Eleições no Chile: candidato de extrema-direita é líder em pesquisas

Político do Partido Republicano – que abraçou o ultraconservadorismo e se alinha ao presidente Jair Bolsonaro – ultrapassou o deputado de esquerda Gabriel Boric

O candidato de extrema-direita José Antonio Kast está à frente das pesquisas para a Presidência do Chile, a três semanas do pleito de 21 de novembro. De acordo com sondagens recém-divulgadas, o político do Partido Republicano – que abraçou o ultraconservadorismo e se alinha ao presidente Jair Bolsonaro – ultrapassou o deputado de esquerda Gabriel Boric.

Kast passou a liderar pela primeira vez neste domingo (31) a pesquisa do instituto Pulso Ciudadano, crescendo quase seis pontos percentuais em duas semanas. Ele tem 22,2% das intenções de voto, contra 17,4% do jovem Boric, de 35 anos, contra quem deverá avançar para o segundo turno em 19 de dezembro.

Em terceiro lugar está é a senadora democrata cristã Yasna Provoste, com 9,5%, seguida do economista Franco Parisi, com 7,3%. Parisi ultrapassou o candidato governista de centro-direita, Sebastián Sichel, que tem 6,9%, cujas intenções de voto despencaram desde o início de outubro em meio a uma série de controvérsias.

A edição mais recente da pesquisa Plaza Pública Cadem, também divulgada neste domingo, mostra um cenário similar: o político da direita radical tem 23%, seguido de Boric, com 20%, e Provoste, com 12%. Nesta pesquisa, Sichel aparece com 7% dos votos, um pouco à frente de Parisi, com 6%.

Sichel, que é ex-ministro de Desenvolvimento Social do presidente Sebastián Piñera, perdeu nos últimos dias o endosso de ao menos cinco parlamentares de centro-direita, que anunciaram abertamente seu apoio a Kast. É mais um sinal da perda de força do grupo, que nunca se recuperou completamente após sua popularidade evaporar na rebarba de protestos sociais há dois anos.

A crise na coalizão de Piñera, a Chile Vamos, contudo, vem piorando. Há duas semanas, deputados da oposição abriram um processo de impeachment contra o presidente após o Ministério Público anunciar que o mandatário seria alvo de uma investigação sobre possíveis crimes de suborno.

A acusação diz respeito à venda de uma mineradora offshore para um amigo íntimo, após revelações feitas pela série de reportagens investigativas Pandora Papers. Sichel, um egresso da democracia cristã, por sua vez, também enfrenta problemas por conta própria, como denúncias sobre supostas irregularidades no financiamento de sua campanha para deputado em 2009.

Segundo turno polarizado

As pesquisas sugerem Boric venceria no segundo turno, mas os escândalos da direitista Chile Vamos vêm impulsionado o eleitor da direita tradicional para a retórica conservadora e draconiana de Kast. Seu Partido Republicano, por exemplo, foi um dos que se opuseram à substituição da Constituição legada pelo ex-ditador Augusto Pinochet (1973-1990). É provável que o segundo turno seja polarizado.

O político, que terminou as eleições de 2017 em quarto lugar, com apenas 8% dos votos, promete tirar Santiago do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Diz ainda que fechará o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), uma importante entidade pública independente criada para promover e proteger os direitos humanos no país.

Como lembrou o jornalista Daniel Matamala em sua coluna no jornal La Tercera, ele também almeja reverter a lei que legalizou o aborto no Chile, fazendo com que a interrupção voluntária da gravidez seja novamente um crime, como ocorreu entre 1989 e 2017. Quer, ainda, combater a imigração e a “ideologia de gênero”, além de minar os direitos da população LGBTQIAP+.

Já Gabriel Boric, da coalizão Frente Ampla, se tornou candidato após superar Daniel Jadue, do Partido Comunista, nas primárias da chapa de esquerda Aprovo Dignidade. A vitória foi expressiva: o deputado federal foi o mais votado nas 16 regiões do Chile, e ganhou em 27 dos 28 distritos eleitorais do país.

Se vencer a eleição, Boric será o mais jovem ocupante do Palácio de La Moneda. Ele conta com grande simpatia de setores da centro-esquerda tradicional e pode atrair eleitores habituais da antiga Concertação.

Nas outras duas vezes em que o Chile organizou primárias, em 2013 e 2017, o candidato mais votado — Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, respectivamente — elegeu-se presidente. A vantagem de Boric neste quesito é ampla: com expressivos 1.058.027 votos, ele se saiu muito melhor do que a direita, cujo candidato vencedor, o ex-banqueiro Sebastián Sichel, conseguiu apenas 659.570 votos, ficando atrás até de Jadue.

Boric harmoniza com certo espírito progressista e libertário que predomina na política do Chile hoje: é jovem, preocupado com causas feministas e ambientais, oriundo do movimento estudantil, fã de rock e torcedor fanático do Universidad Católica. Em vasta medida, o parlamentar barbudo, tatuado e de camisas xadrez pode ser considerado um primo mais velho dos jovens que ocuparam as ruas chilenas no final de 2019, nas maiores manifestações da História do país.

Ex-líder estudantil, ele iniciou sua militância enquanto fazia Direito na Universidade do Chile, em Santiago. Em 2009, como presidente do Centro Estudantil de Direito, liderou um movimento de ocupação da Reitoria da universidade que durou 44 dias.

Durante as mobilizações estudantis de 2011, Boric se tornou conhecido nacionalmente. Os protestos e greves daquele ano, os maiores até então desde o retorno do país à democracia em 1990, criticavam a mudanças no sistema educacional introduzidas no primeiro governo de Sebastián Piñera (2010-2014) e atraíram mais de 70% de apoio da população. Boric foi um dos principais porta-vozes da Confederação de Estudantes do Chile, principal órgão estudantil do país, sendo eleito, no fim do ano, seu presidente da Universidade do Chile.

O pulo para a carreira de deputado federal veio em 2013. No primeiro mandato, sua iniciativa mais notória foi um projeto de lei para diminuir em 40% o salário dos congressistas. A remuneração era então de 8,5 milhões de pesos chilenos (R$ 59 mil, em valores não atualizados), equivalente a mais de 40 vezes o salário mínimo. A proposta foi barrada no Congresso.

Em 2016, deixou a Esquerda Autônoma, alegando diferenças com a direção do movimento, e participou da criação da coalizão Frente Ampla, que agrupa movimentos e partidos de esquerda. A federação de partidos (que inclui o Convergência Social, sigla de Boric, fundada por ele em 2018) tem perfil jovem e abertamente de esquerda, buscando uma estrutura descentralizada.

Durante seu segundo mandato parlamentar, iniciado em 2018, irrompeu no Chile o chamado “estalo social”: as maiores manifestações da História do país, que puseram em xeque o modelo econômico liberal herdado da ditadura de Augusto Pinochet e a própria democracia representativa. Durante o Estado de Exceção anunciado pelo presidente Piñera em 19 de outubro de 2019, Boric foi visto discutindo com membros das Forças Armadas nos arredores da Praça Itália, epicentro das manifestações, apelidada pelos manifestantes de Praça Dignidade.

Com informações do O Globo