Sérgio Mamberti, ator e militante da cultura, morre aos 82 anos

Fora dos palcos e das telas, artista brilhou como articulador, ativista e gestor cultural

O ator Sérgio Mamberti – que se notabilizou tanto nos palcos da cultura quanto nos palcos da luta política e social – morreu na madrugada desta sexta-feira (3), aos 82 anos, de infecção nos pulmões. Após três internações ao longo do ano, ele voltou à UTI em agosto e estava intubado desde o último sábado (28) num hospital da rede Prevent Sênior, em São Paulo, onde teve falência múltipla de órgãos e veio a falecer.

Além de ator, Mamberti foi diretor, produtor e artista plástico. Participou de 36 filmes, 36 novelas, cerca de 80 peças de teatro (sendo 20 delas como produtor) e recebeu vários prêmios por seus trabalhos. Ficou conhecido nacionalmente ao interpretar João Semana, em As Pupilas do Senhor Reitor (1970), e ainda mais como o mordomo Eugênio, em Vale Tudo (1988). Na reta final da novela, era apontado nas ruas por ser um dos suspeitos de matar Odete Roitman, personagem de Beatriz Segall (1926-2018).

Porém, seu personagem mais popular foi, sem dúvida, Victor Astrobaldo Stradivarius Victorius 2º, o Doutor Victor da série infantil Castelo Rá-Tim-Bum (1994-1997), da TV Cultura. O bordão “raios e trovões” do tio de Nino (Cassio Scapin) é lembrado até hoje. “Digo que é minha obra-prima porque une educação, cultura e comunicação”, declarou Mamberti em entrevista recente. “Visitei tribos indígenas e os indiozinhos me chamavam de tio Victor quando me avistavam. Nas ruas, sou reconhecido por muita gente devido a este personagem.”

A morte de Mamberti foi lembrada por amigos e personalidades. “Hoje partiu Sergio Mamberti. Nosso Tio Vitor! Um homem, um artista que lutou pelo progresso e desenvolvimento da nação brasileira, com as armas que tinha, a cultura e a arte! Fará imensa falta a sua força! Nosso coração doido se despede com muita dor e uma grande salva de palmas!”, registrou o ator Cassio Scapin.

“Mais um gigante da cultura se foi, nosso queridíssimo Sérgio Mamberti”, lamentou, no Twitter, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Talento, generosidade e um amor imensurável à arte descrevem sua enorme contribuição à cultura brasileira. Sérgio Mamberti, presente!”

O líder do PT na Câmara Federal, deputado Bohn Gass, lembrou que o artista era filiado ao partido e se dedicava ao ativismo cultural: “Para dimensionar o tamanho desta perda, bastaria dizer que ele dedicou sete décadas de sua vida à democratização cultura. Mas Sérgio Mamberti era ainda mais: ele soube ser doce e corajoso. Um dos grandes do teatro, da TV. PT perde um de seus maiores nomes. Vá em paz, companheiro.”

Nascido em 22 de abril de 1939, na cidade de Santos (SP), Sergio Duarte Mamberti passou a infância com a família no litoral paulista. Lá, integrou um grupo de teatro com os amigos adolescentes. De uma despretensiosa apresentação de 20 minutos, saiu do palco certo de que havia encontrado sua vocação. Em 1961, formou-se pela Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo (USP) e logo iniciou sua carreira no teatro.

Sua primeira peça profissional foi Antígone América, com texto de Carlos Henrique Escobar e direção de Antônio Abujamra. Depois da estreia, ele se juntou ao elenco do Grupo Decisão. Com eles, encenou as peças O Inoportuno e Electra, ganhando projeção nacional definitiva em Navalha na Carne. Pela releitura de O Balcão, feita em 1968 em protesto velado aos desmandos da ditadura militar (1964-1985), venceu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo como ator coadjuvante.

Um de seus grandes sucessos foi Pérola, de Mauro Rasi, no qual contracenou com Vera Holtz por cinco anos, na década de 1990. No teatro, também realizou montagens como Réveillon, que lhe rendeu o Prêmio Molière de melhor ator em 1975, o clássico Hamlet (1984) e O Evangelho Segundo Jesus Cristo (2001). Em 2019, ao lado de Rodrigo Lombardi, a igualmente premiada Um Panorama Visto da Ponte. Sua última atuação no teatro foi em O Ovo de Ouro, ainda em 2019.

No cinema, seu primeiro filme, em 1966, foi a comédia Nudista à Força, de Victor Lima. Depois, esteve no elenco de filmes como O Bandido da Luz Vermelha (1968), Toda Nudez Será Castigada (1973), O Homem do Pau Brasil (1980), A Hora da Estrela (1985), A Dama do Cine Shangai (1987), Perfume de Gardênia (1992), Brava Gente Brasileira (2000), Xuxa Abracadabra (2003), O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili (2006), O Homem Que Desafiou o Diabo (2007), Aconteceu no Bixiga (2012), O Inventor de Sonhos (2013) e O Pastor e o Guerrilheiro (2021). Autodeclarado cinéfilo, dizia assistir, em média, a 400 filmes por ano.

Mamberti também reinou nas novelas. Além de As Pupilas do Senhor Reitor e Vale Tudo, atuou, entre outras, em Brilhante (1981), Anjo Mau (1998), O Profeta (2007), Flor do Caribe (2013) e Sol Nascente (2016). Foi figura onipresente na extinta TV Manchete, em novelas como Dona Beija (1986), Helena (1987), A História de Ana Raio e Zé Trovão (1990) e Pantanal (1990). Participou das séries A Diarista e Os Normais, ambas na Globo, e 3%, produzida pela Netflix.

Fora dos palcos e das telas, brilhou como articulador, ativista e gestor cultural. Em sua casa – um sobrado de três quartos no bairro da Bela Vista, em São Paulo, vizinho ao Teatro Ruth Escobar ­–, recebeu artistas vindos do Brasil e de fora que precisavam de abrigo. Entre seus hóspedes, estão os Novos Baianos, Asdrúbal Trouxe o Trombone e os atores da trupe nova-iorquina The Living Theatre, presos e expulsos do Brasil pela ditadura no início dos anos 1970.

“Minha casa acompanhou muito da história brasileira, da cultura”, dizia Mambert. Em 1968, quando terroristas do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram o Ruth Escobar e agrediram o elenco da peça Roda Viva, o sobrado acolheu os artistas feridos. “Aqui virou o hospital. Todo mundo que estava machucado veio para cá.”

O ator encampou projetos de revitalização e manutenção de espaços culturais, como o Teatro Vereda, ao lado de seu irmão Cláudio Mamberti (1940-2001). Na segunda metade da década de 1990, como responsável pela programação e direção artística do pequeno teatro do hotel Crowne Plaza, ajudou a popularizar esse berço de atores emergentes em São Paulo.

Nos governos Lula e Dilma Rousseff, presidiu três secretarias no Ministério da Cultura: Música e Artes Cênicas; Identidade e Diversidade Cultural; e Políticas Culturais. Também foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte). Sempre manteve relação próxima ao ex-presidente. Foi ele quem leu a carta escrita por Lula, que, preso injustamente, anunciava seu nome como candidato oficial do PT na eleição presidencial de 2018.

Em 2018, recorreu à popularidade do doutor Victor para pedir votos ao candidato a presidente Fernando Haddad (PT) em um vídeo ao lado dos atores Pascoal da Conceição (doutor Abobrinha) e Eduardo Silva (Bongô). Também protestou contra a prisão de Lula e participou do movimento Lula Livre.

Homenageado em 2012 no Festival de Cinema de Santos, Mamberti recebeu uma estrela na Calçada da Fama de um cinema da cidade. Na ocasião, bastante emocionado, afirmou que o tributo foi um presente inestimável e especial tanto por ser na cidade natal do artista quanto por ser no cinema que frequentou desde criança.

Em abril de 2021, lançou a autobiografia Sérgio Mamberti – Senhor do Meu Tempo, escrita com o jornalista Dirceu Alves Jr., na qual falou da carreira e da vida pessoal. Ele foi casado com Vivien Mahr de 1964 a 1980, ano em que a esposa morreu, aos 37 anos, por complicações respiratórias. Tiveram três filhos – o também ator Eduardo (Duda) Mamberti, o produtor Carlos Mamberti e o diretor Fabrício Mamberti. Depois disso, teve um companheiro por 37 anos, Ednaldo Torquato, com quem adotou Daniele, sua única filha. Torquato morreu em 2019.

Da Redação, com agências