Como a omissão de Bolsonaro deixa gasolina cada vez mais cara

Petrobras aumentou o preço do combustível nove vezes somente neste ano

Desde o início de 2021, o preço da gasolina no Brasil disparou 28%, elevando mês a mês a inflação e afetando todos os setores da população – em especial, os mais pobres. A Petrobras aumentou o preço do combustível nove vezes somente neste ano. Diante de uma gasolina vendida a preços recordes, o presidente Jair Bolsonaro tomou a decisão mais cruel: não fazer nada. Sua omissão é um estímulo para acionistas lucrarem à custa de mais inflação.

No curto prazo, o governo poderia intervir no preço da gasolina por meio da Petrobras – o que contraria investidores, mas beneficia a população. É uma decisão política que Bolsonaro chegou a prometer em fevereiro, ao demitir o presidente anterior da empresa, Roberto Castello Branco, em cuja gestão a gasolina passou a encarecer rapidamente. Mas não houve mudança na chamada “política de preços” da Petrobras.

Uma alternativa à disposição de Bolsonaro é usar recursos do Tesouro para atender a determinados segmentos, como o Vale Gás, que transfere dinheiro para famílias vulneráveis de São Paulo comprarem gás de cozinha. Porém, um governo que reduz o valor-base do auxílio emergencial a apenas R$ 175 em plena pandemia não parece se sensibilizar com a vasta fatia de pobreza no Brasil.

Há saídas de longo prazo, como reinvestir na Petrobras e garantir uma infraestrutura maior e mais qualificada para a produção, o refino e distribuição de combustíveis. Mas tampouco está no horizonte bolsonarista uma política de desenvolvimento nacional, que alavanque a indústria e a produção.

O fato é que, sem ação do governo Bolsonaro, nunca foi tão caro encher o tanque. O preço médio do litro da gasolina comum no Brasil chegou a R$ 5,955 na última semana, conforme levantamento da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) feito entre os dias 15 e 21. Em postos no Acre, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a gasolina pode ser encontrada acima de R$ 7. O valor médio de agosto, R$ 5,90, é o maior dos últimos 20 anos em termos nominais.

Um dos principais motivos é a cotação do petróleo no mercado internacional. O barril do tipo Brent – negociado em Londres e usado pela Petrobras para cálculo de preço – aumentou quase 40% desde o início do ano, pressionando os preços dos combustíveis fósseis em geral.

A Petrobras, que fornece para as distribuidoras, calcula o preço nas refinarias com base na cotação do petróleo e na taxa de câmbio, pois a commodity é cotada em dólar. A valorização da moeda norte-americana, acumulada em 1,55% em 2021, também forçou para cima a gasolina.

Em 2020, no início da pandemia de Covid-19, a cotação do petróleo teve forte queda, resultado do desaquecimento da economia mundial e da disputa entre Arábia Saudita e Rússia – que inundaram o mercado, forçando os preços para baixo. Conforme as atividades econômicas foram sendo retomadas, a cotação voltou a subir. Mas, se o consumo de combustíveis cresceu, a produção mundial não avançou no mesmo ritmo.

De acordo com informações da Agência Internacional de Energia (AIE), a produção mundial de combustíveis estava em 92,3 milhões de barris por dia no segundo trimestre de 2020, ao passo que a demanda era de 84,8 milhões de barris. No mesmo período de 2021, a procura aumentou para 96,7 milhões de barris diários, mas a produção ficou em 94,9 milhões de barris. Segundo projeções da AIE, a produção mundial só deve voltar a ultrapassar a demanda no primeiro trimestre de 2022.

Outros fatores podem influenciar na cotação do petróleo, como um recrudescimento da pandemia, com a variante Delta, e riscos geopolíticos, a exemplo de conflitos regionais. Isso não está sob gerência do governo federal. Na variação do câmbio, porém, o Brasil poderia ter mais tranquilidade. A desvalorização do real ocorre por motivos externos e internos, como as incertezas sobre o futuro da pandemia no País, a política econômica imprevisível de Bolsonaro e a permanente instabilidade política.

Outro item que contribui para o aumento da gasolina é o preço do etanol. No Brasil, o etanol hidratado é vendido como combustível nos postos, enquanto o etanol anidro é misturado à gasolina na razão de 27%. Ambos estão em alta.

O preço do etanol anidro amentou 5,18% no último levantamento semanal feito em São Paulo pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Esalq/Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). No ano, a variação chega a 56,5%.

Uma das razões é o resultado da safra de cana-de-açúcar 2021/2022, que está abaixo da produção do ciclo anterior. O último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê redução de 9,5% na colheita de cana e de 10,8% no volume total de etanol. “Na crise hídrica, uma das culturas mais afetadas é a da cana. Ocorreram perdas grandes com a seca e com as geadas”, diz o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Hoje, o etanol anidro está mais rentável para os usineiros do que o hidratado. Por isso, mesmo com a quebra de safra, houve redução do etanol hidratado e aumento da produção do anidro. De acordo com relatório da Conab, a produção do álcool anidro cresceu 5,9% em relação ao ano anterior, e do hidratado, caiu 18,5% “em razão da maior rentabilidade do anidro neste exercício”.

O preço médio do etanol hidratado, vendido nos postos, avançou 37% ao longo do ano e está em R$ 4,50, de acordo com a ANP. Além da redução da produção, o próprio avanço do valor da gasolina influencia a precificação.

De acordo com Rodrigues, do CBIE, o etanol hidratado tende a aumentar quando a gasolina sobe, num ciclo que se retroalimenta. “Os preços nos postos são livres. Quando um produto concorrente sobe, (o dono do posto) aumenta o outro também”, comentou.

O biocombustível é muito menos poluente. Mas, para o consumidor economizar ao abastecer, considerando as diferenças de desempenho dos automóveis com os dois combustíveis, o valor do etanol hidratado tem que ser de até 70% o da gasolina.

Segundo a ANP, o valor da gasolina nos postos de combustível é composto da seguinte forma: preço do produtor da gasolina (35,6%), que basicamente é a Petrobras; preço do etanol anidro (14,8%); tributos federais como Cide, PIS/Pasep e Cofins (12,6%); tributos estaduais, que é o ICMS (28,1%); e margem da distribuição e revenda (9%). Os percentuais podem variar conforme o período e o estado de comercialização.

Os impostos são o item com maior peso no bolo, principalmente o ICMS, que é estadual. No entanto, segundo Braz, não há margem para redução de tributos, pois os estados estão endividados e têm pouca capacidade de investimentos. A saída possível para controlar os preços está, portanto, nas mãos de Bolsonaro – e, justamente, por isso, o brasileiro terá de pagar caro pela gasolina e pelo etanol por muito tempo.

Com informações da Infomoney