Garimpo ilegal segue após prova de força, diz procuradora da República

Ana Carolina Haliuc alerta que é preciso não só combater o crime organizado na Amazônia, mas também propor alternativas sociais econômicas

Balsas do garimpo no rio Madeira (Foto: Bruno Kelly/Greenpeace)

O incidente no rio Madeira, com suas imagens de paredões de balsas atuando no garimpo ilegal de ouro, que correram o mundo na última semana, foi uma demonstração de poder, uma tomada formal de território, uma declaração de que a atividade não se dará mais às escondidas, como até então fazia, mas às claras, porque não haveria quem o pudesse desmobilizar.

Essa constatação é da procuradora da República e especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ana Carolina Haliuc Bragança.

Em um longo e analítico artigo, publicado no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com o título “Balsas no Rio Madeira: o que já de novo”, Ana Carolina diz que a Amazônia precisa, sim, combater a criminalidade organizada, mas também necessita de propostas de desenvolvimento que olhem para os potenciais da região, gerando bem-estar para as populações

Segundo a procuradora da República, rios como o Tapajós, Jutaí, o Uraricoera e o Mucajaí, e, mais recentemente, em grande intensidade, o rio Japurá e outros da bacia do Alto Rio Negro abrigaram e abrigam enorme quantidade de balsas ou dragas.

O próprio Madeira nunca deixou de ter alta movimentação de embarcações dedicadas ao garimpo ilegal de ouro, apesar de fiscalizações ocorridas em 2017, que resultaram na destruição das balsas apreendidas. Naquela ocasião, diz ela, garimpeiros queimaram as sedes do Ibama e do ICMBio no município de Humaitá, no Amazonas, em revide à ação repressora.

“A incapacidade do Estado de lidar com o problema do garimpo ilegal de ouro na Amazônia não é recente, portanto. Mas algo de especial houve nas imagens desta semana, que justificaram a atenção que lhes foi dada: não se tratava de mais uma grande concentração de balsas, apenas, mas de um recado que se estava a dar pela própria conformação espacial das embarcações”.

De acordo com Ana Carolina, a introdução do ouro ilegalmente extraído no mercado nacional revela a prática de fraudes documentais e crimes de lavagem de capitais.

“Garimpos são locais propícios para a exploração de mão de obra, sendo comum a presença de trabalhadores submetidos a condição análoga à de escravo”.

A exploração sexual de mulheres e meninas também pode ocorrer com frequência, abrindo espaço para delitos como o tráfico de pessoas.

Segundo ela, recentemente, vínculos entre a extração ilegal de ouro e o tráfico de drogas começaram a vir à tona, à medida em que facções criminosas se deram conta das facilidades de se lavar ouro no Brasil.

“A potencialidade de agregação de delitos em torno do garimpo é enorme e, embora nem toda extração ilegal de ouro implique a existência de todos esses crimes, minimamente o pacote “crime ambiental, crime contra o patrimônio e lavagem de capitais” se faz sempre presente”, afirma.

Combate ao crime organizado

Na opinião da procuradora da República, a extração ilegal de ouro deve ser tratada como de fato se apresenta juridicamente: como criminalidade organizada. E não se combate crime organizado sem inteligência, sem foco, sem preparo.

“Haja inocência, por exemplo, para acreditar que vinte mil garimpeiros sairão presos da Terra Indígena Yanomami: não há Estado policial que seja capaz de promover uma solução como essa”, ironiza.

Ao final do artigo, Ana Carolina Haliuc Bragança, certifica que todos os líderes que propiciam a existência do garimpo, que o fomentam, que o financiam, devem ser investigados e processados criminalmente. Identificá-los e colher provas suficientes e robustas para sua condenação deve ser prioridade das agências governamentais, sem prejuízo das necessárias ações repressoras imediatas.

Presença de Estado

“A Amazônia precisa de mais Estado: precisa de investigações mais eficientes e de equipes mais preparadas em todos os órgãos, para combater a criminalidade organizada e as ameaças ao Estado Democrático de Direito na região”, afirma.

Por outro lado, a região precisa também de mais Estado Social, de propostas de desenvolvimento que olhem para os potenciais da região e valorizem a sociobiodiversidade e gerem bem-estar para as populações.

“Falhando nas duas frentes, podemos esperar: esses paredões de balsas foram apenas os primeiros”, alerta a procuradora da República.

Fonte: BNC Amazonas