Vai faltar comida e Bolsonaro põe culpa na China, de novo

Bolsonaro diz que Brasil vai enfrentar problemas de abastecimento e reduz os motivos à crise energética na China para antecipar uma justificativa externa para a inflação.

A Fome Voltou. Lambe lambe em muro na Avenida Paulista, altura da rua Haddock Lobo. São Paulo, SP. 16 de abril de 2021. Foto: Roberto Parizotti.

Num momento de altas taxas de desemprego, inflação galopante e fome, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) traz mais uma má notícia. Ele afirmou, nesta quinta-feira (7), que o Brasil deve enfrentar “problemas de abastecimento” no ano que vem, tentando gerar algum clima de pânico. Para seus seguidores, ele deu a deixa para o engajamento nas redes ao culpar a crise energética na China.

“Eu vou avisar um ano antes, fertilizantes: por questão de crise energética, a China começa a produzir menos fertilizantes. Já aumentou de preço, vai aumentar mais e vai faltar. A cada cinco pratos de comida no mundo, um sai do Brasil. Vamos ter problemas de abastecimento ano que vem”, declarou Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto.

Ainda segundo Bolsonaro, diante do cenário, a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) está concluindo a elaboração de um plano emergencial de fertilizantes. No entanto, a questão é bem mais complexa do que tentar ajudar os únicos personagens que lucram com a explosão do dólar e da inflação dos alimentos.

Interlocutores no governo que acompanham o tema disseram à reportagem da Folha de S. Paulo que não consideram um cenário de desabastecimento, revelando o caráter tático da afirmação de Bolsonaro. A estratégia permanente do medo acionada pelo bolsonarismo sempre pode ser usada em algum momento contra os adversários. Mas o momento é de justificativa para a inflação galopante difícil de explicar para quem passa fome.

Mais tarde, durante sua live semanal, Bolsonaro voltou ao tema. “Como deve faltar fertilizante, por falta de oferta no mercado, ele [o produtor rural] vai plantar menos”, disse Bolsonaro. “Se vai plantar menos, vai colher menos. Menos oferta, a procura igual ou um pouquinho maior, [tem] aumento de preço. Isso é para o mundo todo”. A lógica que parece redonda ignora inúmeros outros fatores de responsabilidade do mandatário da República e seu Ministro da Economia.

No mesmo discurso no Planalto, Bolsonaro afirmou que conversou novamente com o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, sobre o preço dos combustíveis, sem definir claramente suas medidas. Ele também tratou da inflação como um problema que tem afetado outros países, citando o aumento dos preços dos combustíveis e do gás.

“Pedi agora uma pessoa nossa que trabalha nos Estados Unidos, no Itamaraty, ir nos mercados —bem como alguns embaixadores da Europa também— mostrar o que está acontecendo. Lá [no exterior], não é apenas inflação, está havendo desabastecimento”, disse, se aproveitando do desconhecimento de sua base militante sobre a dinâmica econômica internacional.

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