Colômbia: Repressão deixa 62 mortos e 262 desaparecidos em um mês

Coordenador do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), Leonardo González Perafán denuncia escalada de violência do governo e de milicianos.

Entrevista com Leonardo González, do Indepaz - Foto: Divulgação

A paralisação nacional iniciada em 28 de abril pelos colombianos tem a bandeira da democracia, do desenvolvimento e do fim do uso abusivo da força como uma das suas principais reivindicações. Em um mês foram enterradas duas reformas neoliberais, uma que aumentava impostos e outra que ampliava a privatização da saúde, em meio ao agravamento da pandemia.

Nesta entrevista, o coordenador do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz) da Colômbia, Leonardo González Perafán, denunciou que, no período, 22 mulheres foram estupradas, 46 manifestantes perderam um olho, ocorreram 62 assassinatos e 262 desaparecimentos forçados praticados pela força pública [Esquadrão Móvel Anti-distúrbio (Esmad) – a Tropa de Choque -, pelo Grupo de Operações Especiais (Goes) da Polícia e militares] do governo de Iván Duque, com apoio de milicianos.

González defende o cumprimento dos Acordos de Paz assinados com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2016; os acordos com as comunidades, organizações sociais e de direitos humanos, e reitera a importância da solidariedade internacional para que as mobilizações sejam vitoriosas em seu objetivo de construir um país mais próspero e humano.

Confira a entrevista:

A paralisação nacional contra o governo de Iván Duque completou um mês nesta sexta-feira (28). Como coordenador do Indepaz, uma entidade de direitos humanos e de defesa da paz, o que dizer da política de assassinatos e desaparecimentos?

Para nós do Indepaz, esse tema tem sido difícil de tratar porque nossa lista contém 356 desaparecidos. Destes alguns apareceram nos últimos dias, o que não significa que o delito da desaparição forçada não tenha ocorrido, pois ela acontece sempre quando há o ocultamento da pessoa.

O desaparecimento existe quando a polícia encobre e disfarça, negando informação sobre o paradeiro da pessoa ao advogado ou familiar. E o escondem. Nesse momento, pela norma internacional e pelo Código Penal colombiano há desaparição forçada. Ainda que no outro dia ou em alguns dias a pessoa apareça.

Os jovens que foram encontrados apareceram bastante surrados, espancados, com evidentes sinais de tortura e sevícias. Nesse momento, de acordo com a Ouvidoria, temos uma quantidade de 134 pessoas desaparecidas. Na nossa lista somente apareceram 94 dos 356. Portanto, ainda faltam 262 pessoas.

A diferença de números com a Ouvidoria é, provavelmente, porque há pessoas que aparecem e não somos informados. Então precisamos entrar em contato e chamar cada uma das famílias para ver qual é a situação. E o outro problema é que houve mudanças e, atualmente, o ouvidor faz parte do governo, do partido do governo [Centro Democrático, do presidente Iván Duque e liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe], não havendo, portanto, nenhuma confiança por parte das organizações sociais, nem das organizações defensoras de direitos humanos, nos números apresentados.

O fato é que não está sendo repassado à Ouvidoria grande parte do que está ocorrendo, porque ela também está ocultando muitos dados. Da mesma forma que a Promotoria.

Dessa forma, os familiares ficaram sós, muitas vezes apenas com as organizações de direitos humanos da localidade, da região. A partir de Bogotá, estamos chamando permanentemente para que as organizações contatem os familiares. Estes são os problemas.

A que conduzem essas agressões do governo Duque?

A partir do chamado “acompanhamento militar”, o governo dá um tratamento de contraguerrilha ao protesto social, ampliando o número de vítimas a cada dia. Já temos 356 desaparecidos e 62 homicídios – destes, 45 sob uma suposta “autoridade” da força pública e os outros 17 por civis, milicianos ou paramilitares que sobem em carros e abrem fogo nos manifestantes. Temos 46 pessoas que perderam um olho porque lhes dispararam nos olhos, há 22 estupros a mulheres que participavam das marchas.

Nesta sexta-feira (28) em Cali um policial vestido de civil disparou e matou dois manifestantes. As pessoas o alcançaram, detêm e o matam. São três mortos.

Cabe ressaltar que estas informações provêm de distintas organizações da sociedade civil, de líderes sociais e pessoas das comunidades, assim como jornalistas e ativistas, entre outras fontes, que se encontram nas diferentes regiões do país.

São cifras que evidenciam uma forte tendência à militarização do protesto social, um tratamento que é praticamente de ditadura, sem qualquer garantia para a manifestação nem para o exercício dos direitos humanos.

Diante desses ataques, qual o papel da solidariedade internacional?

Tem sido fundamental porque são olhos que estão vendo a atuação do governo, especialmente pela exigência de várias organizações e organismos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as Nações Unidas, os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido, e a participação de diferentes observadores, especialmente latino-americanos. Estamos todos muito preocupados com o que está passando em Colômbia e se não fosse por essas organizações e pelo apoio internacional isso seria ainda pior, muitíssimo pior.

O que gerou o vigor e a amplitude dessas manifestações?

Acredito que é importante sempre assinalar que estão bem articuladas cada uma dessas manifestações ocorridas por toda a Colômbia. As mobilizações e a paralisação não se deram por geração espontânea. São resultado do descumprimento de diversos acordos: um, dos Acordos de Paz com as Farc; dois, dos acordos com as comunidades e organizações sociais; três, com os acordos de direitos humanos. Isso em meio a uma pandemia que faz com tudo se radicalize e leve as pessoas a saírem às ruas para exercer o seu direito de protestar.

Acompanhado a tudo isso, a essa ausência, a essa negação na implementação de acordos, as cifras da guerra e do conflito continuam. Já temos 40 massacres em 2021. Foram assassinados 66 líderes sociais neste ano e mortos 24 combatentes das FARC que assinaram o Acordo, o que significa que a situação é terrível em termos de direitos humanos. A paralisação torna evidente a situação dramática de violações.

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