CPI da Covid já tem provas da omissão e negligência de Bolsonaro

Depoimentos do diretor da Pfizer, do ex-secretário de Comunicação do governo e do diretor da Anvisa à CPI reforçam omissão do Planalto. Governo não se importou com oferta de 70 milhões de doses

Protesto contra Bolsonaro na Torre de TV, em Brasília (Foto: Brunna Palmer/Acervo pessoal)

A CPI da Covid encerrou a semana com pelo menos duas certezas: o governo Bolsonaro não apenas foi omisso, como negligente quanto à condução da crise sanitária, não dando a devida atenção e a menor importância à oferta de 70 milhões de doses da vacina contra a Covid oferecidas pela indústria farmacêutica Pfizer. Para integrantes da comissão, os depoimentos colhidos do diretor da Pfizer, Carlos Murillo; do ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fábio Wajngarten; e do diretor da Anvisa, Antônio Barra Torres, são esclarecedores e mostram que o governo deixou de zelar pela saúde pública.

“Bolsonaro levou quase um ano – um ano! – para assinar contrato com a Pfizer”, critica Humberto Costa (PT-PE). “As tratativas para a compra de 100 milhões de doses começaram em maio de 2020, mas só em março deste ano o contrato foi fechado. Quantas vidas poderiam ter sido salvas caso não tivesse havido negligência?”, questionou. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) também se mostrou estarrecido. “O Brasil poderia ter vacinado 1,5 milhão de pessoas no ano passado”, disse. O país tem agora mais de 430 mil mortos vítimas da Covid.

Segundo o diretor da Pfizer, a empresa fez em 2020 ao menos cinco ofertas de doses de vacinas contra o coronavírus ao governo Bolsonaro. E tanto o Palácio do Planalto quanto o Ministério da Saúde, sob o comando do general Eduardo Pazuello, ignoraram as propostas para a aquisição de 70 milhões de unidades do imunizante. Na terça-feira, o depoimento de Fábio Wajngarten foi revelador. Ele entregou o ofício do laboratório americano com a oferta oficial ao governo brasileiro, datado de agosto, e disse que o próprio filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, esteve reunido com representantes da empresa no Palácio do Planalto.

A CPI já anunciou que pretende convocar o filho de Bolsonaro para prestar esclarecimentos. Ele é o responsável pelo perfil do pai no Twitter e no Facebook e é apontado como responsável pela política de comunicação do governo nas redes sociais. Outro que também deve ser convocado é o assessor de Bolsonaro para assuntos internacionais, Felipe Martins. Ele foi outro a participar da reunião com representantes da Pfizer.

“É preciso saber por que o vereador Carlos Bolsonaro participou de reunião para acertar um contrato bilionário com a Pfizer”, afirma Humberto. “O Estado brasileiro não pode ser tratado como quintal de família. Já deu. Isso explica o porquê de tanto tumulto e tanta agressão a CPI e seus membros”, criticou o parlamentar.

Na quinta-feira (14), em um acesso de fúria durante visita a Maceió (AL), o presidente Jair Bolsonaro atacou violentamente Renan Calheiros, na tentativa de intimidá-lo. Não deu certo. “Ameaças e intimidações não irão atrapalhar as investigações da CPI”, reagiu o relator. “Não vou me intimidar. Meu trabalho é em respeito a todos que perderam suas vidas e aos familiares dessas vítimas. Iremos apurar os responsáveis por essa tragédia”.

Humberto lembrou que em 19 de dezembro do ano passado, o próprio Bolsonaro assumiu que não havia motivos para acelerar a campanha de vacinação. “A pressa da vacina não se justifica, porque mexe com a vida das pessoas”, disse em entrevista ao canal do outro filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (. “Você vai inocular algo e o seu sistema imunológico pode reagir de forma imprevista”, comentou. “A pandemia está chegando no fim. Os números têm mostrado isso. Estamos com uma pequena ascensão agora, que pode acontecer”.

O país viveu a partir de dezembro uma segunda onda da pandemia e, de janeiro até abril, superou o número de mortos entre março e dezembro do ano passado. “Se uma nação não tem celeridade e responsabilidade para vacinar o povo no meio de uma pandemia, terá responsabilidade com o quê?”, criticou Humberto Costa. “Não se trata de descuido do governo, mas de ato intencional para contaminar a população em massa, com a teoria de imunidade de rebanho defendida por Bolsonaro”, reforça o senador Rogério Carvalho (PT-SE). Ambos são médicos.

“Bolsonaro criou uma câmara de vírus no país e largou o povo brasileiro dentro para promover a imunidade de rebanho, com contaminação em massa”, critica Carvalho. “Para isso, ele tentou proibir o uso de máscara, boicotou vacinas, ameaçou governadores que tentaram aplicar medidas sanitárias contra o vírus, como medidas de isolamento social”.

Em fevereiro, antes da assinatura do contrato com o laboratório americano, o então ministro da Saúde reclamou publicamente das condições impostas pela empresa. ”A Pfizer, mesmo que nós aceitássemos todas as condições impostas, a quantidade que nos ofereceram desde o início foi: 500 mil doses em janeiro, 500 em fevereiro e 1 milhão em março; 6 milhões no total no primeiro semestre. Senhores, nós não podíamos ficar nisso”, afirmou Pazuello em depoimento ao Senado Federal.

O líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), contestou a versão do governo de que haveria cláusulas leoninas oferecidas pela Pfizer, que teriam sido o principal impedimento para a compra das vacinas do laboratório americano ainda no ano passado. “Os contratos obedeciam a normas comuns em transações internacionais e que o Brasil exige o mesmo tipo de salvaguarda nos acordos que negocia”, lembrou. “O governo federal foi omisso no enfrentamento à pandemia, e foi ainda mais ao negligenciar as negociações para compra de vacina”, acusa.

Os integrantes da CPI apostam que outras revelações virão nos depoimentos que serão colhidos na próxima semana. Além de Pazuello, serão ouvidos o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e a atual secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, chamada pela imprensa de Capitã Cloroquina. Ela foi uma das responsáveis pela distribuição do “kit covid” em Manaus, quando houve a crise emergencial por oxigênio, no início do ano.

Fonte:PT no Senado