O povo entendeu que é preciso separar Forças Armadas e o Estado, diz deputada
Em entrevista à Carta Capital, a deputada Perpétua Almeida comenta o amplo apoio no Congresso à PEC que limita a participação de militares da ativa no governo
Publicado 29/07/2021 10:43 | Editado 29/07/2021 15:51
Idealizadora de uma PEC que limita a participação de militares da ativa em cargos do governo, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) precisava reunir as 171 assinaturas necessárias para que o projeto passe a tramitar na Câmara. Amealhou 189, inclusive de partidos que compõem o centrão, como PP, PL e PSL. “Isso significa que temos hoje no Congresso deputados que estão escutando as ruas”, celebra. “Nenhum partido ficou sem assinatura.”
Ela se refere a uma pesquisa do Datafolha, publicada no dia 11 de julho, que aponta que 58% dos entrevistados são contrários à participação de militares da ativa em atos políticos e em cargos no governo federal.
O texto acrescenta os dispositivos ao artigo 37 da Constituição, criando duas exigências para o militar da ativa que quiser exercer cargo de natureza civil na administração pública: se afastar da caserna, caso tenha menos de dez anos de serviço; passar automaticamente para a reserva, caso tenha mais de dez anos na ativa. Atualmente, a Constituição não trata da presença de militares em cargos civis.
A repercussão tem inspirado incrementos, como a do deputado Fábio Trad (PSD-MS), que defende uma quarentena de seis anos para juízes, membros do MP, policiais e militares antes de disputarem eleições. A deputada não teme que esses ‘penduricalhos’ atrapalhem o andamento da reforma. “Eu penso que é preciso a gente discutir também esse assunto. O parlamento não pode se recusar a fazer esse debate.”
Muita gente considerava impossível reunir as 171 assinaturas necessárias à apresentação da PEC, mas você foi além e obteve o apoio até mesmo de partidos do Centrão. O que explica esse amplo apoio?
Houve uma primeira dificuldade porque esse é um tema polêmico e que toca diretamente em um interesse do governo, o que faz com que parte da base queira se manter longe desse confronto. Além disso, o sistema atual da Câmara torna muito difícil a coleta de assinaturas. Ainda assim, conseguimos 189 assinaturas. Nenhum partido ficou sem assinatura.
Isso significa que temos hoje no Congresso deputados que estão escutando as ruas. As pesquisas mostram que mais da metade da população é contra a participação de militares na política, em governos e em palanques. O povo já compreendeu que é preciso separar o que são as Forças Armadas do que é o Estado brasileiro. As Forças Armadas devem servir às instituições e a um projeto nacional de desenvolvimento, não a governos ou a políticos.
Braga Neto prestará esclarecimentos na Câmara sobre a nota que as Forças Armadas divulgaram em repúdio ao presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM). O que esperar dessa conversa?
Aquela nota ameaçadora e desnecessária não deveria ter existido. Ele tem muito a explicar ao parlamento. Quem regula as Forças Armadas é o poder político. Daí a importância da PEC 21. A CCJ não irá discutir seu mérito, mas apenas se o texto que eu apresentei está de acordo com a Constituição. Após isso será instalado a Comissão Especial que vai debater o mérito. Lá, vamos propor que os espaços da política sejam restritos à política.
Na Câmara, você perguntou ao diretor da Abin, Alexandre Ramagem, se a Agência estava monitorando uma possível organização de grupos para questionar de forma violenta o resultado das alterações. Ele fugiu da resposta. Como interpretar essa reação? Como se pré-salvaguardar os distúrbios possíveis em caso de vitória de Bolsonaro?
A imprensa inteira divulgou que a Abin estava presente nos atos políticos contra o governo de Bolsonaro. Isso é muito perigoso, não precisamos da presença da Abin, de olheiros ou representantes das Forças Armadas nos atos políticos. A Constituição brasileira defende o direito à manifestação. Por outro lado, é muito importante a presença da Abin na investigação de uma ação que pode colocar em risco o resultado da eleição e criar um problema político para nossa democracia. É aí que a Abin tem que estar.
Vou cobrar por escrito o que tem feito a Abin para monitorar grupos perigosos que podem estar armados no dia da eleição e tentar melhorar a democracia no Brasil. Se o Bolsonaro está dizendo que não vai aceitar o resultado da eleição sem o voto impresso, ele quer que a gente volte 25 anos atrás. Isso o Brasil não vai fazer. Será que o Bolsonaro vai ter um comportamento igual ao do Trump, de incentivar as pessoas a não aceitarem o resultado eleitoral e irem armadas para a rua? Eu espero que a Abin esteja neste processo de investigação. Se não estiver, não estiver cumprindo seu papel, que é o de servir ao Estado brasileiro.
O presidente da Câmara tem dito que não há clima para impeachment. A chegada de Ciro Nogueira à Casa Civil sepulta de vez como chances de tirar Bolsonaro do poder antes de 2022?
Ciro vai tentar reverter o clima real de impeachment que há hoje no parlamento e na rua. Quem não lembra do general Augusto Heleno aquele grande ato dizendo que Bolsonaro não iria aceitar o Centrão no governo e cantando aquela música? Um governo que ganhou a eleição dizendo que iria combater a corrupção, mas que é um governo corrupto porque foi avisado de um esquema para roubar o dinheiro das vacinas.
Bolsonaro também não pode mais dizer que não vai servir à velha política. Ele não só botou o Centrão todo no seu colo como também já disse ‘eu também sou do Centrão’. Isso significa que os riscos de impeachment são tão grandes na rua e no parlamento que eles correram atrás do Centrão e trouxeram o Ciro Nogueira, que é mais articulado, um político que se dá com todo o mundo.
É possível barrar sua aprovação do PL 490, que garante uma exploração mineral em terras indígenas, no plenário da Câmara?
Vamos resistir. Quem não conhece como é o garimpo nesse país ou em qualquer lugar do mundo? O nível de prostituição e exploração de menores se alastra. Nós queremos mesmo isso dentro das aldeias indígenas, que já têm muita dificuldade de sobreviver? O governo tem abandonado como comunidades indígenas. Há muitos povos indígenas sem terra e outros povos indígenas com terra, mas sem a menor condição de trabalhar a terra. O governo ajuda grandes empresários e fazendeiros, bota dinheiro, máquina e incentivos nas mãos deles, mas não bota para os povos indígenas poderem ser autossustentáveis. E faz isso propositalmente, para dizer que as Terras Indígenas não servem para nada porque não trabalham com a terra.
O Congresso brasileiro tenta aprovar uma ilegalidade. Se ele quer mesmo mineração em Terras Indígenas, é preciso ouvir os povos indígenas dentro das aldeias e depois propor uma mudança na Constituição. Projeto de Lei não muda Constituição, o que muda Constituição é uma PEC.
Há condições para se formar uma frente anti-Bolsonaro no Acre? O que esperar da disputa pelo governo estadual?
O Acre foi o estado que proporcionalmente mais deu votos a Bolsonaro. O Bolsonaro veio ao Acre e simulou com o cabo do microfone o fuzilamento da esquerda, dos petistas e comunistas. E a gente nunca imaginou que aquela pessoa que simulava fuzilar adversários viraria presidente da República. Ele teve muitos votos, mas abandonou completamente o estado. Eu tenho denunciado que a BR-364, que é a única estrada que liga o Acre de ponta a ponta e da qual os municípios dependem para sobreviver, está completamente abandonada. Mais de 70% da estrada está definido pelo próprio Ministério dos Transportes como ruim ou muito ruim.
Esse é o troco que o Bolsonaro tem dado aos acreanos, mas é preciso enfrentar isso, porque aqui no Acre morreu muita gente de covid. O Brasil se aproxima de 600 mil mortes por covid e a gente sabe que metade dessas pessoas poderia ter sobrevivido, mas morreu por falta de vacina. É isso que a gente precisa enfrentar nas proximidades.
No Acre, estamos tentando um encontro da esquerda e do centro para barrar tudo isso. Mas, é fundamental que todos tenham uma consciência de que é preciso dar sua colaboração para salvar o país. Nós não aguentamos mais o Bolsonaro, o país está quebrando, o desemprego está aumentado. As famílias dependentes daquilo que lhes dão, de uma cesta-básica, dos programas sociais. O governo Bolsonaro não tem gerado emprego nem no Acre nem em lugar nenhum. A população do Acre hoje só tem serviço de emprego em áreas privadas ou no público. Temos que mudar esse quadro porque o Governo do Estado também não tem coragem de criticar o governo Bolsonaro e não tem ajudado a produzir empregos no Acre. O povo quer trabalhar, que é o que dá dignidade a sua família.
O Acre tem produzido nos anos alguns nomes de destaque nas opções progressistas, como Marina Silva, Jorge Vianna e você mesma. Concretamente, essas forças caminharão juntas?
Acredito que sim. Estive na semana passada em uma reunião – com outras lideranças políticas da Câmara e do Senado e até de fora do parlamento – onde estava a ex-senadora Marina Silva. Eu conversei com ela sobre isso. Precisamos fazer uma frente de resistência no Acre para retomar os empregos, retomar a dignidade da população. E também cuidar do meio ambiente porque é possível ganhar muito dinheiro com a floresta em pé. Quando se destrói a floresta, não se ganha mais dinheiro.
Mas, o Acre também tem produzidos outros tipos de figura. O Márcio Bittar (MDB), por exemplo, tem aparecido na mídia como o senador do esquema do Orçamento, do esquema que manda dinheiro para vários outros estados e que estava a serviço da rachadinha das emendas para trocar por voto a favor do governo Bolsonaro. O Orçamento da União, infelizmente, está servindo para segurar deputados que votem a favor do governo.
Qual sua expectativa em relação às mudanças que possam ocorrer no PCdoB por conta da cláusula de barreira?
O PCdoB tem uma bancada pequena, mas muito forte e influente, tem caracterizada que é importante para a democracia do país. Que outro partido no Brasil vai completar 100 anos? Nenhum. Temos sido vítimas muita mentira do anticomunismo, o governo Bolsonaro está a serviço disso, inclusive. Temos chamado atenção de que o parlamento não pode excluir forças políticas, precisa encontrar espaço para todas as opiniões, para a diversidade política. Nesse sentido, temos nos esforçado muito para aprovar a federação partidária.
A intenção dos grandes partidos é reduzir a quantidade de legendas no Brasil, mas não se pode matar partidos assim. Inclusive partidos que tem uma história de 100 anos como o PCdoB. A federação é muito importante porque reúne os que pensam parecido e pode ser esse grande chapéu para vários partidos de esquerda e de centro-esquerda. Nela é preciso permanecer por quatro anos, e quem fica junto por tanto tempo em nome da democracia não se desfaz depois. Uma federação associada ao número de partidos sem precisar matar os partidos. A Frente Ampla do Uruguai é uma federação, a eleição de Angela Merkel na Alemanha se deu a partir de uma federação.
Fonte: Carta Capital