Ensino remoto requer redução de desigualdades escancaradas na pandemia

Para Mozart Ramos e Ernesto Faria, e considerando que o EAD deve permanecer para boa parte dos estudantes durante mais um tempo, o caminho agora deveria ser baseado em um tripé de planejamento, foco e colaboração

Mais de 4 milhões de estudantes brasileiros entraram na pandemia sem acesso à internet – Foto: Marcos Santos/USP/Imagens

A pandemia de covid-19 trouxe um grande retrocesso para a educação no Brasil. Especialistas apontam que o fechamento das escolas, necessário por conta do isolamento social, e a falta de conectividade estão afetando o aprendizado dos alunos e podem resultar, inclusive, em evasão escolar.

Para discutir os efeitos da pandemia no ensino, a importância do papel do gestor escolar neste momento e também os resultados do trabalho da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, iniciativa do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP, o Jornal e a Rádio USP conversaram com o titular da Cátedra, professor Mozart Neves Ramos, e com o diretor fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Ernesto Martins Faria.

Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 4,3 milhões de estudantes brasileiros entraram na pandemia sem acesso à internet –  4 milhões integravam a rede pública. Quando se lembra que a educação no País inteiro teve de ser adaptada para o Ensino a Distância (EAD), dados como esse passam a representar enorme desigualdade educacional no Brasil.

“O que mais preocupa é que nós ingressamos em 2021 com a mesma situação de 2020, quando na prática nós poderíamos ter feito um plano nacional de conectividade digital para que essas crianças e jovens de baixa renda pudessem ter atividades remotas em 2021”, afirma o professor Mozart Neves Ramos, do Instituto de Estudos Avançados da USP, Polo Ribeirão Preto.

Ele também aponta que a falta de recursos, um dos motivos indicados pelo governo federal para não ter tomado medidas mais efetivas a esse respeito, não convence: “Dizer que não há recursos é esquecer que existe o Fundo de Universalização do Sistema de Telecomunicações, do qual uma das finalidades é justamente a democratização do acesso a essas atividades digitais usando internet e tem, em caixa hoje, segundo a Agência Nacional de Comunicação, algo em torno de R$ 23 bilhões”.

Como resultado, as desigualdades de oportunidades e acessos foram escancaradas ainda mais nos últimos meses. Para além das divergências entre o ensino público e privado, há também o fator das regiões distintas de um país continental como é o Brasil. “Aqui o seu futuro depende de onde você eventualmente vai nascer. Se você nascer nos grotões aqui do Nordeste brasileiro, sem acesso a atividades digitais em pleno século 21, certamente você vai estar alijado desse futuro”, aponta o professor Ramos.

Assim, considerando que o EAD deve permanecer para boa parte dos estudantes durante mais um tempo, o caminho agora deveria ser baseado em um tripé de planejamento, foco e colaboração. “Vamos ter que levar em conta também 2022 e pensar um continuum curricular, vendo quais são aquelas aprendizagens essenciais, todas aquelas que nós costumeiramente gostaríamos que todos os alunos aprendessem, fazer um trabalho de preparação dos professores e uma avaliação diagnóstica mais regular, mais frequente, para saber se de fato os alunos estão aprendendo.”

Evasão escolar como reflexo da pandemia

Ramos destaca que é preciso uma união de esforços do sistema nacional de educação, com a coordenação do Ministério da Educação (MEC), para que o País consiga superar a situação atual.  

“É muito importante que o MEC entenda que coordenar não é apenas repassar recursos. É chamar as redes de ensino através das Secretarias de educação, as escolas particulares, todo o sistema educacional brasileiro, para fazer um grande esforço nacional, porque uma queda brutal já se pronuncia de maneira intensa pelas primeiras avaliações diagnósticas realizadas no campo da aprendizagem escolar”.

Segundo ele, os educadores já sabiam que, com a pandemia, haveria perdas importantes da aprendizagem escolar. “Íamos ter o aumento da desigualdade educacional, o aumento da taxa de abandono, principalmente entre os jovens. Mas nós não imaginávamos a magnitude desse mergulho. Os organismos internacionais estão mostrando em seus estudos que vamos precisar de pelo menos oito anos para recuperar isso.”

Faria chama a atenção para a importância da busca ativa neste momento, ou seja, as escolas procurarem seus alunos e agirem para evitar a evasão. “É um período em que o olhar para o atendimento da evasão escolar é tão ou até mais importante do que o aprendizado em si nas disciplinas, porque a chance de perda em massa de alunos é muito grande. Hoje o acompanhamento em relação aos jovens que saem da escola precisa ser maior. O sistema precisa construir esse diálogo com os pais, porque é um período potencial de perda de alunos muito grande.”

Ele ressalta ainda que indicadores educacionais como o Ideb avaliam o nível de aprendizado dos alunos, mas não podem ser vistos como uma medida de qualidade da escola e do sistema, já que o desempenho dos estudantes também depende de fatores extraescolares. 

“A maioria das avaliações traz o resultado dos alunos, seu nível de aprendizado, seu avanço, as aprovações, o fluxo escolar. Isso é importante, porque eu quero que todos os alunos consigam chegar no mesmo patamar. Mas a escola pode ter mais ou menos desafios, a depender das condições que esse aluno tenha em casa, o nível de vocabulário dele, por exemplo, as oportunidades educacionais que ele viveu nos primeiros anos de vida”, ressalta.

De acordo com o educador, quando há uma escola com um indicador baixo, tem vários fatores que influenciam. “A gente precisa olhar com cuidado para os resultados educacionais e não rotular uma escola por um índice, senão a gente vai desestimular escolas, por exemplo, a receber alunos mais vulneráveis, porque isso vai impactar negativamente o indicador”, alerta ele. 

Ramos também fez uma avaliação de seu primeiro ano à frente da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do IEA-RP, e contou sobre a parceria estabelecida com o Iede na elaboração de uma ferramenta que vai auxiliar gestores na avaliação de escolas e redes de ensino. O Iede é responsável pelo gerenciamento do QEdu, uma plataforma que reúne resultados de indicadores educacionais de todo o País.  

“O QEdu é, na minha visão, o mais importante site hoje de educação. É a partir dele que sempre procuro me referenciar. Eu pedi ao Ernesto para que ele fizesse um portal para as cidades de médio porte e assim nasceu o QEdu Gestão. Acredito que será uma grande contribuição e um legado da Cátedra para o trabalho em políticas públicas de educação com base em evidências. É um portal sério, confiável, atual, que certamente vai ajudar na configuração dessas políticas”, diz. 

Edição de entrevistas do Jornal da USP

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