Chomsky compara retórica do voto impresso de Bolsonaro a Trump

O filósofo americano denuncia as intervenções do governo dos EUA em golpes pela América Latina, que levaram à eleição de Bolsonaro, por exemplo.

O filósofo e linguista Noam Chomsky

Noam Chomsky acompanhou de perto a política brasileira e latino-americana por muitas décadas, e até visitou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão em 2018. Em entrevista ao TruthOut, o filósofo e linguista discute os fatores que levaram Bolsonaro ao poder, disseca suas políticas e as compara ao regime de Trump e avalia o que o futuro reserva para a nação conturbada.

Chomsky relata como a direita brasileira sistematizou um “golpe brando” a partir do impeachment fraudulento de Dilma Rousseff e a posterior prisão de Lula, para impedir sua vitória nas urnas. “Isso preparou o cenário para que Bolsonaro fosse eleito em uma onda de uma incrível campanha de mentiras, calúnias e trapaças que inundaram os sites que a maioria dos brasileiros usa como principal fonte de informação. Há motivos para suspeitar de uma mão americana significativa”, sugere o linguista.

Muito bem informado, ele continua mostrando como o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato são desmascarados. “Moro praticamente desapareceu de vista com o colapso de sua imagem como o intrépido cavaleiro branco que salvaria o Brasil da corrupção – enquanto, provavelmente não por coincidência, destrói grandes empresas brasileiras que eram concorrentes de corporações americanas (que não são exatamente famosas por sua pureza)”, acrescenta.

Ele prossegue pontuando as conquistas de bem-estar social nos governos de Lula e Dilma, assim como a influência internacional que o Brasil passou a ter, que passaram a incomodar líderes ocidentais e o setor privado nacional. Ele lembra como o Banco Mundial descreveu o período como a “década de ouro”, que persistiria caso não houvesse o golpe.

“Alguns analistas sugeriram que uma virada crucial foi quando Dilma anunciou que os lucros das reservas de petróleo offshore recém-descobertas seriam direcionados à educação e ao bem-estar, em vez das mãos ansiosas de investidores internacionais.”

Mas ele também aponta os limites do governo de esquerda ao não conseguir “fincar raízes sociais”, além da complacência com corrupção, o fracasso da mobilização e a falta de reformas estruturais, que teriam contribuído para a vitória eleitoral de Bolsonaro.

“A vitória de Bolsonaro foi recebida com entusiasmo pelo capital e finanças internacionais. Eles ficaram particularmente impressionados com o czar econômico do Bolsonaro, o ultra-leal economista de Chicago Paulo Guedes. Seu programa era muito simples: em suas palavras, ‘Privatize Tudo’, uma bonança para os investidores estrangeiros. Eles ficaram, no entanto, desiludidos com o colapso do Brasil durante os anos do Bolsonaro e as promessas de Guedes não cumpridas”.

Ao lembrar a dedicatória de Bolsonaro ao torturador de Dilma na votação do impeachment, Chomsky comparou o “nível de depravação” que nem mesmo Trump atingiu. Para ele, a necropolítica de Bolsonaro sempre foi alardeada contra esquerdistas e indígenas de forma muito clara. Como Trump, mais uma vez, ele também é responsável pela morte de centenas de milhares por covid e incentivar a letalidade policial contra as populações negras.

O modo como Bolsonaro acelera a desertificação da Amazônia terá um impacto devastador para todo o mundo. “Como Trump, os compromissos políticos mais importantes de Bolsonaro, de longe, são destruir as perspectivas de vida humana organizada no interesse de lucros de curto prazo para seus amigos – no caso dele, mineração, agronegócio e extração ilegal de madeira”. 

Chomsky também observa o modus operandi da direita nos dois países, quando Bolsonaro prepara o ambiente para impedir a vitória dos adversários na eleição ao repetir a retórica trumpista de fraude eleitoral. O comportamento complacente dos militares com Bolsonaro também alarma o pensador americano.

Diante da possibilidade golpista, ele resgata a postura celebrativa e cúmplice de Washington diante da ditadura instaurada em 1964 com seus esquadrões de extermínio claramente apoiados pela CIA. Para garantir que nada mudou no intervencionismo americano em golpes pela América Latina, ele citou o caso do golpe militar em Honduras, em 2009,

“Seu apoio ao golpe, quase sozinho, ajudou a transformar Honduras em uma das capitais do assassinato do mundo, estimulando uma enxurrada de refugiados aterrorizados agora cruel e ilegalmente repelidos na fronteira dos Estados Unidos, se eles conseguirem chegar tão longe através das barreiras impostas por clientes dos EUA”.

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