Garimpeiros atacam indígenas e agentes federais em aldeia no PA

Em resposta à operação contra mineração ilegal, invasores incendeiam casa de liderança indígena Mundukuru e atacam Polícia Federal

Garimpeiros atacam aldeias em Jacarepagua (PA) / Foto: Apib

Garimpeiros atacaram nesta quarta-feira (26) a aldeia Fazenda Tapajós, perto de Jacareacanga, no sudeste do Pará. O ataque é uma represália à uma operação da Polícia Federal contra a mineração ilegal.

A líder mundukuru Maria Leusa enviou mensagens por áudio para organizações e advogados parceiros por volta das 13h registrando as agressões. “Venham, por favor, está uma confusão, vão queimar minha casa. Adonias [Munduruku] está dando tiro no cais, em todo lugar. Eles estão dando tiro, por favor, me ajuda”, disse Maria Leusa. Os invasores atearam fogo na casa da líder indígena.

A Terra Indígena Munduruku é alvo da operação Mundurukânia contra garimpo envolvendo agentes da Polícia Federal, do Exército, da Força Nacional e do Ibama. A PF já estaria se deslocando para garantir a segurança dos indígenas em aldeias na região.

Pela manhã, garimpeiros realizaram protestos na região e hostilizaram parte da equipe de policiais federais que está no município. Eles foram ao aeroporto, onde policiais aguardavam para decolar em alguns helicópteros rumo às TIs.

Policiais federais que estão na região informaram que o grupo de garimpeiros tinha aproximadamente cem integrantes e estavam munidos de paus e pedras. Os policiais reagiram com bombas de gás lacrimogêneo.

Violência em Terra Indígena Mundukuru

Os Munduruku denunciam há décadas a invasão por garimpeiros e a mineração ilegal dentro do seu território no Pará, que levam a inúmeros crimes e conflitos. A situação piorou nos últimos anos, especialmente desde que Jair Bolsonaro assumiu o poder e não foi interrompida pela pandemia.

Em março e abril deste ano foram três ataques consecutivos na região. A sede da Associação de Mulheres Munduruku Wakoborũn, que é contra o garimpo e liderada por Maria Leusa, foi destruída.

“Medo a gente não tem, não dá para recuar. É só mesmo evitando esses conflitos, porque ainda temos muita coisa pra fazer”, afirmou Maria Leusa à Agência Pública após o ataque à sede.

Maria Leusa Munduruku | Foto: Marcio Isensee e Sá / Agência Pública

Operações da PF

Em abril, o Ministério Público Federal (MPF) pediu providências para conter o avanço dos garimpeiros em território do povo indígena Mundukuru. O documento enviado à Procuradoria Geral da República (PGR) pedia que Augusto Aras solicitasse ao Superior Tribunal Federal (STF) a atuação da Polícia Federal na região, se necessário com o apoio de outras forças policiais. Segundo o órgão, havia “uma ação orquestrada de grupos criminosos em associação com a pequena parcela de indígenas que atuam a favor do garimpo”.

Desde 2010, foram diversas tentativas de acionar os órgãos competentes para retirar os invasores. Somente em 2018 foram realizadas operações de fiscalização e combate à garimpagem ilegal nas TIs Munduruku e Sai Cinza. Desde então lideranças indígenas contrárias ao garimpo sofrem ameaças de morte. Maria Leusa teve de sair algumas vezes da região de Jacareacanga para se proteger.

As operações fazem parte de uma série de medidas determinadas pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, em julho do ano passado, para realizar o enfrentamento e monitoramento da covid-19. Dentre as medidas solicitadas, estão a expulsão de invasores das terras indígenas, assim como a implantação de barreiras sanitárias periódicas, ampliação da assistência médica e social e entrega de cestas de alimentos.

Em agosto de 2020 uma ação de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) foi interrompida após visita do ministro do meio ambiente Ricardo Salles e da intervenção do Ministério da Defesa. O caso levantou suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

O principal suspeito no ataque desta quarta-feira identificado por Maria Leusa no áudio, Adonias Kaba Mundukuru, foi um dos sete mundurukus que embarcaram rumo à Brasília para se reunir com o governo sobre a legalização da mineração ilegal em terras indígenas. Não houve participação das lideranças que se opõem à regularização da atividade ilegal nesses encontros. As denúncias estão sendo investigadas em dois inquéritos do MPF.

O nome Mundurukânia, que batiza a operação, é como os Mundurukus se referiam à região do Vale do Tapajós nos primeiros tempos de contato durante o século XIX.

Lago de mineração em garimpo ilegal dentro de território Mundukuru | Foto: Polícia Federal/Divulgação

Repercussão

A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), na sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pediu que o colegiado tomasse alguma providência e reforçou que as lideranças indígenas requerem a proteção da PF com urgência.

“A informação da operação teria vazado entre os garimpeiros e agora [eles] estão ameaçando os indígenas, com tiroteios, incendiando casas, de lideranças Munduruku, no estado do Pará”, afirmou a deputada.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) emitiram nota confirmando os ataques e reforçando a necessidade de proteção aos povos indígenas.

“A presença das Forças Nacionais, desde segunda (24), não inibe os garimpeiros, que seguem cometendo atos de violência para ameaçar e intimidar lideranças contrárias a atividade ilegal em terras indígenas”, diz a nota.

Associações indígenas mundukurus já haviam se manifestado em uma carta conjunta em abril denunciando a exploração contínua do garimpo ilegal na região. “Estamos gritando tem dia, pedindo para que as forças policiais ajam sobre esse grupo de criminosos que querem devastar nosso território e que ameaçam a nossa própria vida e integridade. Exigimos que com urgência algo possa ser feito. Todos sabem quem são os envolvidos, denunciamos a todos os órgãos que deveriam estar colaborando com os povos indígenas”, diz trecho de nota assinada por Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Da’uk, Associação Arikico, Movimento Munduruku Ipereg Ayu e CIMAT.

A mineração ilegal tem destruído dezenas de quilômetros de rios, contaminado a água com mercúrio e levado doenças e álcool ao território munduruku, além de ter provocado cisões internas, com diversos episódios violentos.

Com informações de Agência Pública, Folha de S.Paulo, Observatório da Mineração e Instituto Socioambiental