Lautaro Carmona: PC do Chile dobrou votação e direita foi derrotada

Os comunistas chilenos tiveram um aumento de 560.000 votos na recente megaeleição cuja marca principal foi a derrota da direita, segundo o secretário-geral do Partido Comunista, Lautaro Carmona.

Para Carmona “uma batalha política eleitoral não traz mudanças se não estiver relacionada a outros espaços da luta político-social. É um erro da cultura política imaginar que um lápis e um papel alteram substantivamente os processos democráticos, isso (a batalha eleitoral) é uma expressão que às vezes é uma gota que derrama o copo, mas os processos são vividos pelo povo com muita antecedência”.

Entrevista feita pela jornalista Yani Aguilar e publicada em El Siglo nesta terça-feira (18)

O cenário promissor que se abriu para o Partido Comunista do Chile (PC) com os resultados da megaeleição neste final de semana fez parte da análise política eleitoral feita por seu secretário-geral, Lautaro Carmona, após o balanço que vem sendo feito pela Comissão Política desde segunda-feira (17).

Ele está feliz porque o partido se saiu bem em um quadro de alta votação nacional com 6 milhões e meio (43,35%) dos votos, que embora não fossem os 7,5 milhões do plebiscito de 25 de outubro, não foi ruim. Pelo menos superou a eleição municipal de 2016 onde votaram 4 milhões e 900 mil pessoas, 34,89% do cadastro eleitoral.

E a alegria se justifica porque o Partido Comunista cresceu “duas vezes ou um pouco mais na média nacional de votos nos vereadores”, elemento-chave para medir a influência dos partidos políticos, afirma.

É um “crescimento muito importante”, de mais de 560 mil eleitores. “É um crescimento de mais de 100% em comparação partido a partido no sistema de Registro Eleitoral; devemos ser um dos partidos com maior incidência se for medido pelo voto nos vereadores”, comenta.

“Passada a barreira dos 5% e atingindo os dois dígitos, atinge-se a influência na atividade política”, sentencia.

Também nas prefeituras houve aumento, embora várias tenham sido perdidas, “mas o mais importante é que pela primeira vez na história do Chile uma comunista vai liderar a comuna de Santiago, que é a comuna capital”. É um triunfo de grande importância eleitoral e ele tem certeza de que a capacidade de Irací Hassler “permitirá uma gestão efetiva, transparente e participativa”, que se somará aos avanços evidenciados na gestão política municipal de Daniel Jadue na Recoleta, que “deu-nos tanto suporte através da militância de prefeitos comunistas”.

São sete prefeitos militantes do PC, entre os quais três muito importantes na Região Metropolitana, Santiago, Recoleta e Lo Espejo.

E quanto aos candidatos a vereadores eleitos, são 156 vereadores militantes, que em vários lugares formam a principal bancada, como em Copiapó, Diego de Almagro e na Recoleta, comuna onde também o PC obteve mais de 50% dos vereadores, para o que deve se somar todos os amigos e aqueles que estavam no PC como independentes, acrescenta.

No número de constituintes “temos uma bancada de sete militantes diretos e chegamos a dez somando aqueles que estavam em nossa lista como independentes, no marco da lista Apruebo Dignidad (1) que dentro da oposição se destacou como a primeira força”, ressalta.

Nos governos não se passou ao segundo turno em nenhuma postulação. E no Atacama, “o único lugar em que apostamos” aconteceu que o partido FREP (2) teve candidatura e uma parte da Frente Ampla não apoiou a candidatura do PC, “assim como fizemos com eles em outros lugares, inclusive na Região Metropolitana“, lamenta.

Se o pacto com o FREP tivesse sido alcançado, “a soma do candidato deles com a nossa nos colocaria em primeiro lugar no segundo turno“. O candidato do partido obteve mais de 18%, “o que é um voto regional muito importante, inclusive considerando as futuras lutas eleitorais para deputados e vereadores regionais”, analisa.

Olhando os resultados gerais desta eleição, se verifica um avanço na direção das mudanças que o Chile está buscando?

Não tenho dúvidas de que existe uma relação direta entre a luta político-social e a luta política eleitoral que coloca no centro a necessidade de superar o sistema neoliberal, exigindo mudanças profundas, mudanças estruturais, exigindo uma nova Constituição. Uma batalha política eleitoral não traz mudanças se não estiver relacionada a outros espaços da luta político-social. É um erro da cultura política imaginar que um lápis e um papel alteram substantivamente os processos democráticos, isso (a batalha eleitoral) é uma expressão que às vezes é uma gota que derrama o copo, mas os processos são vividos pelo povo com muita antecedência.

E como você interpreta a derrota eleitoral da direita, apesar das previsões?

As pesquisas procuram distorcer e tentam construir uma opinião, em vez de medi-la. A diminuição do comparecimento nos preocupou porque gerava a expectativa de que a direita iria votar. Há uma área à direita que já se dissociou completamente do governo de (Sebastián) Piñera. O que é a marca da eleição constituinte é a grande derrota da direita que explicitamente – através do medo – tentava alcançar o terço das vagas, o que lhe daria poder de veto às mais profundas mudanças no debate da nova Constituição.

É uma derrota ideológica ou um castigo para a gestão do governo?

É uma derrota do sistema neoliberal instalado desde a ditadura e, portanto, do projeto da direita política ideológica, porque o povo percebeu, corretamente, que a Constituição era uma das travas, um dos mais difíceis e mais duros meios a sustentar o modelo econômico, social e cultural que o sistema neoliberal impõe. É uma derrota no nível mais substantivo de um projeto de direita. Há uma linha de questionamento constante que leva a uma transformação posterior. Se você quer superar o sistema neoliberal, tem que ir contra a instituição que o protege, que é a Constituição.

Para o secretário-geral, o atual governo de direita, em cada uma de suas iniciativas “estava colhendo reveses” devido a uma gestão ideológica da qual não se move, identificada com o grande capital e que “sempre se chocará com a situação em que vive a esmagadora maioria”.

Para ele, existe uma “arrogância” imutável por parte de Piñera e sua equipe que o levou a um isolamento que marca menos de 10% de aprovação.

A direita não poderia estar mais desacreditada. Dificilmente algum político vai reivindicar a gestão de Piñera para ganhar uma eleição. E os resultados dessas eleições mostraram isso”, diz o líder comunista.

Existe uma lição a ser aprendida?

Pode-se deduzir como um desafio para a política, dos setores que realmente têm compromisso social e querem transformações democráticas de fundo, que de nossa parte nada permita ou contribua para que a direita tenha uma nova versão, mesmo que essa nova versão se chame de direita social-democrata, como diz Joaquín Lavín. É uma obrigação de primeira ordem.

Porém, infelizmente, alguns políticos que seguem na origem da Concertación teriam mais facilidade em comprar o discurso “social-democrata” de (Joaquín) Lavín. Por isso temos sido tão críticos em todos os momentos em que um setor da oposição se oxigena com mínimos comuns, com mesas de paz, com mesas de diálogo, sabendo que é uma armadilha para distrair e ganhar tempo. A direita está em sua última etapa de gestão, apenas ganhando tempo de forma desesperada. Não tem nenhuma capacidade de iniciativa senão a de se manter em posição inamovível, porque só assim defende os interesses que estão por trás dos benefícios do sistema, o grande capital.

Esta segunda-feira instalou-se um cenário de incertezas entre os operadores do mercado que esperavam outros resultados, pois pensavam que a direita juntamente com a ex-Concertación dominariam a Convenção Constitucional.

Para além da sensação térmica comunicacional, o empresariado está vinculado em termos de capital duro à concretização da sua condição de dono do capital garantidor de mercados. E este país há muito tempo em vários ramos fundamentais da economia tem o mercado chinês como seu mercado fundamental. E eu não ouvi falar que o comércio chinês está em questão e isso é sabido pelo mercado exportador, da mineração florestal, da fruticultura, dos frutos do mar.

Diante desses resultados, como deve ocorrer agora o relacionamento com as demais forças políticas da oposição? Haverá primárias ou não?

Diante dos resultados, tudo indica que o mais transparente, o mais honroso para comunicar-se com a cidadania é que esse mundo que se uniu no Apruebo Dignidad, como uma representação antineoliberal, tenha sua primária. Em boa hora a Frente Ampla, eventualmente a Convergência Social, contará com a legalidade para inscrever Gabriel Boric. Eles também têm outra candidatura, que é Marcelo Díaz. O FRVS também tem uma candidatura, com Jaime Mulet e tem a nossa, e pode ser que o mundo social se integre a uma primária muito poderosa da frente antineoliberal.

Devemos fazer um debate aberto com o povo para que haja compromisso explícito de que quem passar para o segundo turno terá o apoio ativo da outra parte para impedir a direita de continuar a exercer o governo.

Como são os prazos para as primárias?

Os prazos são legais e terminam na quarta-feira (19), às 12 da noite (3). São todas as reuniões a realizar que requerem determinados mecanismos de formalidade legal partido a partido. O PC já fez isso porque obteve seu acordo legal ao indicar Daniel como nosso candidato à presidência, acatando uma demanda dos cidadãos e do mundo popular. Mas vários partidos têm que fazer isso hoje (18) e amanhã (19), e depois ir junto com seus representantes nacionais ao SERVEL (4) para registrar quem são as forças e os nomes das pessoas que participam da primária e lá eles terão que fazer uma apresentação do programa de governo.

Qual é o seu prognóstico com Daniel Jadue como presidenciável?

Muitas vezes nos omitimos e votamos em outro, e desta vez temos uma liderança nacional que não é exclusiva do potencial do Partido Comunista. É uma liderança muito acima da influência até mesmo da esquerda. Não é uma promessa, é uma gestão avaliável, é isso que deu a Daniel Jadue o prestígio transversal de validação e avaliação indiscutível. Ele demonstrou uma gestão que beneficia as pessoas, que ampliou Daniel a tal ponto que muitas pessoas dizem, – olha, me perdoe, eu não sou comunista, mas vou votar em Jadue porque ele é uma pessoa que sabe fazer as coisas de forma eficaz e pensando naqueles que mais sofrem. Esse cartão de visita não é dado sempre, não é dado em todas as eleições.

Com ou sem primárias, Jadue vai seguir?

Se não houver primárias, não será porque a ignoramos, é que não houve condição, não da nossa parte. Daniel chegará diretamente após uma primária no primeiro turno ou diretamente sem uma primária no primeiro turno. Estou absolutamente confiante de que Daniel vence uma primária. Se eu estiver errado, bem Daniel perde e se ele perde, isso é melhor do que viver uma ilusão que não faz sentido.

Notas

1 – Apruebo Dignidad é uma coalizão de sete partidos. Além do PC fazem parte a Frente Regionalista Verde Social (FRVS), a Convergência Social (CS), a Revolução Democrática (RD), a Força Comum (FC), o Movimento Unir (Unir) e os Comuns (Comunes).

2 – Antigo nome da FRVS

3 – Até a definição dos presidenciáveis várias primárias podem ser realizadas.

4 – Serviço Eleitoral do Chile.

Fonte: El Siglo