Duas crianças Yanomami aparecem mortas depois de ataque de garimpeiros

Lideranças Yanomami falam pela primeira vez dos ataques que sofrem desde dia 10 de maio. A imagem abaixo mostra Célia Palimithëri durante coletiva de imprensa na manhã deste sábado (15)

(Foto: Yolanda Mêne/Amazônia Real)

Duas crianças Yanomami foram encontradas mortas após a investida armada de garimpeiros contra a comunidade Palimi ú. Para se proteger do intenso tiroteio na segunda-feira (10), os indígenas, assustados, se refugiaram na mata. Dois meninos de 1 e 5 anos, segundo as lideranças Yanomami, se perderam e, embora a comunidade tenha realizado buscas nos dias seguintes, seus corpos só foram encontrados boiando no rio Uraricoera em 12 de maio.

“No dia 11, eles (Yanomami) começaram a procurar as crianças. Acharam várias, mas sobraram duas. Então no dia 12 as duas crianças começaram a boiar no rio grande (rio Uraricoera)”, disse Dário Yanomami, presidente da Hutukara Associação Yanomami. Os corpos das crianças estão no mato, no jiral, secando, de acordo com o ritual dos povos Yanomami. O relato das mortes foi feito pelas lideranças ao Ministério Público Federal (MPF), na tarde deste sábado (15), em Boa Vista, capital de Roraima.

Pouco antes, os indígenas Yanomami da comunidade Palimi ú falaram à imprensa pela primeira vez em uma coletiva na sede da Caritas Diocesana de Roraima. Eles foram até a capital para pedir proteção às autoridades e relatar os ataques que estão sofrendo, cada vez mais violentos. 

A própria vinda de uma comitiva de oito lideranças de Palimi ú (cinco homens e três mulheres) foi cercada pelo pânico. Antes de sair da comunidade para pegar o voo de uma hora com destino à Boa Vista, os indígenas relataram que precisaram se esconder quando garimpeiros armados invadiram a comunidade às margens do Uraricoera. Este tipo de ação tem ocorrido todos os dias desde o dia 10. A Polícia Federal investiga a participação de garimpeiros ligados à facção PCC nos dois ataques (do dia 10 contra os Yanomami e no dia 12 contra os agentes da PF).

No relato dos Yanomami, nas primeiras horas da manhã deste sábado, um grupo de garimpeiros desembarcou na comunidade Palimi ú e os indígenas se refugiaram na mata. Os invasores chegaram a entrar nas casas e depois foram embora. Mas deixaram rastros de sua passagem. “Tinha munição deles caída, tudo assim, o pacote deles, caíram lá, a gente trouxe para cá, para mostrar”, disse Ricardo Palimithëri, outra liderança.

Segundo Dario Yanomami, “de segunda (dia 10) até sábado a intimidação continua lá (em Palimi ú), não passou, o clima continua tenso, ameaça, a rotatividade lá do garimpo, chegando, todo dia, de 45 e 40 barcos chegando”.

Proteção urgente

Timóteo Palimithëri durante a coletiva de lideranças Yanomami na sede da Cáritas em Boa Vista (Foto: Yolanda Mêne/Amazônia Real)

Timóteo Palimithëri disse que são os próprios Yanomami que precisam proteger Palimi ú de novos ataques, já que não há a presença de forças federais na comunidade. Ele pediu proteção urgente.

“Nós mesmos, Yanomami, de segurança, estamos lá. Nós mesmos. Não é Exército, Polícia Militar. Não estão mesmo. Por isso estamos aqui falando, vocês tem que aproveitar isso para ter segurança lá, hoje mesmo, tem que mandar. Nós, Yanomami, mesmo estamos vigiando as crianças, os idosos, para toda maloca”, disse Timóteo. 

“Estamos com sono, não estamos quase aguentando, por favor, urgente, vocês vão ver agora, tá? E Polícia militar também, Funai também tem que ter força e atender o nosso sofrimento”, acrescentou Timóteo. “Se não tiver Exército, Polícia, vai morrer bastante indígenas, vai morrer mesmo, com certeza, e nós não queremos.”

Ricardo Palimithëri disse que o clima na comunidade é de permanente tensão. Durante a madrugada deste sábado, a comunidade relatou ter visto 45 barcos passando pelo rio no mesmo local dos recentes tiroteios entre 20 horas de sexta-feira e 5 horas deste sábado.  O relato é semelhante ao da noite de quarta-feira (12). Ele destacou que os garimpeiros envolvidos nos ataques a tiros são “seguranças” de garimpeiros e andam com armamentos pesados. 

“Eles começam sete horas da noite, carregando os karts. Têm muitas armas, assim, não sei quando eles voltam, na mesma hora, eles voltam de novo de noite. Eles não têm armas leves não, arma pesada. Eles são arma pesada”, descreveu Ricardo.

Direito à vida

Fernando Palimithëri durante a coletiva de lideranças Yanomami na sede da Cáritas em Boa Vista (Foto: Yolanda Mêne/Amazônia Real)

Na língua Yanomami, Fernando Palimithëri, outra liderança de Palimi ú, afirmou que a comunidade tenta proteger mulheres e crianças, retirando-as da margem do rio Uraricoera, por onde passam os garimpeiros armados. “Não queremos que eles morram na frente do tiroteio, que as metralhadoras matem nossas crianças. É direito à vida”, disse, conforme a tradução de Dário Yanomami. Fernando é pai do menino de 5 anos que morreu depois da invasão de garimpeiros.

As três mulheres Yanomami presentes na coletiva, que foi acompanhada por representantes do Instituto Socioambiental, também falaram. “Não queremos mais tomar água suja (poluída pela atividade do garimpo). Eu estou muito revoltada, muito brava, essa é a minha mensagem”, disse Celia Yanomami, em sua língua nativa, também com tradução de Dário.

Os Yanomami também negaram que estivessem cobrando pedágio para passagem de pessoas e cargas na barreira instalada no rio Uraricoera, próximo à comunidade Palimi ú, conforme afirmam os garimpeiros. E afirmaram que o estopim para o primeiro ataque à comunidade foi a apreensão de 990 litros de combustível que seriam levados mais para cima no rio Uraricoera, em um garimpo na região da cachoeira do Tucuxi.

Durante a coletiva à imprensa, foi apresentado um documento de 10 de fevereiro de 2021 que, segundo Dário, foi entregue ao MPF. No ofício, a comunidade já solicitava atenção urgente para a retirada dos garimpeiros, que estão ilegalmente na terra indígena. 

“Nós, povos indígenas, viemos sempre denunciando desde 2012, até hoje, morreram 578 parentes Yanomami contaminados, e nenhuma medida foi tomada até hoje, onde estão destruindo nossos rios, poluindo águas, peixes e todos os animais que vivem ali além do nosso povo”, diz trecho do documento da comunidade também endereçado à Polícia Federal (PF). 

A Assessoria de Imprensa da PF informou que o foco da ação policial é promover a retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. E que já havia uma tropa de Manaus destinada a realizar essa operação, mas que agora “uma tropa do nosso grupo de intervenção da Superintendência de Roraima está em condições de ir fazer o mesmo trabalho de desintrusão. Desde ontem estão esperando o tempo abrir para irem”, informou o órgão.


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