Bolsonaro está ferido, mas não é cachorro morto, por Guilherme Boulos

A derrota do ex-capitão é hoje a maior tendência. Mas prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém

Condução desastrosa da pandemia, com mais de 600 mil mortos. Desemprego alto, o Brasil de volta ao Mapa da Fome e milhares na fila do osso. Inflação descontrolada, com a gasolina a subir toda semana, o botijão de gás a mais de 100 reais e a explosão nos preços dos alimentos. Um país sem rumo nem perspectiva de melhora. Este cenário de horrores levou Bolsonaro aos piores índices de popularidade e longe da vitória em todos os cenários nas pesquisas eleitorais para 2022.

A derrota de Bolsonaro é hoje a maior tendência, principalmente após a retomada dos direitos políticos de Lula, grande favorito para a sucessão, com a interrupção dos arbítrios de Sergio Moro pelo Supremo. Mas prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Bolsonaro está ferido, mas não é cachorro morto. A esquerda e o campo democrático cometeram o erro de subestimá-lo uma vez e hoje ele está no Palácio do Planalto. Bolsonaro é um adversário perigoso e assim deve ser tratado.

Seu piso eleitoral dificilmente cairá abaixo de 20%, uma vez que conseguiu organizar uma base social e ideológica de grande coesão. Ele nunca desceu do palanque e o mesmo discurso extremista que afastou setores mais moderados uniu como nunca toda a sorte de armamentistas, intolerantes, racistas incomodados com o ganho de espaço social pelos negros, machistas, tipos que se queixam de não poderem mais fazer piadas sobre gays, enfim, deu voz ao caldo reacionário que sempre existiu na sociedade brasileira. Infelizmente, não são poucos com essas inclinações. Esse núcleo duro foi estimado por pesquisas como algo em torno de 12% a 15% do nosso eleitorado.

Bolsonaro, além disso, tem a caneta na mão, o que dá margem de manobra para crescer em outros setores sociais. Se, de fato, lançar o chamado Renda Brasil, espécie de Bolsa Família turbinado, é evidente que isso resultará em ganhos eleitorais entre o povo mais sofrido, justamente aqueles que padecem os efeitos da política econômica cruel de seu governo. Poderá recuperar parte do apoio perdido nas periferias urbanas e nos interiores mais pobres. É claro que isso depende de conseguir conter a devastadora inflação de alimentos e combustíveis que drena a renda popular. Se o aumento de preços seguir descontrolado, o Renda Brasil terá seus efeitos inevitavelmente mitigados. Sem contar o risco de apagão e racionamento de água pelo possível agravamento da crise hídrica no ano que vem, o que jogaria o governo na lona.

Estamos no campo das possibilidades e precisamos explorá-las. Neste sentido, outra carta na manga que Bolsonaro tem é vestir o figurino de moderação, que ensaiou na cartinha escrita por Temer após o 7 de Setembro. Vai contra sua natureza e é duvidoso até mesmo que consiga, mas, se fechar a boca e simular um ambiente de pacificação com as instituições, poderá neutralizar rejeições, minar de vez qualquer possibilidade de terceira via na direita liberal e obter a adesão de parte significativa do poder econômico em sua cruzada contra Lula. Reacender a onda antipetista é algo que certamente está no cálculo do establishment em 2022, seja para tentar a todo custo o surgimento de outra alternativa, seja para tapar de novo o nariz e apoiar Bolsonaro.

É evidente que o antipetismo não terá mais o mesmo efeito que teve em 2018, estimulado pela Lava Jato e pela prisão de Lula. Hoje, após três anos de catástrofe, o antibolsonarismo é o fenômeno mais forte na sociedade. Mas não se deve subestimar o papel do discurso dominante, repetido vezes a fio na mídia e nos canais de comunicação do submundo bolsonarista.

É preciso considerar ainda o cenário geopolítico do conflito hegemônico entre Estados Unidos e China. Os chineses têm empenhado esforços para ampliar sua presença na América Latina, com aquisições no setor elétrico e na área de infraestrutura. A disputa pelo modelo do 5G no mundo, hoje com primazia tecnológica chinesa, será o pano de fundo de grandes disputas internacionais. Se Bolsonaro der sinalizações e garantias para os norte-americanos, pode contar com o insuspeito apoio de Joe Biden, após ter sido fiel escudeiro de Trump.

Por fim, embora hoje muito improvável, não é totalmente descartado que Bolsonaro, diante de uma derrota iminente, busque um acordo “com o Supremo, com tudo”, para não sair candidato em troca de imunidade para si e seus filhos. Neste caso, abriria espaço para uma candidatura da direita, ou mesmo da extrema-direita, que não carregasse a sua rejeição.

Hoje, Lula é o grande favorito para presidir o Brasil a partir de 2023, o que nos tiraria do pântano em que Bolsonaro jogou o País. Mas celebrar a vitória antes do jogo nunca foi uma boa tática. O jogo precisará ser jogado e – não nos iludamos – será uma batalha dura, que terá golpes baixos de todo tipo e ainda com muitas incertezas. Eles não vão largar o osso com tanta facilidade.

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Fonte: CartaCapital

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