No meio econômico, proposta de Lira para o ICMS é vista como efeito do isolamento de Bolsonaro

Paulo Kliass diz que mudança no imposto é “perfumaria” e não resolve o problema dos preços dos derivados de Petróleo. José Luís Oreiro considera demagógico o posicionamento do presidente da Câmara dos Deputados.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A proposta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos combustíveis irá agravar o problema de arrecadação dos já financeiramente combalidos estados brasileiros. “É completamente perfumaria. E não resolve em nada o problema do preço dos derivados de petróleo”, acredita o doutor em Economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal Paulo Kliass.

Ele explica que os preços dos combustíveis deram um grande salto a partir de 2016. “Na sequência do impeachment da presidenta Dilma, em um ambiente de ataque generalizado com críticas a Petrobras, dizia-se que a política de preços anterior era excesso de intervenção do Estado. O ministro Henrique Meirelles, no Governo Temer, decidiu, então, por um regime de definição de preços que é um crime contra a população, contra o país, ao atrelarem ao mercado internacional os preços dos combustíveis”, relembra.

Essa política faz com que, quando acontece alguma medida pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e movimentos especulativos nas commodities, haja elevação de preços no Brasil e a desvalorização cambial da moeda afeta também os preços. “Em consequência, o que se viu de lá para cá é uma curva de aumento dos preços”, afirma.  

Agravando o problema, o governo estimulou que a Petrobras reduzisse a sua capacidade de refino, de produção, privatizando algumas refinarias. Com isso, o Brasil passou a exportar óleo bruto e a importar produtos refinados. “É uma transferência de renda do país para o resto do mundo”, considera. No final da primeira década desse milênio, durante o Governo Lula, o Brasil já havia alcançado autonomia na produção de petróleo e quase a totalidade do que era consumido de combustíveis era produzido no país.

Arthur Lira

A mudança na política trouxe a crise dos caminhoneiros e pesou na estrutura de gastos das famílias e das empresas. Agora, na tentativa de remediar a alta dos preços, Lira propõe que o ICMS passe a ser calculado com base na média do preço dos combustíveis nos últimos dois anos em vez de pelos preços medidos nos postos na última quinzena em cada estado. Como os combustíveis vêm em uma escalada, a média dos preços mais recentes é, naturalmente, mais elevada.

Pandora Papers

Na opinião de Kliass, o presidente da Câmara apresentou a proposta para o ICMS por perceber o isolamento de Bolsonaro: “A convocação do Paulo Guedes para falar sobre a empresa no exterior, por 310 votos a favor, mostra que a base do governo explodiu. O Lira está percebendo que o governo está muito isolado e está tentando achar uma solução, mas o ICMS é uma parte do preço, não é o responsável pela elevação dos preços do petróleo ou pelas pessoas estarem cozinhando à lenha. É uma iniciativa que não resolve na essência e vai criar mais problema”.  

A solução, acredita, passa pela mudança na política de preços da Petrobras. “O Lira está pegando as finanças dos estados e apontando como sendo as verdadeiras vilãs dos preços do petróleo. Não é verdade. A primeira tendência de um liberal é cortar tributos, mas é um crime para a economia. Ele não pode jogar as finanças estaduais em uma situação pior do que já estão porque esse governo mantém atrelada a política de preços a eventos fora do país, quando o Brasil tem autonomia para extrair o que precisa consumir”, critica.  

Para Kliass, a votação para convocação de Guedes não deixa dúvidas sobr o isolamento de Guedes. “Houve apenas 140 contrários e apenas um partido que votou 100% contra, que foi o Novo, absolutamente ligado aos interesses do sistema financeiro. Acham que não é um problema: PSL, PP, Podemos, todos tiveram defecção, porque é uma questão que está pegando na sociedade, não só a ineficácia na condução da política econômica do Paulo Guedes, mas esse crime, revelado na Pandora. Imagino que vai aumentar a pressão para demissão do ministro”.

Negacionismo econômico

O professor da UnB José Luís Oreiro, que é fundador e coordena o Structuralist Development Macroeconomics Group (grupo de pesquisa no âmbito da Macroeconomia do Desenvolvimento Estruturalista) também considera a medida inócua. “É demagógico. Ele (Lira) na verdade comprou o discurso do Bolsonaro de que o preço dos combustíveis está elevado por culpa dos governadores. Isso é mentira, porque a alíquota do ICMS não se alterou nos estados. A alíquota é uma porção que incide sobre o preço de venda da Petrobras. Se o preço de venda da empresa aumenta, como é uma alíquota, significa que o valor do ICMS arrecadado vai aumentar. O próprio ex-ministro Henrique Meirelles já disse isso”, afirma. “É mais uma postura demagógica do presidente da Câmara dos Deputados, que está endossando o discurso negacionista no campo econômico do Paulo Guedes e do Bolsonaro, que vai prejudicar seriamente as finanças estaduais e que, no final das contas, será o governo federal a ter que compensar os estados de alguma maneira”, disse.

Oreiro também enfatiza que, economicamente, não faz sentido a proposta do presidente da Câmara. “Acho que seria muito mais razoável que se diminuísse o lucro da Petrobras. A empresa pode mudar a sua política de preços de forma a suavizar o repasse do preço do petróleo e do dólar para os combustíveis. Então, por que, usando a lógica do Lira não fazer o preço na refinaria ser a média dos últimos dois anos em vez de fazer a média do ICMS dos últimos dois anos?”, questiona.

Para o professor da UnB, como Guedes também está isolado no governo, Lira e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, devem assumir a condução política da economia. “A cabeça do ministro está assando, mas não cai: mais vale um Guedes pato manco vivo do que morto. Um ministro novo, ‘forte’ e ‘pró-mercado’ atrapalharia planos do centrão de dirigir o Orçamento para bancar a reeleição de deputados e Bolsonaro”, avalia Oreiro.