Mendonça teve 40% dos senadores contra sua indicação ao STF

Senado aprova indicação de André Mendonça ao STF com 47 votos a favor e 32 contra

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) realiza sabatina do ex-advogado-geral da União, indicado à vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), decorrente da aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Indicado para exercer o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Luiz de Almeida Mendonça, inicia sua fala assumindo que, apesar de ser “genuinamente evangélico” e ligado à Igreja Presbiteriana, assume o compromisso pelo Estado laico e pelo respeito à Constituição. De acordo com ele, laicidade é a neutralidade e a não concessão de privilégios a um determinado grupo pela condição religiosa. — Ainda que eu seja genuinamente evangélico, não vejo espaço para manifestação religiosa no STF. Na vida, a bíblia; no Supremo, a Constituição. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O plenário do Senado Federal aprovou, por 47 votos a 32, a indicação do ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União André Mendonça para a vaga do Supremo Tribunal Federal (STF) deixada pela aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.

Mais cedo, Mendonça foi sabatinado pelos integrantes da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Casa. Lá, a aprovação se deu com 18 votos a favor e outros 9 contra, um terço de rejeição.

A indicação ficou parada na CCJ por mais de quatro meses, o maior tempo registrado até hoje, revelando o caráter polêmico da indicação. O próprio presidente Jair Bolsonaro disse que sua indicação seria “terrivelmente evangélica”, sinalizando um caráter religioso ao cargo, contestado por entidades da sociedade civil e até setores religiosos.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), foi a primeira mulher a relatar uma indicação de ministro aos Supremo.  Antes da votação no plenário, Eliziane disse que nenhuma outra indicação foi carregada de tanta polêmica quanto de André Mendonça.

Segundo ela, viu-se o debate religioso assumindo o lugar do debate sobre a reputação ilibada e o notório saber jurídico do candidato. “Ninguém pode ser vetado por sua orientação religiosa”, disse ela, ignorando que indicações como a de Kássio Nunes, também evangélico, trouxeram um caráter reacionário ao judiciário, que rompe com sua tradição laica.

A cada questionamento, o candidato dizia o que seus interlocutores queriam ouvir, em contradição com outras posturas suas reveladas durante seu cargo no governo Bolsonaro, chegando a defender pautas LGBTQIA+, embora seja pastor presbiteriano. Ele também tergiversou sobre assuntos polêmicos, alegando que não poderia opinar por estarem sob julgamento do STF.

André Mendonça também teve que explicar sua posição religiosa, já que o presidente Bolsonaro o classificou como “terrivelmente evangélico”. Em seu parecer, a senadora Eliziane Gama disse considerar a sabatina um momento importante para afirmar princípios republicanos e também para superar, segundo ela, preconceitos, muitos deles, “artificiais e reforçados por falas enviesadas do próprio presidente da República”. Durante a sabatina, Mendonça defendeu o estado laico e disse que “na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”.

André Mendonça afirmou que, apesar de ser “genuinamente evangélico” e ligado à Igreja Presbiteriana, assume o compromisso pelo Estado laico e pelo respeito à Constituição. De acordo com ele, laicidade é a neutralidade e a não concessão de privilégios a um determinado grupo pela condição religiosa.

“Ainda que eu seja genuinamente evangélico, não vejo espaço para manifestação religiosa no STF. Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”.

Quando ocupou o cargo de ministro da Justiça, Mendonça recebeu críticas pela produção de um relatório, dentro do ministério, sobre a atuação de 579 professores e policiais identificados como antifascistas. Segundo Mendonça, o relatório não tinha cunho investigativo. Ele também foi criticado pelo uso da Lei da Segurança Nacional (LSN – Lei 7.170, de 1983) contra críticos do presidente Jair Bolsonaro. A LSN terminou sendo revogada pela Lei 14.197, de 2021.

André Luiz de Almeida Mendonça nasceu em Santos (SP), no dia 27 de dezembro de 1972. Formado pela Faculdade de Direito de Bauru (SP), tem também o título de doutor em Estado de Direito e Governança Global e mestre em Estratégias Anticorrupção e Políticas de Integridade pela Universidade de Salamanca, na Espanha. Pastor da Igreja Presbiteriana, ocupou os cargos de chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) e ministro da Justiça no governo Bolsonaro. Mendonça é casado e tem dois filhos.  

Em sua fala inicial durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça, nesta quarta (1º), André Mendonça destacou compromisso com o Estado democrático de direito e respeito à independência e harmonia entre os Poderes. Ele defendeu o Estado laico e afirmou que o Judiciário deve atuar como agente pacificador dos conflitos sociais.

Mendonça disse que se compromete com o Estado laico e afirmou que a laicidade “é neutralidade”. Ele também defendeu a independência entre os Poderes e afirmou que o Judiciário deve atuar como agente pacificador dos conflitos sociais. Assista ao vídeo.

Em resposta a Eduardo Girão (Podemos-CE) e Marcos Rogério (DEM-RO) sobre aborto e drogas, André Mendonça disse que não pode se manifestar sobre casos específicos, mas ressaltou que “como pensamento de vida, e não como aplicador do direito e da Constituição”, defende o direito à vida e que drogas fazem mal e destroem famílias. Ele ainda ressaltou a importância do investimento em políticas públicas e no combate ao tráfico.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) questionou Andre Mendonça sobre se, caso aprovado, agirá com independência em relação a líderes evangélicos que fazem campanha para que ele integre o STF, em pautas de interesse destes líderes.

“Tenho gratidão aos líderes e às igrejas evangélicas. Há milhares de pessoas orando por mim hoje. E eu pedi a eles que orem por cada senador. Sou grato às lideranças, mas isso não significa subserviência. Minha única subserviência é à Constituição “, afirmou Mendonça.

Para Alessandro Vieira, “é um erro grave e profundo de Bolsonaro” misturar temas religiosos com política e a ocupação de cargos de cúpula no poder público. Mas ainda assim votará a favor de Mendonça, porque “não é Bolsonaro o sabatinado, e o indicado preenche requisitos de notório saber jurídico e reputação ilibada”.

Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou um episódio de André Mendonça enquanto ministro da Justiça sobre a produção de um dossiê com o informações sobre 579 servidores públicos que integravam grupos antifascistas e contrários ao governo de Jair Bolsonaro. Ele também destacou que Mendonça disse existir um relatório de inteligência — e não um dossiê, que para ele era uma expressão inadequada e remetia a algo ilegal.

Sobre o uso da Lei de Segurança Nacional contra críticos do presidente Jair Bolsonaro, André Mendonça disse que não acionar a Polícia Federal para investigar seria “prevaricação”. Ele afirmou que jamais teve a intenção de perseguir ou intimidar pessoas contrárias ao governo. Mendonça era então ministro da Justiça e Segurança Pública. 

Os senadores Carlos Portinho (PL-RJ) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ) classificaram valores e princípios religiosos defendidos por André Mendonça como diferenciais do candidato ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os parlamentares optaram por não fazer perguntas ao indicado.

“Seus valores cristãos são os meus e os de grande parte da população brasileira. Esse valores são um mérito, que lhe guiarão nas suas decisões na busca da Justiça”, disse Portinho.

“Sou testemunha da sua lealdade não a pessoas, mas a princípios. Princípios judaico-cristãos. Ninguém aqui vai ser surpreendido quando o senhor estiver exercendo essa importante função no STF, porque todos sabem o “pacote” que traz consigo”, afirmou Bolsonaro.

Terrivelmente democrático

Ao questionar André Mendonça, Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que o Brasil precisa de um ministro “terrivelmente” democrático, ambientalista e comprometido com os direitos humanos, com o Estado democrático de direito e com o combate à corrupção. Ele também defendeu um ministro “terrivelmente comprometido” com a defesa das minorias e dos mais vulneráveis.

O senador criticou a postura de Mendonça e o classificou como “omisso” em iniciativas relacionadas aos temas, durante sua passagem pela AGU e pelo Ministério da Justiça.

Fabiano Contarato (Rede-ES) quis saber se André Mendonça, caso ocupasse cargo de ministro do STF, votaria favoravelmente ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Apesar de destacar que possui sua “concepção de fé específica” sobre o assunto, o indicado reiterou que respeitaria e defenderia o direito constitucional ao casamento civil das pessoas do mesmo sexo.

“Os direitos civis de Vossa Excelência são os mesmos que os meus. O direito da família do senhor ser constituída, dentro daquilo que o senhor acredita, é o mesmo que o meu. Esses direitos têm que ser respeitados”, disse Mendonça.

Contarato criticou Mendonça por ter atuado, como ministro da AGU e da Justiça, contra temas de defesa de minorias, como na decisão do STF equiparou a homofobia ao crime de racismo.

“E o senhor esteve na ação direta de inconstitucionalidade, sustentando no STF, contra a homofobia. Hoje o senhor aqui mudou de ideia. Afinal de contas, naquele contexto, o senhor fez uma argumentação pública contra, e hoje o senhor fala que seria favorável à equiparação da homofobia com o crime de racismo”, contrapôs Contarato.

Para Mendonça, a violência contra a comunidade LGBTQIA+ é inconcebível. Segundo ele, é acertada a decisão do STF que equiparou esses atos de intolerância ao crime de racismo.

Indagado pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) sobre críticas de que teria agido “mais como advogado do presidente do que da União” e se teria mandado investigar jornalistas por convicção ou por determinação superior, Mendonça reiterou que as investigações ocorreram dentro do que previa a Lei de Segurança Nacional e apontou que sua relação com o presidente Jair Bolsonaro sempre foi “republicana” e dentro da Constituição. O indicado reforçou que sabe da distinção entre “ser ministro do governo e ser ministro do STF”. 

Após o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) dizer que votaria contra o nome de André Mendonça, mas que ficaria durante toda a sessão para ouvi-lo, o indicado reafirmou que os senadores podem esperar dele “previsibilidade” com os compromissos assumidos durante a sabatina. 

Com informações da Agência Senado

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