CNDH oficia governo sobre foto que legitima conflito armado no campo

A postagem gerou protestos entre associações do campo, membros de entidades da luta agrária e internautas nas redes sociais. Também gerou constrangimento entre empresários do setor.

Secom troca imagem de agricultor armado por estatísticas sobre conflitos no campo

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) também reagiu a uma postagem publicada nas redes sociais pelo governo Bolsonaro nesta quarta-feira (28) em referência ao Dia do Agricultor. O órgão oficiou o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) nesta quarta para manifestar preocupação e solicitar informações a respeito da propaganda.

O CNDH pediu explicações sobre o porquê da utilização de uma foto com arma de fogo para representar os agricultores e estipulou cinco dias como prazo de retorno para o governo. O órgão autônomo tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos mediante ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos, e a proteção aos direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos ou sociais previstos na Constituição Federal, nos tratados e atos internacionais celebrados pelo Brasil.

A mensagem escolhida pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da gestão traz a silhueta de um homem com uma espingarda no ombro em meio a uma plantação. A postagem gerou protestos entre associações do campo, membros de entidades da luta agrária e internautas nas redes sociais. Também gerou constrangimento entre setores empresariais que tentam melhorar a imagem do agronegócio no exterior.

Após o escândalo, a imagem foi trocada por estatísticas do governo na agricultura, fazendo menção, entre outras, a “invasões de terra” e à extensão da posse de arma ±do proprietário rural a toda a sua propriedade”. As ocupações por movimentos sociais visam a chamar a atenção para grilagem e especulação sobre terras públicas que deveriam fazer parte do programa de reforma agrária. A desinformação gerada na mídia sobre o assunto é utilizada por Bolsonaro para defender a violência no campo contra manifestações de sem-terra.

Em termos publicitários, a imagem materializa as políticas públicas do governo Bolsonaro para armar a população. Também naturaliza e legitima o sentido de que o campo é lugar de conflito armado.

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Em nota publicada logo após a postagem da gestão, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) repudiou a iniciativa e chamou-a de “belicista e desrespeitosa”.

“Ao utilizar a imagem de um caçador portando uma espingarda em savana africana, adquirida em um banco de imagens pagas, o governo demonstra, mais uma vez, seu desconhecimento da realidade da agricultura familiar no Brasil, marcada pela solidariedade, generosidade e dedicação para prover alimentos de verdade para as famílias brasileiras”, diz o texto, ao rechaçar o símbolo.

Para Alexandre Conceição, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a postagem é um espelho da gestão Bolsonaro, geralmente associada aos discursos de criminalização da luta agrária e das organizações do campo. O presidente da República é um conhecido opositor do MST, por exemplo, já tendo feito diferentes acenos públicos nesse sentido.

“O 28 de julho é Dia do Agricultor, e não do atirador ou do miliciano. Então, é lamentável, mas, ao mesmo tempo, é compreensível, porque o governo que está aí é um governo miliciano, atirador e que investe em armas enquanto o país passa pela fome. Com essa imagem, ele representa o que pensa da agricultura brasileira, que é uma agricultura voltada à grilagem de terras, ao atirador, ao matador, à violência”, critica o líder do MST.   

Violência

O Brasil vive, durante o governo Bolsonaro, um cenário de escalada da violência na zona rural. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que monitora o problema desde 1985, o número de conflitos no campo registrados no país subiu de 1.547 em 2018 para 1.903 em 2019, primeiro ano da gestão do ex-capitão do Exército.

No intervalo entre 2019 e 2020, a comissão verificou um novo aumento, com 2.054 ocorrências notificadas. Além disso, houve pelo menos 50 assassinatos no meio rural durante o primeiro biênio do governo Bolsonaro, que também ampliou o acesso a armas de fogo no país, com regras que facilitam a aquisição e a posse desse tipo de produto.

Com informações do Brasil de Fato.

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