Eleições no Chile: direita encolhe e Partido Comunista faz história

Coalização pró-Piñera buscava ao menos 52 cadeiras na Assembleia Constituinte, mas só conquistou apenas 37

Candidatos comunistas, como Iraci Hassler, Daniel Jadue e Karina Oliva, se destacaram nas eleições chilenas

O povo chileno deu basta à agenda neoliberal e impôs uma contundente derrota ao governo Sebastián Piñera nas eleições deste sábado (15) e domingo (16). Em um revés histórico, a direita fracassou tanto na votação para a Assembleia Constituinte quanto nos pleitos municipais e estaduais, encolhendo mais do que o esperado.

A nova Constituição precisa de dois terços de votos na Assembleia para ser aprovada. Por isso, a coalização Vamos por Chile (bloco de partidos direitistas e pró-Piñera) precisava de ao menos um terço das 155 vagas em disputa, para ter poder de veto. Porém, em vez das 52 cadeiras pretendidas, o grupo conquistou apenas 37 – e, agora, só conseguirá impedir mudanças profundas na Carta Magana com uma improvável ampliação da base governista.

“Os cidadãos enviaram um recado alto e claro ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados com as demandas e desejos dos cidadãos. Fomos desafiados por novas expressões e lideranças”, reconheceu Piñera, ainda no domingo, quando boletins do Serviço Eleitoral (Servel) já apontavam o fiasco da direita. “É nosso dever escutar com humildade e atenção a mensagem do povo e nos esforçar para interpretar e responder melhor às esperanças dos chilenos.”

A coalização de esquerda Apruebo Dignidad – que inclui a Frente Ampla e o Partido Comunista do Chile (PCCh) – terá 28 assentos na Assembleia Constituinte. Já o bloco Lista del Apruebo, formado pelo Partido Socialista (da ex-presidenta Michelle Bachelet) e por outras forças de centro-esquerda, sai das urnas com 25 eleitos. Juntas, esquerda e centro-esquerda somam 53 parlamentares e devem liderar os debates da nova Constituição.

Sem ligação com partidos políticos, os independentes – 68% do total de candidatos – foram a grande surpresa da eleição. Com orçamento e tempo de TV restritos, eles elegeram 47 parlamentares – número superior ao de qualquer bloco partidário. São defensores da saúde e da educação pública, ambientalistas, feministas e outros segmentos que ganharam mais visibilidade com as grandes manifestações populares de 2019. Na Assembleia Constituinte, embora não formem um grupo inteiramente homogêneo, devem votar contra a direita.

Devido à pandemia, as eleições ocorreram em dois dias, para evitar aglomerações. Mesmo assim, a crise sanitária inibiu a participação do eleitorado – só foram às urnas 37% dos 14,9 milhões de chilenos aptos a votarem. De todo modo, a grande marca do processo eleitoral foi a diversidade. Além da reserva de 17 vagas a candidatos indígenas, a Constituinte terá composição paritária entre homens e mulheres – um caso único no mundo. Em novembro, os chilenos voltam às urnas para eleger seu novo presidente.

Será a primeira Constituição na história do Chile que nasce do voto popular. Caberá a essa Assembleia sepultar de vez a atual Constituição, redigida com tintas privatistas e promulgada em 1980, ainda sob a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Respaldo popular não lhe falta. Os massivos protestos que tomaram o Chile, especialmente a capital Santiago, em 2019, culminaram no plebiscito de outubro de 2020, em que 78% dos chilenos aprovaram a elaboração de uma nova Carta Magna.

Vitórias dos comunistas

A direita teve de ouvir outro duro “recado das urnas” nas eleições municipais e estaduais. O caso mais notório foi na disputa à prefeitura de Santiago, onde a vereadora comunista Iraci Hassler derrotou o conservador Felipe Alessandri, que buscava a reeleição. Os governistas perderam, ainda, em Estación Central, Maipú e Viña del Mar. Não há segundo turno no Chile em eleições a prefeito.

Em Santiago, Iraci venceu Alessandri por 38,62% a 35,28% e levou os comunistas pela primeira vez à maior prefeitura do país. Aos 30 anos, a nova prefeita é uma economista da Universidade do Chile que ganhou projeção no movimento estudantil, lutando pelo direito à educação pública e gratuita. Em 2016, com apenas 25 anos e um discurso feminista, elegeu-se vereadora em Santiago. Seu nome se fortaleceu ainda mais nas jornadas populares de 2019.

Nesta segunda (17), após a vitória em Santiago, ela associou suas tarefas como prefeita à batalha constituinte: “Vamos ter uma nova Constituição e vamos ter também uma transformação a partir dos bairros do município de Santiago, para conquistar nossa dignidade e o bem-estar neste momento histórico de transformações”.

Outro êxito expressivo para o PCCh foi a eleição de Daniel Jadue para seu terceiro mandato seguindo à frente da prefeitura de Recoleta. Com o apoio de 64% dos eleitores, Jadue obteve sua maior votação no município e se credenciou ainda mais para a disputa, em novembro, da presidência do Chile – ele lidera, no momento, algumas pesquisas de intenção de voto.

“Os setores que buscam verdadeiras transformações neste país obtiveram um tremendo triunfo”, afirmou o presidenciável comunista. Segundo ele, o Chile está prestes a ter “um governo popular e democrático, responsável não só por instalar esta (nova) Constituição – mas também por conduzir todas as mudanças com confiança e unidade irrestritas com o povo”.

O Partido Comunista do Chile também venceu nos municípios de Lo Espejo (com Javiera Reyes), Los Lagos (Aldo Retamal) e Canela (Bernado Leyton). Já na disputa ao governo da Região Metropolitana de Santiago (estadual), a cientista política Karina Oliva, do Comunes, foi ao segundo turno e celebrou, no Twitter, com uma menção ao Brasil: uma foto do ex-jogador Sócrates, líder da Democracia Corinthiana, estampava sua camisa.

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