Depoimento na CPI revela esquema para superfaturar vacinas e testes rápidos

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) diz que Ricardo Santana operou como intermediador da Precisa Medicamentos. Ele favoreceu a empresa em contrato de mais de R$ 1 bilhão na comercialização de testes para Covid-19

José Ricardo Santana durante depoimento na CPI (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Após mais de quatro horas de depoimento na CPI da Covid nesta quinta-feira (26), o empresário José Ricardo Santana, ex-secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), deixou elementos suficientes para concluir que ele operava a favor da Precisa Medicamentos para fraudar contratos na venda de vacinas e testes rápidos ao Ministério da Saúde.

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) diz que Santana operou como intermediador da Precisa Medicamentos. Ele negou possuir contrato com a empresa e disse conhecer o dono Francisco Maximiano, e o diretor Danilo Trento. De acordo com o relator, o depoente favoreceu a  Precisa em contrato de mais de R$ 1 bilhão na comercialização de testes para covid-19.

“Eles até organizaram um passo a passo de como Roberto Dias (ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde) iria favorecer a Precisa em venda de testes”, expôs o relator, que também apontou ilicitudes nos casos de venda de testes no Mato Grosso e no Distrito Federal, onde foi deflagrada a Operação Falso Negativo.

A Precisa assinou contrato com pasta de R$ 1,6 bilhão para aquisição de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech. A empresa só não recebeu US$ 45 milhões antecipado do contrato por causa da denúncia à CPI de irregularidades na transação.

Em depoimento à comissão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luis Fernando Miranda, servidor do Ministério da Saúde, disseram que fizeram a denúncia de corrupção a Bolsonaro que havia prometido levar o caso ao comando da Polícia Federal, mas não o fez. Na ocasião, o presidente teria dito aos irmãos que a negociação era “rolo” do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do seu governo na Câmara dos Deputados.

Bolsonaro se envolveu diretamente na negociação ao mandar uma carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, pedindo agilidade na liberação da Covaxin. Enquanto privilegiava a compra de vacina por intermediadores, o governo ignorava ofertas de vacina da Pfizer, Butantan e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Ricardo Santana surpreendeu os senadores ao dizer que deixou o cargo na Anvisa, no dia 23 de março de 2020, para trabalhar de graça no Ministério da Saúde. Um detalhe: ele recebia de salário na Agência R$ 35 mil. Disse que foi levado ao ministério por Roberto Dias, demitido após ser denunciado pelo pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina.

Em 25 de fevereiro, Ricardo Santana estava no restaurante Vasto, do Brasília Shopping, onde o Roberto Dias teria pedido propina de US$ 1 por dose da vacina AstraZeneca. A revelação foi feita pelo cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti que, na condição de representante da empresa Davati Medical Supply, oferecia ao ex-diretor 400 milhões de doses da vacina.

Questionado pelo relator sobre o chamado jantar da propina, Santana disse não ter presenciado o pedido de propina. “Então, o senhor não lembra em que momento foi sugerida a propina pelo Roberto Dias?”, indagou o relator. “Senador, eu não presenciei nenhum pedido de vantagem indevida”, respondeu. Nas trocas de mensagens, Roberto Dias era tratado pelo depoente como Bob.

Lobista

Santana foi apresentado ao lobista Marconny Albernaz, da Precisa Medicamentos, por Karina Kufa, advogada de Bolsonaro. “Marconny foi um prazer te conhecer na casa da Karina. Obrigado pelo papo agradável”, disse Santana no dia 23 de maio.

Mesmo exposto ao fato, ele disse no depoimento à comissão não se lembrar do encontro. “Você tem um problema de memória sério, porque você não se lembra de nada. Você manda uma mensagem de quase dois minutos para uma pessoa e não lembra para quem foi a mensagem! Foi uma noite agradável. De noites agradáveis a gente sempre se lembra para o resto da vida”, criticou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

O senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a CPI tem informação de que Renan Bolsonaro estava no jantar na casa da advogada. Santana afirmou também que não lembra da presença do filho de Bolsonaro no encontro.

Outro diálogo exposto pelo relator Renan Calheiros revelou que Santana tratou com a médica Nise Yamaguchi, do gabinete paralelo, um plano para apresentar a Bolsonaro que tratava sobre teste rápido para detectar Covid-19.

Um dia depois, ele diz ao lobista Marconny que passou a noite toda com a médica discutindo a necessidade de destravar a testagem da população e precisaria da ajuda do lobista. A CPI já sabe que o empresário queria vender teste rápido para o governo Bolsonaro.

Esquema

Por diversas vezes, o depoente usou o direito ao silêncio. Num deles, quando questionado sobre a viagem à Índia bancada pela Precisa Medicamentos. “As seguintes pessoas estiveram em viagens pagas pela Precisa Medicamentos: Francisco Maximiano, Emanuela Medrades, Danilo Trento, Felipe Maximiano, Raphael Barão, Elson de Barros Gomes Junior, Leonardo Gomes, José Ricardo Santana, Elaine Giglioli, Ingor Raul e Michel Rodrigues, em viagens internacionais pagas pela Precisa. Vossa Senhoria esteve na Índia a interesse da Precisa?”, indagou. “Eu vou me reservar o direito de ficar em silêncio”, disse.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), confrontou o depoente com vídeo no qual revelou a ‘arquitetura’ de favorecimento de licitação dentro do Ministério da Saúde. No dia 4 de junho de 2020, Francisco Maximiano, dono da Precisa, encaminha mensagem para o lobista Marconny Albernaz, que encaminha o mesmo comunicado a Santana. Nela, o ex-secretário da Anvisa teria que passar um recado a Bob.

“Nós estamos diante da arquitetura de um crime. Tanto é que o senhor Maximiano diz que essa é a arquitetura ideal para prosseguir”, disse Randolfe. “Veja só, presidente, Bob avoca o processo que está na Dintec, pode alegar a necessidade de revisão…”, leu o um dos encaminhamentos o vice-presidente da CPI.

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