha a “impressão” de que o governo buscava a imunidade de rebanho para vencer a pandemia. E criticou o discurso do governo federal que coloca a economia e a saúde em oposição.
Humberto considera as revelações comprometedoras para o governo. “Bolsonaro inundou o Ministério da Saúde de negacionismo. Jogou os brasileiros para o vírus. Bolsonaro escolheu o caminho trágico que tomamos”, disse. Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), que também acompanhou as sessões da comissão – embora não seja integrante – os depoimentos foram reveladores e comprometem diretamente o Planalto.
“Bolsonaro incentivou o uso de medicamentos sem qualquer tipo de comprovação científica e, aparentemente, exerceu sua autoridade para que essa posição fosse a do governo”, afirma. “Essa atitude pode ter provocado milhares de mortes e a CPI vai apurar tudo”.
Fonte: PT no Senado