Citado nos Pandora Papers, Guedes foi poupado pelo Congresso

O ministro contou com a ajuda de aliados do governo dentro e fora do Congresso para adiar esclarecimentos até o esfriamento do caso

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ano de 2021 foi complicado para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele foi citado na investigação jornalística conhecida como Pandora Papers. que revelou a existência de uma offshore milionária em nome do ministro nas Ilhas Virgens Britânicas. O caso teve repercussão nacional. Guedes foi investigado e questionado por congressistas sobre a legalidade de seu dinheiro no exterior. O ministro contou com a ajuda de aliados do governo dentro e fora do Congresso para adiar esclarecimentos até o esfriamento do caso. Saiu ileso depois de dias com perguntas no ar.

A existência dessa offshore foi revelada na série do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, na sigla em inglês), a primeira reportagem denunciando a existência da empresa saiu em 3 de outubro de 2021.

O ministro é dono da empresa Dreadnoughts, criada em setembro de 2014. Foi declarada à Receita Federal. Segundo registros obtidos pelo Poder360, havia US$ 9,5 milhões (cerca de R$ 54 milhões) na empresa em agosto de 2015.

No Brasil, não é ilegal manter uma offshore, desde que ela seja declarada à Receita Federal. Guedes diz que tudo foi oficializado. Porém, como ele é responsável pela política econômica do país, o negócio resultou em questionamentos sobre possível conflito de interesses.

Depois de quase 2 meses, em 23 de novembro de 2021, Guedes afirmou, nas comissões de Trabalho e de Fiscalização Financeira da Câmara, que sua empresa no exterior é “absolutamente legal”. Falou que se aconselhou com advogados para evitar conflito de interesses. Mas deixou muitas perguntas sem resposta.

O ministro da Economia adotou uma estratégia que deu certo, atrasando ao máximo seu depoimento na Câmara. Está praticamente salvo do caso da offshore nas Ilhas Virgens Britânicas.

Nenhum congressista conseguiu fazer um discurso de maneira contundente sobre o caso. As perguntas foram feitas em sequência. Guedes respondeu tudo em bloco. Esse sistema permitiu ao ministro escolher o que desejava falar. Não foi admoestado com réplicas imediatas – o que certamente se daria se a audiência fosse no plenário da Câmara.

Guedes disse que abriu uma offshore para evitar pagar impostos sobre fortunas. Segundo ele, “todo seu trabalho de vida, ao invés de deixar para herdeiros, viraria imposto sobre herança” se não tivesse a conta em um paraíso fiscal. No Brasil, a alíquota desse imposto sobre heranças varia de 2% a 8% do total. Nos Estados Unidos, é na faixa de 40%.

O economista afirmou ainda que todas as informações da offshore foram enviadas anualmente às “instâncias pertinentes”. Negou-se a entregar os dados para os congressistas.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), disse que, apesar de ser legal, offshore, o caso Guedes trata-se de um “instrumento absolutamente imoral”. Para o problema principal, este é o conflito de interesses “óbvio”. A presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), questionou as contas do ministro publicamente. Outros políticos também criticaram.

O presidente Jair Bolsonaro evitou falar sobre o caso. Não fez nenhuma defesa pública enfática do seu “posto Ipiranga” relacionada ao tema.

Depois da participação de Guedes na comissão na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), disse que Guedes provavelmente não precisará explicar sua empresa no plenário da Casa. Cabia a Lira marcar a audiência para Guedes se explicar no plenário. O presidente da Câmara, porém, nunca o fez. Assim, o ministro ganhou tempo, e o caso esfriou.

Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira I Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O trabalho do Legislativo em 2021 já acabou. Dificilmente voltará ao debate em 2022.

Com a repercussão do caso, a Procuradoria Geral da República abriu uma investigação. Em 1º de dezembro, o órgão arquivou o processo. Justificativa: não ter encontrado indícios de conflito de interesse na conduta do ministro da Economia e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto –que também tinha contas no exterior.

No mesmo dia em que foi à comissão, a ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), arquivou um pedido de impeachment contra o ministro por deixar de comparecer a audiência na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, em junho.

Guedes ainda deixou as seguintes questões sem respostas:

  • investimentos – quem fez e como fez os investimentos da offshore de 2019 para cá?
  • atuação da família – qual foi a atuação da filha de Guedes, Paula, para instruir os gestores da empresa a fazer investimentos? Paula sabia o que estava sendo comprado e vendido de papéis no mercado?
  • conhecimento dos valores – Guedes disse não saber de detalhes dos investimentos. Mas afirmou que tem declarado anualmente o saldo da conta da offshore à Receita Federal. Como pode declarar se diz desconhecer os valores?
  • é blind trust ou não – o ministro disse várias vezes que a empresa atua como se fosse um “blind trust”. Mas se alguém de sua família, a filha e/ou mulher, sabem quando e quanto é investido, como pode ser um “fundo cego”?
  • relação de aplicações – o ministro ou alguém de sua família estaria disposto a dizer exatamente numa audiência da Câmara quais foram os investimentos da offshore de 2019 para cá?  A empresa que teria feito a gestão dos recursos poderia falar aos deputados a respeito do assunto?

Fonte: Poder 360