De Olho no Mundo, por Ana Prestes
Palestina, Colômbia, Chile e vacinas contra a Covid-19 concentram a análise desta terça-feira (18) da cientista política Ana Prestes em sua coluna. Na Palestina os ataques israelenses seguem de forma ainda mais agressiva enquanto não evoluem na ONU as tentativas de cessar fogo em função da postura da Alemanha e dos EUA de amenizar as agressões. Na Colômbia, apesar da busca de negociações, segue a conduta agressiva do governo contra manifestantes. Já no Chile, o resultado das eleições realizadas no final de semana consagrou uma vitória da oposição e uma perspectiva de mudanças no país a partir da elaboração da nova Constituição. Por fim, o diretor da OMS, Tedros Adhanom alerta que o mundo vive apartheid de vacinas deixando países e populações mais pobres sob grave risco.
Publicado 18/05/2021 12:56 | Editado 18/05/2021 14:09
A Faixa de Gaza segue sendo impiedosamente bombardeada. Na noite desta segunda-feira (17) o relatório do Ministério da Saúde palestino atestava 212 mortos, sendo 61 crianças, 36 mulheres e 16 idosos. Há quase 1500 feridos, incluindo também crianças, mulheres e idosos. Mais de 100 edifícios da faixa de Gaza foram atacados, vários derrubados e mais de 3500 residências destruídas. Em um dos edifícios derrubados, funcionavam os escritórios de mais de 20 órgãos de imprensa, entre eles a Aljazeera e a Associated Press, prejudicando por óbvio a divulgação de informações sobre o que está ocorrendo em Gaza. Até mesmo as equipes de emergência estão tendo dificuldades de transitar com ambulâncias pelas ruas dado o nível de destruição da infraestrutura palestina.
Para hoje, 18 de maio, o partido nacionalista Al Fatah, do presidente Mahmud Abbas, está convocando uma greve geral de todos os palestinos residentes nos territórios ocupados de Jerusalém oriental e da Cisjordânia. Árabes israelenses também estão sendo chamados a se juntar. A tentativa de uma mediação entre palestinos e israelenses dos egípcios não apresentou nenhum resultado até agora. Segundo fontes palestinas, o que se propõe é um cessar fogo sem compromissos da parte israelense de não atacar palestinos em Jerusalém e lugares sagrados e isso não seria aceitável. Há também um enviado da ONU, Tor Wennesland, que está na região em conversações com autoridades palestinas, israelenses e egípcias. Os israelenses dizem que não houve contatos para cessar fogo e que a “operação” continuará. Sabe-se que Anthony Blinken, secretário de Estado dos EUA, também tem mantido conversas com o governo egípcio. O governo Biden dos EUA, se negou ontem (17) pela terceira vez em uma semana a referendar a declaração do Conselho de Segurança da ONU sobre o que chamam de “conflito israelense-palestino”. O texto foi escrito por representantes da China, Tunísia e Noruega e pede “o fim da violência e o respeito ao Direito Internacional Humanitário, incluindo a proteção de civis, especialmente crianças”. O Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU informou que quase 40 mil palestinos já abandonaram suas casas nesta semana de ataques. Os israelenses justificam que seus ataques são respostas aos mais de 3 mil projéteis lançados pelo Hamas contra Israel. A maioria dos foguetes foram interceptados pelo escudo antimísseis Domo de Ferro. As informações são de que 10 israelenses desde o dia 10 quando iniciaram as agressões contra os palestinos em Jerusalém oriental. Da última vez em que Israel atacou a Faixa de Gaza, em 2014, os ataques duraram 51 dias, deixando 2251 mortos do lado palestino e 74 em Israel, a maioria soldados. Ao custo da vida de muitos palestinos, ficou clara na última semana a decisão de líderes internacionais, como Biden e Merkel de tentar isolar os ataques israelenses como algo específico contra o Hamas. Tanto EUA, como Alemanha, tem argumentado que “Israel tem o direito de se defender dos ataques do Hamas”. Essa é linha que resolveram adotar enquanto não param de morrer famílias palestinas inteiras em Gaza.
Na Colômbia, o governo Duque faz negociações durante o dia e mata pela noite, é o que dizem várias lideranças políticas, como o Senador Gustavo Petro em sua conta no twitter. De fato, após a imprensa internacional ter divulgado os passos dados na mesa de negociações entre governo e oposição no domingo (16) e na segunda (17), ontem circularam muitas imagens da militarização das rodovias em várias localidades como Yumbo, Boaventura, Antioquia, Cali e outras. Nas cenas percebe-se forte presença de militares, com tanques de guerra e armamento pesado, presença da polícia especial Esmad e paramilitares em cenas de violência contra civis. Em Yumbo houve a explosão de um posto de distribuição de gasolina, 29 pessoas feridas e pelo menos 3 mortas. A ofensiva se deu após uma ordem do presidente Duque, dada na noite de ontem (17) para que todas as vias do país fossem desbloqueadas. Novas manifestações estão sendo convocadas pelo Comitê Paro Nacional para amanhã, 19 de maio. Da mesa de negociações, o governo saiu com uma proposta para subsídio de 25% do valor de um salário mínimo para jovens entre 18 e 28 anos que sejam contratados. O salário mínimo na Colômbia é perto de 1300 reais. Curiosamente o nome do plano para os jovens é Plano de Choque. Mas na realidade o choque não é de investimentos nos jovens, pois na sequência do anúncio, Duque deu a ordem de acabar indiscriminadamente com todas as barricadas no país e os efeitos tem sido de mais violência e mortes como se viu durante a madrugada.
Chilenas e chilenos já sabem quem serão (as e os) 155 representantes do povo responsáveis por escrever uma proposta de novo texto constitucional. De antemão, algumas características marcam a eleição, alta abstenção (40% compareceram para votar), muitos votos direcionados para candidates independentes (sem partido), novidade da paridade de gênero na composição da assembleia. A enorme pressão popular que emergiu nos protestos de 2019 foi o motor da vitória dos partidos e dos movimentos de esquerda na eleição e seguirá tendo grande papel nos trabalhos da Constituinte, pois nenhum bloco formou uma maioria de 2/3. A ultradireita e a direita neoliberal mais arraigada (Vamos por Chile) ficaram com 37 assentos, os partidos da esquerda (Apruebo Dignidad) conquistaram 28 e o centro (Apruebo) ficou com 25. Entre os independentes, dois grupos se destacaram, a Lista del Pueblo (lideranças populares antineoliberais sem partido), com 24 vagas, e a Nueva Constitución (católicos progressistas), com 11. Os povos indígenas terão 17 representantes escolhidos entre suas comunidades (Mapuches, Quechuas, Aimaras e outros). Os demais 13 representantes são independentes, majoritariamente ligados às pautas de transformações defendidas nas manifestações desde 2019, aos temas ambientais, lideranças religiosas e comunitárias. Olhando para a composição da Assembleia fica forte a impressão de que o bloco Apruebo e seus partidos centristas poderão ser o fiel da balança para a formação dos 2/3 necessários para a aprovação das mudanças, mas também há ainda muitos questionamentos sobre a composição da enorme bancada dos independentes e como se comportará.
Mas o Chile também elegeu prefeitos, vereadores e governadores. E nessas eleições também houve derrotas importantes dos candidatos apoiados pelo governo Piñera. Dentro da grande Santiago, pelo menos em duas comunas foram eleitos comunistas, o candidato presidencial Daniel Jadue, que foi reeleito na Recoleta e Irací Hassler em Santiago. O partido Revolução Democrática, da Frente Amplio, também conquistou comunas importantes, como Viña del Mar, com a candidata Macarena Ripamonti. Para os 16 governos regionais, esta é a primeira vez em que a cidadania chilena elege as pessoas que ocuparão esses cargos, antes indicados pelo presidente, visto que o Chile é um Estado unitário e não uma Federação como o Brasil. Dos 16 cargos disputados, em 3 a eleição foi concluída domingo (16) e outros 13 vão para o segundo turno. As três regiões que já tem governadores eleitos são Valparaíso (Frente Ampla), Aysén (Partido Socialista) e Magallanes (Independente). Uma eleição que promete ser emocionante no segundo turno em 13 de junho é a da Região Metropolitana de Santiago em que concorrem Karina Olivo do Comunes e Claudio Orrego da Democracia Cristã.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom, disse que “o mundo vive apartheid de vacinas”. Segundo ele, países de alta renda respondem por 15% da população mundial e tem 45% das vacinas, enquanto os países de média e baixa renda somam quase metade da população mundial e possuem hoje 17% das vacinas. No continente africano, por exemplo, chegaram menos de 2% de todas as doses de imunizantes já fabricadas. Para piorar a situação, muitas matérias-primas e equipamentos para produzir as vacinas estão em falta. Isso poderia ser resolvido, segundo especialistas, com mais pressão sobre a indústria farmacêutica para cooperar mais com outras empresas, sem condicionantes e segredos. Por isso é tão importante a abertura das patentes e a transferência de tecnologia, para que mais fábricas possam produzir os imunizantes. Até agora não existe um consenso entre os países dentro da OMC (Organização Mundial do Comércio) para que isso seja feito.