Na imprensa estrangeira, desfile militar agrava derrota de Bolsonaro

Imprensa internacional ressaltou que desfile acabou revelando a fragilidade e nervosismo do presidente diante da derrota iminente na Câmara, com a PEC do voto impresso.

O precário desfile de tanques ocorrido na Esplanada dos Ministérios, hoje, foi visto pela imprensa internacional como um ataque à democracia e um movimento político calculado sem precedentes desde a redemocratização do país, ainda que com tonalidades de ridículo. Promovido pelo Ministério da Defesa, foi acompanhado pelo presidente Jair Bolsonaro, “coincidindo” com o dia em que o Congresso discutia alterações na legislação eleitoral. Felizmente, ninguém ressaltou a fragilidade do equipamento antiquado exibido.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PL), colocou em votação a PEC do Voto Impresso, defendida por Bolsonaro, que foi rejeitada pelos deputados ao obter 75% dos votos necessários.

O jornal inglês The Guardian classificou o exercício militar como “um desfile da República de Bananas de Bolsonaro”. A reportagem, assinada pelo correspondente do veículo no Brasil, Tom Phillips, reúne críticas de fontes ouvidas que adjetivam o evento como “ridículo”, “grotesco”, “desnecessário” e “lamentável”.

O jornal afirma que o desfile foi organizado às pressas e citou especialistas dizendo que o ato não tem precedente desde a restauração da democracia, em 1985.

The Guardian ainda pontua que, “para elevar o nível do absurdo”, o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) publicou nas redes sociais a foto de veículos chineses na Praça Tiananmen, em Pequim, em 2019. Na legenda: “Nunca uma simples manobra militar mexeu tanto com meu patriotismo”.

“(O desfile) se seguiu a uma sucessão de comentários incendiários e antidemocráticos do líder do Brasil, um ex-capitão do Exército de mentalidade autoritária que disse que as eleições presidenciais do próximo ano podem não acontecer se as mudanças não forem aprovadas”, disse o veículo, ao relacionar o ato militar com a queda de popularidade do presidente.

O “Financial Times” classificou o desfile antes da votação como um “ataque à democracia”, ao mencionar a simultaneidade do evento com a votação da emenda constitucional. Também citou opositores “que denunciaram o ato como uma afronta às instituições democráticas do Brasil”, ao relatar da nota emitida por agrupamento de nove partidos de esquerda e centro-esquerda condenando a marcha.

“Com sua popularidade diminuindo, com mais de meio milhão de mortes causadas pela covid-19 no Brasil, Bolsonaro continuou criticando o sistema de votação”, lembra. “Na semana passada, o presidente também entrou em confronto com juízes importantes que abriram investigações sobre seus ataques.”

O jornal “The New York Times” lembrou que Bolsonaro tenta deslegitimar a urna eletrônica, o que leva a temores quanto a um golpe de Estado. O jornal também ressalta a correlação entre o nervosismo do presidente e a queda nas pesquisas de intenção de voto para a eleição de 2022.

“Críticos temem que, assim como o (ex-)presidente (dos EUA) Donald Trump convenceu muitos apoiadores de que sua vitória foi roubada em 2020, Bolsonaro esteja preparando as bases para contestar uma derrota eleitoral em outubro de 2022”, diz o “NYT”.

O Washington Post mostrou que, embora a base de Bolsonaro não tenha sido suficiente para aprovar o voto impresso, “a oposição, que esperava obter uma esmagadora maioria contra o presidente, ficou aquém, obtendo 218 votos”.

Segundo o jornal americano, o desfile também incomodou o Senado. O Post citou Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, ao dizer que o desfile foi “uma clara tentativa de intimidar legisladores e oponentes. Ele (Bolsonaro) imagina que está dando mostras de força, mas está mostrando um presidente enfraquecido pelas investigações ”.

O jornal também compara o cenário com as tentativas de Donald Trump desestabilizar as eleições dos EUA.

Também questiona a avaliação do presidente sobre sua força política ao mencionar um especialista da PUC-RJ. “A procissão militar de terça-feira mostra que Bolsonaro é um mau juiz do clima político ou está conscientemente lutando contra as normas democráticas”, disse Kai Kenkel, especialista em forças armadas.

“Ainda precisamos saber com certeza se há uma conexão entre a agenda do Bolsonaro e as motivações da marinha para fazer isso, porque a marinha tem sido muito mais cuidadosa em não fazer declarações políticas”, disse Kenkel à Associated Press.

Ao explicar o factóide do voto impresso, o Post recorre a Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas, que avalia esta terça como a maior derrota legislativa de Bolsonaro. “O governo está cada vez mais frágil em todos os aspectos. Sofre nas pesquisas, é investigado no inquérito do Senado sobre a pandemia do covid-19, e as chances de Bolsonaro não ser reeleito são cada vez maiores ”, disse Couto. “Ao insistir na proposta de hoje para resolver um problema que não existe, Bolsonaro tornou esta derrota importante.”

O francês “Le Monde” afirmou que o ato militar promovido por Bolsonaro ocorreu “em meio a uma crise com o Poder Judiciário brasileiro”.

“Simbolicamente, trata-se de um gesto político muito calculado, uma tentativa de demonstração de força, segundo analistas políticos brasileiros. Foi a primeira vez que o Exército, de onde veio o ex-capitão Bolsonaro, desfilou diante da sede dos três Poderes desde o retorno da democracia em 1985”, lembrou. “Tudo em um clima de crise aberta entre o Poder Judiciário e o presidente brasileiro, que desmorona nas pesquisas, à medida em que se aproxima a eleição presidencial de 2022.”

A agência France Press classificou o desfile militar como demonstração de força por parte de Bolsonaro e lembrou que o presidente brasileiro foi criticado pela exibição, que remonta à ditadura militar do Brasil (1964-1985).

Para o espanhol “El País”, Bolsonaro tentou transformar a ação militar em um ato político. O jornal lembrou que a parada foi acompanhada por apoiadores de Bolsonaro, que gritavam “Nossa bandeira jamais será vermelha”, ao se referir aos partidos de esquerda brasileiros. Alguns carregavam uma faixa em que se lia: “Presidente, destitua os 10 do STF”, ao pedir que seja mantido no Supremo apenas Kassio Nunes Marques, indicado à Corte pelo presidente.

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