CPI: VTCLog nega sobrepreço em contratos sem licitação com governo
Depoentes da VTCLog negam à CPI ilegalidades na relação com Ministério da Saúde, apesar de indícios de favorecimento por Roberto Dias, sobrepreço em aditivos e saques de motoboy.
Publicado 05/10/2021 20:42 | Editado 05/10/2021 21:07
A CPI da Pandemia vem investigando as suspeitas de irregularidades nos contratos entre o poder público e a VTCLog, empresa privada contratada pelo Ministério da Saúde para cuidar da logística da distribuição de vacinas contra a covid-19. Ao responder às questões dos senadores sobre essas suspeitas, os dois depoentes desta terça-feira (5), Raimundo Nonato Brasil, um dos sócios da VTCLog, e Andreia Lima, diretora-executiva dessa empresa, alegaram que a empresa agiu dentro da lei.
Boa parte das perguntas do relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), concentrou-se no crescimento exponencial dos valores dos contratos entre órgãos públicos e a VTCLog desde 2017 — sobretudo o contrato 59/2018, com o Ministério da Saúde, para distribuição de medicamentos e insumos, no valor de R$ 97 milhões anuais. Vários desses contratos foram firmados sem licitação ou sofreram aditivos milionários. O então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, teria aprovado um desses aditivos mesmo havendo parecer contrário de outro setor da pasta.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ressaltou que a expansão da VTCLog coincidiu com a gestão de Ricardo Barros à frente do Ministério da Saúde, durante o governo de Michel Temer. Atualmente, Ricardo Barros (PP-PR) é o líder do governo na Câmara dos Deputados. Quando era ministro da Saúde, Barros extinguiu o órgão responsável pela logística na pasta, a Central Nacional de Armazenamento e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi). Em seguida, a VTCLog foi contratada para cuidar da logística do ministério. No entanto, ambos os depoentes negaram qualquer relação entre Ricardo Barros e a VTCLog.
Em defesa da empresa, senadores que apoiam o governo observaram que a VTCLog já vinha prestando serviços ao governo federal desde gestões anteriores — histórico que confirmaria a prestação de serviços especializados no ramo ou seus contatos.
Inicialmente estava programado apenas o depoimento de Raimundo Nonato Brasil. Por sugestão do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), diante da alegação de Raimundo de que os contratos em discussão eram “muito complexos”, na segunda parte da audiência foi incluído o depoimento da diretora-executiva Andreia Lima, que já estava presente à reunião desde seu início.
Motoboy
Uma das evidências de atuação suspeita da VTCLog, segundo os senadores que apontam suspeitas de irregularidades, são vídeos que mostram Ivanildo Gonçalves da Silva, motoboy do grupo Voetur (à qual a VTCLog pertence) pagando em espécie boletos de Roberto Ferreira Dias em uma agência bancária de Brasília. O motoboy também fez saques em espécie de até R$ 400 mil. Em depoimento à CPI em setembro, Ivanildo revelou que ia “constantemente” ao Ministério da Saúde.
“O que nós queremos saber é o destino desse dinheiro, porque nós já temos todas as provas. Por que é que tinha que sacar em dinheiro todos os meses? Esses pagamentos ao Roberto Ferreira Dias eram em retribuição à participação dele no contrato?”, perguntou Renan Calheiros.
O relator chamou atenção para o faturamento anual da VTCLog, que seria incompatível com transações em espécie. Em outros estados, salientou Renan, a empresa paga suas contas por meio de transferências bancárias, e não em espécie, como fez em Brasília. Nonato não explicou em detalhes a destinação dos valores sacados e pagos, mas negou que sua empresa tenha pago propina a Dias:
“A nossa empresa é uma empresa familiar. A gente faz um cheque e vai ao banco para pagar. Nossa tesouraria não ficava guardando dinheiro. Isso aí foi para pagar as despesas da empresa, retiradas dos sócios. Acho que não tem nada de ilegal nisso”, declarou o sócio da VTCLog.
Voetur
Os senadores também buscaram esclarecer a complexa divisão do grupo Voetur em empresas com nomes semelhantes. Raimundo Nonato explicou que a atual VTCLog se chamava Voetur Cargas, e que o nome foi alterado para evitar confusão com a Voetur Turismo, agência de viagens do mesmo grupo. Segundo Andreia Lima, o grupo inclui ainda a VIP Service Locadora e a Voetur Eventos.
Andreia Lima foi questionada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) sobre seu vínculo empregatício. Ela admitiu que, embora seja diretora da VTCLog, assina “alguns atos” pela Voetur e que recebe salário por meio da Macrosoft, empresa que possui em conjunto com o marido. Diante da resposta, Alessandro disse que a relação é juridicamente inválida, com indícios de falsidade ideológica:
“Parecem viver no mundo da lua, onde tudo pode”, disse Alessandro.
Incineração
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), questionou Andreia Lima sobre os valores recebidos pela incineração de medicamentos e insumos, inclusive para o combate à pandemia, que perdem a validade no depósito da VTCLog. Andreia reconheceu que o valor é “elevado”, sem citar números. Informou que, por contrato, sua empresa comunica todos os meses ao governo o “estoque crítico” de produtos a vencer.
Omar Aziz afirmou que haverá uma apuração rigorosa desse “desperdício”:
“A VTCLog chuta, corre, faz o gol e volta para comemorar. Tem um contrato em que ela transporta, é fiel depositária, responsável por comunicar se o medicamento está vencendo e ainda, quando esse medicamento vence, incinerá-lo. Ela recebe por tudo isso! É dinheiro que está sendo queimado com produtos que podiam estar salvando vidas nos quase 6 mil municípios do Brasil, que está sendo queimado porque não é distribuído, ou é comprado em quantidade não necessária”, criticou o presidente da CPI.
Ultrafreezer
Raimundo Nonato declarou ainda que a VTCLog teve que lidar com aumentos de despesas — por exemplo, para comprar ultrafreezers para armazenamento das vacinas da Pfizer a 70 graus negativos e distribuir vacinas em mais de 400 caminhões.
“É muito complicado você lidar com a administração pública. Eles estão sempre demandando, demandando, demandando. Só para atender a demanda da Pfizer, tivemos que investir mais de R$ 30 milhões e até agora não recebemos pelo serviço”, disse Raimundo Nonato, negando-se a autorizar a CPI a realizar uma auditoria nas contas da empresa.
Histórico
Ao defender o governo Bolsonaro , o senador Marcos Rogério reafirmou o longo histórico de contratos com dispensa de licitação em governos anteriores ao atual, para criticar a atuação da CPI. Ele chegou a considerar o Senado hipócrita sob a presidência de Renan Calheiros ao realizar contratos com dispensa de licitação em 2013 para compra de passagens aéreas.
A CEO da VTCLog, Andreia Lima, por sua vez, informou desconhecer contrato entre a Voetur e o Senado sem licitação. Ela explicou que os preços praticados pela empresa eram na maioria das vezes decorrentes de contratações feitas sem antecedência, o que interferia nas tarifas cobradas pelas companhias aéreas.
Final com Bolsonaro
Pouco antes da audiência desta terça-feira, Renan Calheiros foi questionado por jornalistas se o presidente da República, Jair Bolsonaro, poderá ser indiciado ao fim dos trabalhos da CPI.
“Com certeza será. Não vamos falar grosso na investigação e miar no relatório”, respondeu Renan.
Renan Calheiros também informou que a CPI entregará relatórios separados à Procuradoria-Geral da República, ao Tribunal de Contas da União (TCU) e aos ministérios públicos do Distrito Federal e de estados.
Por sua vez, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) anunciou a divulgação de um relatório “independente”. Desde o início da CPI, ele vinha solicitando que fossem investigados os repasses federais a estados e municípios, sobretudo os relativos ao Consórcio Nordeste, que reúne governos estaduais dessa região.
“Vamos entregar um relatório independente para ser votado, com voto separado, para tentar de alguma forma deixar isso registrado na história do Senado Federal: as nossas impressões com base em fatos, e não em narrativas”, disse Girão.
Randolfe Rodrigues afirmou que os depoimentos desta terça-feira encerram as investigações do colegiado sobre corrupção, especialmente no Ministério da Saúde.
Da Agência Senado