Marcos Coimbra: Só um golpe pode salvar Bolsonaro

Presidente teve a chance de se tornar uma liderança para valer na política brasileira. Assumiu o governo com expectativas elevadas e as jogou fora. O destino ofereceu-lhe uma segunda oportunidade, com o inesperado da pandemia, e ele voltou a desperdiçá-la, tornando-se pessoalmente responsável pela catástrofe sanitária brasileira.

Você pode não ter conseguido ainda se resolver a respeito de Bolsonaro, se é um gênio do mal ou um bufão autoritário, mas de uma coisa não há dúvida: se tiver condições, o ex-capitão dará um golpe. Não porque o golpismo seja parte de sua natureza e convicções (e é). Ele quer o golpe porque percebe que as chances de permanecer no poder pelo voto, que não eram grandes, diminuíram significativamente.

Depois da eleição e ao longo do primeiro ano, metade do eleitorado aguardou, com otimismo, que o governo começasse, sem que, com a ausência de Lula, alguém lhe fizesse contraposição efetiva. Mas as expectativas não se confirmaram (como era previsível) e o apoio caiu. Foi quando ganharam terreno as conversas de golpe.

Veio a pandemia e o auxílio emergencial, e muita gente passou a achar que Bolsonaro tinha alta probabilidade de se reeleger. Sem pesquisas adequadas, generalizou-se a impressão de que estava com a bola cheia. Os bolsonaristas acreditaram que bastava comprar o Centrão, pois, no eleitorado, ele se garantia. Mas Lula voltou e, com base em pesquisas benfeitas, as ilusões se acabaram. Ficou claro que ele é o (grande) favorito.

À turma do ex-capitão resta a opção de cancelar a eleição, o que pode ser feito de duas maneiras. Uma, digamos, clássica, é o velho golpe militar, com tanques e metralhadoras na rua. Pega mal, é démodé, mas gente como Bolsonaro não se detém por isso. É porque desconfia que não consegue mobilizar o conjunto das Forças Armadas que não vai adiante.

A segunda é igualmente antidemocrática e foi usada em 2018. Consiste em impedir a candidatura de Lula, por via militar, judicial e midiática, pois, sem ele, as esquerdas ficam mais frágeis, ainda que permaneçam competitivas. Bolsonaro precisaria de outra “facada” para escapar da comparação com o adversário e outra bandalha cibernética para enfraquecê-lo. Mas, se deu certo uma vez, por que não tentar de novo?

Isso, no entanto, é puro déjà-vu. Somente na cabeça do ex-capitão é possível repetir a receita de 2018: o tempo passou, ele se revelou um desastre, o povo não gosta dele. Do tripé de que se utilizou só ficaram os militares, desmoralizados pelo fracasso da aventura em que enfiaram o País.

Bolsonaro sabe que não tem força (pelo menos, por ora) para liderar uma quartelada e foi desfeita a aliança que tirou o ex-presidente da última eleição. Por mais que queira fugir de Lula, parece que terá de enfrentá-lo.

Hoje, a sua esperança é que funcione outra ferramenta imoral de seu arsenal: torrar dinheiro público para aumentar a aprovação popular. Sob o olhar complacente das mesmas elites que se escandalizavam com o “exagero petista” na política social, o plano de Bolsonaro é gastar o que for preciso para comprar votos, rezando para que a demagogia dê certo. Só que ela se funda no equívoco característico dos reacionários brasileiros, supor que basta uma grana para ganhar o voto do povo. Ao contrário do que pensam, o povo sabe votar e o bolso está longe de ser o único órgão que determina o que faz na urna.

Bolsonaro teve a chance de se tornar uma liderança para valer na política brasileira. Assumiu o governo com expectativas elevadas e as jogou fora. O destino ofereceu-lhe uma segunda oportunidade, com o inesperado da pandemia, e ele voltou a desperdiçá-la, tornando-se pessoalmente responsável pela catástrofe sanitária brasileira. Hoje, insiste em comportamentos ridículos para o chefe de governo de um país sério. E acredita que vai ganhar a eleição.

Há quem imagine que o capitão é um craque da política, uma espécie de pérola que permaneceu escondida no fundo do plenário da Câmara dos Deputados por 20 anos. É o que acha seu público de referência, os desqualificados de que se cerca, recrutados pelo puxa-saquismo. A verdade, no entanto, é que ele está mais perto de ser aquilo que ensina o senso comum, o verdadeiro estúpido, que teima nos mesmos erros depois de ficar evidente que não funcionam. Como faz agora, buscando o aplauso fácil da minoria de idiotas e intimidando a maioria de pessoas normais, com declarações e comportamentos toscos.

É claro que é impossível vaticinar o que vai ocorrer na eleição. Mas quem apostar que Bolsonaro perde está muito mais perto de ganhar a aposta do que aquele que supõe que vence.

Publicado originalmente na CartaCapital

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