Sob ameaça de apagões, governo Bolsonaro transfere R$ 33 bi às operadoras

Além de ignorar a estiagem, desgoverno gerou a crise hídrica para elevar tarifas, acusa ex-presidente da Agência Nacional de Águas (Ana). Apagões podem ocorrer já a partir de outubro

A situação dos reservatórios das hidrelétricas, que já é precária, deve se agravar ainda mais este mês, a ponto de o risco de apagões se tornar palpável já em outubro. Responsável direto pela junção de crises hídrica e energética, o desgoverno Bolsonaro é também acusado de leniência com as manobras realizadas por operadores privados do setor elétrico para forçar o aumento das tarifas.

“Fabricar a crise é o jeito de maximizar a renda dos agentes do setor elétrico. Maximizar a renda significa enfiar a mão nos nossos bolsos e transferir dinheiro para essas empresas”, afirmou Vicente Andreu, ex-diretor presidente da Agência Nacional de Águas (Ana), em entrevista à Rádio Brasil de Fato.

Na verdade, defende Andreu, “essa crise é uma crise de energia”. “Criam essa coisa de chamar de crise hídrica para dar a impressão de que é uma coisa fortuita, de momento, que ninguém esperava”, diz o estatístico, que já foi secretário nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.

“Essa crise é resultado de uma operação recorrente, que acontece todo ano, do setor elétrico e que foi agravada no governo Bolsonaro. Tem como finalidade esvaziar os reservatórios no período chuvoso para, quando chegar o período seco, tendo pouca água nos reservatórios, o preço da tarifa explodir”, explica Andreu, apontando que neste ano perderam o controle sobre a operação porque a seca é muito intensa.

“Todas as medidas que foram tomadas ou são resultado de falta de planejamento ou foram tomadas muito atrasadas. Inclusive, sem mobilizar a população, tentando esconder essa crise o máximo que eles conseguem”, prosseguiu Andreu, para quem “a única medida de fato que aconteceu no Brasil a partir de maio foi a explosão das tarifas, arrecadando dinheiro para o bolso do setor elétrico.”

“A falta de água nos reservatórios faz com que se criem as bandeiras tarifárias e agora criaram mais uma. Eu estimo mais ou menos R$ 33 bilhões que eles vão tirar da população brasileira, da sociedade brasileira, da economia para levar para esses agentes que operam no setor elétrico”, critica Andreu, presidente da Ana de 2010 a 2018.

“Como essas empresas estão todas verticalizadas ou são grupos econômicos, elas não perdem na ponta da geração. Ao contrário, o governo baixou uma Medida Provisória que permite a elas recuperar todo dinheiro que eventualmente estejam perdendo em 2021”, apontou. “Se a gente associa que não é problema de incompetência, que o problema é um ganho extraordinário desses agentes e muitos desses agentes apoiam o bolsonarismo, não dá para acreditar que tudo isso está acontecendo por acaso”, conclui.

Reservatórios

Na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, o superintendente de Fiscalização dos Serviços de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Gentil Nogueira, afirmou nesta quarta-feira (8) que a capacidade geral dos reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras, que hoje está em 28%, pode ficar abaixo do mínimo de 19% registrado na crise de 2014. Abaixo de 10%, as hidrelétricas são desligadas.

As projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já para este fim de semana apontam que o nível do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável por 70% da produção de energia do país, cairá de 20,37% para 15,2%. A queda também será registrada no Sul (de 26,22% para 22,6%), no Nordeste (48,15% para 40,1%) e no Norte (69,11% para 65,2%). Segundo a ONS, a previsão para setembro é de afluência (volume de água que chega aos reservatórios) abaixo da média no país.

O representante da Aneel ressaltou que o sistema ainda suporta a pressão porque a expansão das linhas de transmissão, ocorrida a partir de 2003, durante os governos de Lula e Dilma, permite agora que seja levada energia do Nordeste, com capacidade mais alta no momento, para o resto do país. A região concentra o maior volume de energia produzido a partir de geradores eólicos.

Presente na audiência, o representante do Coletivo Nacional dos Eletricitários, Ikaro Chaves, afirmou que o prêmio para quem reduzir o consumo em 10% beneficia apenas grandes consumidores. “Principalmente as famílias mais pobres, essas não vão ter como reduzir porque muitas vezes a pessoa tem uma geladeira, uma tevê e três ou quatro lâmpadas na casa. Então vão deixar de consumir o quê?”, questionou o dirigente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel).

Chaves criticou ainda a privatização da Eletrobras em plena crise energética. Segundo ele, é irracional vender por R$ 23 bilhões uma empresa que tem R$ 20 bilhões em caixa para investir. O deputado Leo de Brito (PT-AC) disse que pretende elaborar uma Proposta de Fiscalização e Controle para questionar a entrega da empresa pelo desgoverno Bolsonaro.

Para Andreu, não seria apenas uma privatização, mas uma desnacionalização. “É um passo a mais na perda da soberania em um setor estratégico para o país. Quem vai dizer, no futuro, como é que a coisa vai funcionar no Brasil são empresas fora no Brasil, que vão acabar comprando, como estão comprando, todo o setor elétrico brasileiro”, criticou, lembrando que a Eletrobras responde por 40% da geração hidráulica no Brasil.

“O que é mais grave do meu ponto de vista, é que as hidrelétricas determinam o fluxo dos grandes rios brasileiros. No passado (os agentes do setor) eram donos dos rios. Nós criamos na Ana — na crise de 2014, durante o governo de Dilma Rousseff — uma série de regras que impediam que o setor elétrico fosse o dono dos rios. Essas regras agora estão sendo todas quebradas pelo governo Bolsonaro”, lamentou.

O dirigente da Aesel concorda com a posição do ex-presidente da Ana. “Ter um certo déficit de energia é interessante para os setores econômicos, como o elétrico, para multinacionais do setor, de investimentos e um sistema financeiro que está cada dia mais forte no setor elétrico”, comentou em entrevista ao Brasil de Fato. “De certa forma, no Brasil, a política, tanto do governo Temer como de Bolsonaro, é de uma certa gestão da escassez”, finalizou o engenheiro.

Fonte: PT Nacional