Brasil vive fuga recorde de multinacionais sob o governo Bolsonaro
Embora haja excesso de capital no mundo e juros baixos no Brasil, investidores optam abertamente por outros países emergentes
Publicado 09/05/2021 12:20 | Editado 10/05/2021 16:44
A crise econômica do Brasil, agravada pela pandemia de Covid-19 e pelas mazelas do bolsonarismo, provocou uma fuga recorde de multinacionais. Um número sem precedentes de grandes empresas estrangeiras, atuantes em áreas distintas, deixou o País entre 2020 e 2021, escancarando a falta de perspectivas imposta pelo governo Jair Bolsonaro.
A montadora norte-americana Ford – que estava no Brasil havia mais de cem anos – preferiu sair daqui e manter a fábrica na Argentina. A espanhola Cabify desistiu do País alegando que a crise dificulta o avanço do serviço de carona. A cimenteira franco-suíça LafargeHolcim, a maior do ramo no mundo, também preferiu partir.
A japonesa Sony decidiu não mais fabricar ou mesmo vender no País TVs, equipamentos de áudio e câmeras, abandonando a Zona Franca de Manaus, polo que garante isenções tributárias. Foram-se também a farmacêutica suíça Roche e o laboratório americano Eli Lilly. A varejista francesa L’Occitane fechou lojas no Brasil, e a americana Walmart, maior rede de varejo do mundo, repassou os ativos no País.
Embora haja excesso de capital no mundo e juros baixos no Brasil, investidores optam abertamente por outros países emergentes. A recessão global freou o investimento direto estrangeiro no País no ano passado e estimulou a repatriação de capitais pelas empresas transnacionais brasileiras. A entrada líquida de investimento direto do exterior no País teve uma queda de 50,6% em 2020, lembra Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).
“Podemos até atrair investimentos em commodities e em setores de infraestrutura, mas as deficiências vão continuar em muitas outras áreas”, afirma Cagnin. Segundo ele, os problemas que assustam investidores são anteriores ao novo coronavírus. Do ponto de vista do PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil não cresce, de fato, desde 2014, e a má gestão da pandemia põe a economia sob mais incertezas. “O Brasil dá sinais de crescimento pífio, com muitos problemas sociais agravados pela pandemia”, diz.
De 2017 a 2019, por exemplo, o País teve média anual de crescimento inferior a 1,5%. “A gente não tem uma melhora de performance do ponto de vista sanitário, de como gerir e lidar com o surto de Covid-19. Não fizemos lockdowns adequados, vivemos de abre e fecha, temos uma vacinação lenta e cheia de erros, além de desemprego”, afirma. “O governo poderia ajudar a reduzir graus de incerteza, mas não faz isso.”
Cagnin lembra que várias das empresas que deixaram o Brasil estão diante de um choque de novas tecnologias e são obrigadas a se transformar, precisando de locais mais estruturados para promover seus avanços. Países com vacinação mais eficiente, que oferecem pacotes de recuperação baseados em economia verde, caso dos Estados Unidos, são muito mais atraentes.
Outro problema deixado pelo governo Bolsonaro foi o menor poder de consumo das classes mais pobres. A recessão seguida pela pandemia e a desorganização nos planos de socorro aos mais pobres e trabalhadores informais atingiu em cheio um dos maiores trunfos do País sob os governos Lula e Dilma.
Com Bolsonaro, a classe C (cuja renda mensal é de R$ 1.926 a R$ 8.303) teve uma queda brutal na renda. Segundo a FGV Social, quase 32 milhões deixaram essa faixa desde agosto do ano passado – ápice do pagamento do auxílio emergencial. Da classe V, esse contingente foi para uma vida mais dura nas classes D (com renda de R$ 1.205 a R$ 1.926) e até E (até R$ 1.205).
Além disso, o Brasil é antepenúltimo emergente em ranking de vulnerabilidade macroeconômica elaborado pela consultoria MB Associados. O ranking contrapõe indicadores como crescimento do PIB, inflação, desemprego e dívida bruta do governo. Para a MB, a economia brasileira tem 62% de vulnerabilidade (sendo quanto mais alto, pior). Na comparação com 18 outros países, o Brasil só é considerado menos vulnerável do que Argentina (74%) e África do Sul (67%).
Veja quais multinacionais deixaram o Brasil desde 2020:
- Ford: A montadora decidiu encerrar produção e fechar três fábricas. Em comunicado, a empresa anunciou que a decisão fazia parte de uma reestruturação global.
- Mercedes-Benz: A empresa anunciou que deixaria de produzir carros em Iracemápolis (SP), pela situação do mercado, mas manteve produção de caminhões e chassis de ônibus.
- Sony: Fabricante de eletrônicos anunciou que deixaria de fabricar e vender TVs, equipamentos de áudio e câmeras, devido ao cenário desafiador do mercado brasileiro.
- Cabify: Em comunicado, a companhia afirmou que, após análise do mercado, tomou a decisão de encerrar o serviço e que o Brasil segue muito afetado pela crise sanitária.
- LafargeHolcim: A fabricante de cimento franco-suíça deve concentrar atividades na Europa. Incertezas e dólar podem ter pesado contra permanência da cimenteira no Brasil.
- LG: O fechamento da fábrica de celulares da LG no Brasil coloca em risco 830 empregos diretos. A empresa anunciou que irá encerrar até o fim de julho seus negócios em telefonia móvel no mundo.
- Roche: A farmacêutica suíça anunciou que encerraria a produção de medicamentos no Brasil, com o fechamento futuro da fábrica de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
- Forever 21: A varejista anunciou que fecharia as 11 lojas nos shoppings da rede Multiplan, em SP, DF e RS, entre outras. A empresa não conseguiu chegar a um acordo na negociação de aluguel.
- Audi: A montadora anunciou que deixaria de produzir o modelo A3 no Paraná. A empresa também cobra do governo estadual créditos de tributos do programa Inovar-Auto.
- Wendy’s: Após três anos de atividade no país, a hamburgueria fechou as unidades brasileiras. A lanchonete, famosa pelos lanches quadrados, chegou a ter cinco lojas em São Paulo.
- Glovo: A empresa de entregas, concorrente de iFood e Rappi, anunciou em 2019 que encerraria suas atividades no Brasil. Em comunicado, a empresa alegou dificuldades pela alta competitividade, o que demandaria mais investimentos.
Com informações da Folha de S.Paulo