Ex-presidente do STF esclarece por que pedido de Bolsonaro será ignorado
Celso de Mello diz que Bolsonaro deseja alcançar a saída de Alexandre do STF com a acusação de um “crime de hermenêutica”, algo que não encontra previsão na Constituição
Publicado 23/08/2021 10:32 | Editado 23/08/2021 10:35
Em sua tentativa de intimidar o Poder Judiciário, o presidente Bolsonaro apresentou na sexta-feira (20) ao Senado Federal um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a iniciativa não tem possibilidade de prosperar, de acordo com o ex-presidente do STF Celso de Mello.
No entendimento do ministro aposentado da Corte Suprema, Bolsonaro deseja alcançar a saída de Alexandre do STF com a acusação de um “crime de hermenêutica”, algo que não encontra previsão na Constituição Federal, nem mesmo na Lei nº 1.079/50, que regula o impeachment de autoridades.
“Em uma tentativa (autoritária) de fazer restaurar, por motivo de clara intolerância pessoal e aversão político-ideológica, a inconstitucional figura do crime de hermenêutica, ofereceu denúncia contra o ministro Alexandre de Moraes imputando-lhe — considerada a específica razão motivadora de sua acusação — conduta sequer prevista ou contemplada no artigo 39 da Lei nº 1.079/50, que define, taxativamente, em numerus clausus, para efeito de impeachment, os ‘crimes de responsabilidade’ de ministro do Supremo Tribunal Federal”, disse Celso de Mello à ConJur.
Segundo o ministro aposentado, a tentativa de Bolsonaro de tirar Alexandre de Moraes do Supremo sem qualquer base legal para isso é um ataque à liberdade não apenas do ministro, mas de todos os magistrados brasileiros.
“Nenhum magistrado pode ser punido em razão de decisões por ele proferidas que reflitam as suas convicções pessoais ou a sua visão doutrinária do thema decidendum, sob pena de afronta aos princípios constitucionais da independência judicial e de sua consequente liberdade decisória!”, afirmou Celso de Mello.
Ele recordou um caso protagonizado por Ruy Barbosa no fim do século 19 em que o célebre jurista baiano defendeu com sucesso o juiz gaúcho Alcides de Mendonça Lima, acusado de “erro de interpretação” do Direito e de rebeldia jurisdicional por ter adotado entendimento que desagradou a Júlio de Castilhos, na época presidente do estado do Rio Grande do Sul.
“Vê-se daí que nem a história judiciária de nosso país, nem a pena vigorosa e respeitável de Ruy Barbosa, patrono dos advogados brasileiros, dão razão a Messias Bolsonaro em sua patética investida contra o ministro (e professor das Arcadas) Alexandre de Moraes!!!”, concluiu o ex-decano do STF.
Leia o pensamento de Celso de Mello, na íntegra:
“BOLSONARO, em uma tentativa (autoritária) de fazer restaurar, por motivo de clara intolerância pessoal e aversão político-ideológica, a inconstitucional figura do “CRIME DE HERMENÊUTICA”, ofereceu denúncia contra o Ministro Alexandre de Moraes, imputando-lhe — considerada a específica razão motivadora de sua acusação — conduta sequer prevista ou contemplada no art. 39 da Lei n. 1.079/50, que define, taxativamente, em “numerus clausus”, para efeito de “impeachment”, os “crimes de responsabilidade” de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
RUY BARBOSA, em “cause célèbre”, por ele submetida em 1896 ao exame do STF, conseguiu que a Corte Suprema ABSOLVESSE o Juiz gaúcho Alcides de Mendonça Lima, da comarca de Rio Grande/RS, absurdamente acusado de “erro de interpretação” do Direito e de rebeldia jurisdicional em face de sua frontal discordância com o entendimento sustentado e desejado por Júlio de Castilhos, então Presidente do Estado do Rio Grande do Sul!
Nenhum magistrado pode ser punido em razão de decisões por ele proferidas que reflitam as suas convicções pessoais ou a sua visão doutrinária do “thema decidendum”, sob pena de afronta aos princípios constitucionais da independência judicial e de sua consequente liberdade decisória! Esse entendimento registrou-se em histórico precedente absolutório do Supremo Tribunal Federal firmado em 1897, no julgamento plenário do “recurso de revisão criminal n. 215”!
Em 07/10/1899, a Suprema Corte, reexaminando sua anterior decisão proferida em 1897, REAFIRMOU o juízo ABSOLUTÓRIO proclamado em favor do magistrado gaúcho que havia sido condenado por “crime de responsabilidade” tipificado no Código Penal de 1890, o primeiro Código Penal da República! “Vê-se, daí que nem a história judiciária de nosso País nem a pena vigorosa e respeitável de Ruy Barbosa, Patrono dos Advogados brasileiros, dão razão a Messias Bolsonaro em sua patética investida contra o Ministro (e Professor das Arcadas) Alexandre de Moraes!!!”
(CELSO DE MELLO, Ministro aposentado e ex-Presidente do STF)
Fonte: Conjur