CPI apura indícios de corrupção no governo Bolsonaro na compra da Covaxin

A comissão abre uma nova linha de investigação para apurar suspeitas da compra de medicamento superfaturado da Índia com envolvimento direto do presidente

CPI entra numa nova fase de investigação (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

A CPI da Covid adotou uma nova linha de investigação segunda a qual a omissão do governo Bolsonaro para a compra de vacina e o negacionismo envolvia interesses econômicos. “A CPI começa a encontrar indícios de corrupção na compra de vacinas pelo governo federal. A Covaxin, por exemplo, foi adquirida com um sobrepreço de 1000%”, disse o vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para quem o governo não deixou somente de comprar imunizantes, mas escolheu adquirir a vacina indiana superfaturada antes da autorização da Agência Nacional de Vigilância à Saúde (Anvisa).

O novo momento da CPI é aprofundar essa investigação. Tanto que estava previsto nesta quarta-feira (23) o depoimento do empresário Francisco Maximiano, da Precisa Medicamentos, que intermediou a compra da Covaxin. Ele teve a oitiva adiada por estar de quarentena após uma viagem à Índia. Enquanto o governo não respondia as propostas da Pfizer, por exemplo, fechou uma negociação rápida para comprar 20 milhões de doses da vacina indiana a um preço de R$ 1,6 bilhão, o valor mais caro por dose.

Sócio da Precisa, Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde que recebeu R$ 20 milhões antecipados do Ministério da Saúde, em 2017, pela compra de medicamentos raros que não foram entregues. Na época, o ministro da Saúde era o atual o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), que tem um longo histórico de lobby junto à Global.

O Estadão teve acesso a um telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova Délhi, de agosto do ano passado, informando que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em 100 rúpias (US$ 1,34 a dose). Em outro comunicado, em dezembro, foi informado que o imunizante “custaria menos do que uma garrafa de água”. Já em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por unidade.

Bolsonaro se envolveu diretamente nas negociações. Além de telefonar ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em favor das empresas privadas EMS e Apsen, para receber insumos visando o aumento da produção de cloroquina, o presidente também pediu ao premiê a intermediação para facilitar a compra da Convaxin.

Depoimentos

Para a aprofundar as investigações, a CPI aprovou nesta quarta-feira (23) requerimento de convocação de Alex Lial Marinho, coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde do Ministério da Saúde. Indicado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, o tenente-coronel é acusado de pressionar o servidor Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação, e irmão do deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), a favor da importação da Covaxin

O servidor, que encontrou diversos indícios de irregularidades na importação, negou-se a dar o aval para a negociação, conforme já revelou ao Ministério Público Federal (MPF). Ele reclamou da pressão atípica feita por Alex Marinho, seu superior.

O deputado Luís Miranda, que junto com o irmão vai depor nesta sexta-feira (25) na CPI, disse que avisou Bolsonaro sobre a situação. “No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, disse. Segundo ele, o presidente afirmou que iria acionar a Polícia Federal.

A convocação de Alex Marinho foi requerida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) que quer esclarecimento sobre o atraso no fornecimento de oxigênio para rede hospitalar do Amazonas. Outro requerimento, de autoria de Randolfe Rodrigues, quebrou o sigilo telefônico e telemático de Alex Marinho.

Marinho é nome importante no episódio de contratação da vacina indiana Covaxin e na omissão do governo em relação à negociação com Pfizer. “É curiosa a atuação do governo federal para a compra desse imunizante em detrimentos de outros que já se encontravam em estado mais avançado para aquisição”, disse o senador.

Conforme documentação recebida pela CPI, Randolfe afirmou que o coordenador-geral de aquisições de insumos estratégicos para saúde atuou fortemente para que seus funcionários superassem, de qualquer forma, os entraves junto à Anvisa que impediam a entrada da vacina Covaxin, em território nacional.  “Em depoimento recebido por esta CPI, um servidor informa sobre pressões anormais através de mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões, tendo sido procurado inclusive fora de seu horário de expediente em sábados e domingos. Informa que essa atuação não foi feita em relação a outras vacinas, o que corrobora com diversos depoimentos ouvidos anteriormente nesta comissão”, justificou Ranfolfe.

De acordo com o vice-presidente da CPI, as pressões sobre o servidor vinham do alto escalão do ministério que pediam que fosse encontrada a “exceção da exceção” junto à Anvisa, para que os entraves fossem superados. “Essa informação coincide com a atuação do Ministério das Relações Exteriores e do próprio presidente da república que, em carta enviada ao primeiro-ministro da Índia comunica que a Covaxin havia sido selecionada para o PNI (Plano Nacional de Imunização)”, disse.

O senador lembrou ainda que os testes clínicos de fase 3 da vacina ainda não haviam sequer sido concluídos na Índia. “Nesse momento o Brasil ignorava as ofertas da Pfizer, vacina mais utilizada no mundo e com testes clínicos concluídos no Brasil, assim como vinha de um longo processo de letargia nas negociações com a Sinovac/Butantan”, lembrou.

O senador apresentou uma cronologia sobre os fatos:

No dia 31/03/21, a Anvisa, por unanimidade, rejeitou o pedido do Ministério da Saúde para importar doses da vacina covaxin alegando falta de documentos necessários e ausência de dados sobre a segurança do imunizante. Nesse mesmo dia, o senhor Alex Lial Marinho realizou uma reunião na Coordenação-Geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde com a alta gestão do Ministério da Saúde para pedir resolução da situação, entrar em contato com a empresa, pressionar pelos documentos para que a questão fosse sanada.

No dia 30/03/21, a Anvisa já havia negado o certificado de boas práticas de fabricação da Bharat Biotech após inspeção na fábrica da empresa na Índia, alegando não-conformidades como a falta de um método de controle específico para medir a potência da vacina, a não validação do método que comprova a completa inativação do vírus e a não adoção de todas as precauções necessárias para garantir a esterilidade do produto.

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