Passaporte da vacina reforça imunização, mas provoca a ética global

Fernando Aith e Marina Borba comentam a 16ª edição do Boletim Direitos na Pandemia, que analisa a importância da obrigatoriedade da vacinação individual.

O passaporte sanitário reforça a necessidade da vacina, mas gera exclusão e desigualdade.

O passaporte de imunidade e o turismo de vacina, medidas para o incentivo à vacinação, são temas tratados na 16ª edição do Boletim Direitos na Pandemia. Os pesquisadores acompanham a produção de normas referentes à covid-19 editadas desde o início da crise sanitária e discutem também pautas como ética e saúde global.

Fernando Aith – Foto: Reprodução/LinkedIn

Fernando Aith, do Centro de Direito em Saúde (Cepedisa), da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, afirma que alguns lugares ao redor do mundo começaram a exigir o comprovante de vacinação para a realização de certas atividades.

Países como os EUA ou aqueles do Oriente Médio têm dificuldade de ultrapassar uma certa taxa (cerca de 70% da população) de vacinação. Essa parcela da sociedade têm dificuldades de aceitar ou entender o alcance imunizatório das vacinas por preconceitos ou crenças pessoais. Com isso, passa a haver uma onda específica e violenta da pandemia entre essa população não vacinada, inclusive com surgimento de variantes do vírus que podem superar a tecnologia existente de vacina.

Para ele, chamar o documento de comprovação da vacinação de passaporte sanitário pode ser inapropriado e atrapalhar a aceitação das vacinas. A preocupação com o documento visa a garantir que práticas comuns do dia-a-dia, que envolvem aglomerações (como voôs, espetáculos, restaurantes ou ambientes de trabalho˜) tenham garantias de serem ocupados por pessoas imunizadas para impedir a circulação do vírus e uma recidiva da pandemia.

“Essa discussão está em andamento no Brasil e nesta semana fomos surpreendidos com uma portaria do Ministério do Trabalho, que tenta impedir que os empregadores exijam esse certificado para o retorno ao trabalho”, afirma, explicando que a medida vai na contramão do reforço da necessidade de vacinação universal.

Aith explica que a vacinação no Brasil é obrigatória e prevista por lei desde 1975. Após discussões, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu a diferença entre a vacinação compulsória e a obrigatória. No primeiro caso, fica definido que ninguém pode ser vacinado a força. No segundo caso, a pessoa que não se vacinar arca com as consequências dessa escolha, como ser impedido de frequentar ambientes coletivos.

Imagem: Reprodução/Direitos na Pandemia
Imagem: Reprodução/Direitos na Pandemia
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Imagem: Reprodução/Direitos na Pandemia
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Imagem: Reprodução/Direitos na Pandemia
Imagem: Reprodução/Direitos na Pandemia
Imagem: Reprodução/Direitos na Pandemia
Marina Borba – Foto: USP

Marina Borba, advogada, mestra e doutora em Bioética, pós-graduanda na FSP e pesquisadora do Cepedisa, pontua que o turismo da vacina surgiu por conta da desigualdade de distribuiç˜ão da vacinação ao redor do mundo. Essa possibilidade de pessoas em condições mais abastadas possam tomar a vacina em país ricos, foi defendida como um meio de ajudar seu país mais pobre. Isso é controverso por acabar justificando que esses países tenham uma vacinação precária ou mais lenta, como tem ocorrido na África.

Ela conta que a Organização Mundial da Saúde (OMS) defendeu a vacina contra a covid-19 como um bem público global para contemplar todos os países, e não apenas os mais ricos. 

Segundo Aith, essas desigualdades serão acentuadas conforme a vacinação for exigida para a entrada em determinados territórios. Grande parte da população africana (mais de 95%) não é vacinada, o que poderá ser usado como impedimento para acesso das populações de países mais pobres aos países desenvolvidos. “A vacina vai ser usada como desculpa para a manutenção dessa situação dos países mais periféricos de acesso a oportunidades melhores de vida”, diz.

Marina também ressalta que essas e outras questões impactam direta e indiretamente os países do chamado Norte global, mais ricos e fabricantes da vacina, mesmo que eles reforcem suas fronteiras. “Numa perspectiva da ética global, é importante que todos os esforços sejam empreendidos tanto para uma melhor sustentabilidade quanto para a saúde da população”, afirma. Ela lembrou que o próprio presidente Jair Bolsonaro foi barrado de certos ambientes, inclusive encontros internacionais, por não ser vacinado e incentivar que as pessoas não se vacinem.

A 16ª edição do Boletim Direitos na Pandemia pode ser acessada na íntegra neste link.

Edição de entrevista à Rádio USP

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