Rússia contesta boatos dos EUA sobre “invasão da Ucrânia”

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Porta-voz do Ministério do Exterior da Rússia, Maria Zakharova, denunciou comportamento dos EUA como "provocativo" l Foto: Sputnik

O ministério das Relações Exteriores da Rússia exortou Washington a por fim aos boatos sobre ‘planos de Moscou’ de invadir a Ucrânia, em reação a declarações da Casa Branca e da mídia norte-americana sobre uma suposta evacuação da Embaixada da Rússia em Kiev.

A porta-voz Maria Zakharova classificou tais alegações como “provocações” e assinalou que, embora os EUA não hajam abandonado oficialmente o diálogo com a Rússia, vêm recorrendo a esse tipo de elocubração para fugir da discussão real – a sobre as garantias legalmente vinculativas de que não haverá expansão da Otan ainda mais para leste, notadamente a anexação da Ucrânia.

Na segunda-feira, o jornal The New York Times publicou um artigo no qual, citando fontes ucranianas, apontava que a Rússia havia começado a desocupar sua embaixada em Kiev.

Mais tarde, a porta-voz da Casa Branca Jen Psaki mencionou em uma coletiva de imprensa que Washington tem informações sobre os planos de Moscou de evacuar as famílias de diplomatas russos na Ucrânia.

Falando ao canal Solovyov Live no YouTube, Zakharova observou  que “tudo isso pode ser descrito como comportamento provocativo”.

“Agora entendemos que tudo o que foi feito, ou seja, essas fontes [citadas] do Conselho de Segurança da Ucrânia, o jornal americano que não contata seus correspondentes em Moscou [para verificar a informação] e a Casa Branca são da mesma corda. O mais importante é que isso mostra seu envolvimento em todos os aspectos, incluindo a preparação de provocações”, acrescentou.

“Por escrito”

Zakharova acrescentou que, quanto às propostas de segurança apresentadas pela Rússia, esta segue à espera de “respostas escritas do lado norte-americano, que não sejam genéricas, mas ponto a ponto”.

É como assinalou em sua coletiva de final de ano o presidente Vladimir Putin, não somos nós que colocamos armas nas fronteiras dos Estados Unidos, mas eles que já estão na nossa porta com suas armas. “Não temos como recuar”.

O que levou a Rússia em dezembro a entregar suas propostas de dois acordos com os EUA e a OTAN sobre garantias de segurança, o que no essencial restabelece o primado do Tratado de Istambul de 1999 de que a segurança é “coletiva e indivisível”; impede a extensão da Otan ainda mais a leste e propõe a volta às fronteiras de deslocamento de forças e sistemas de armas vigentes em 1997, ano em que foi assinado o Protocolo Otan-Rússia; sugere medidas recíprocas de distanciamento de armas e quanto a manobras militares; e exige a não anexação pela Otan da Ucrânia e da Geórgia.

Trata-se de que – em violação ao compromisso assumido durante a reunificação alemã de que a Otan não se deslocaria um centímetro para leste – a aliança bélica encabeçada pelos EUA já procedeu a cinco ondas de expansão e, nas palavras de Putin, mísseis hipersônicos com armas nucleares instalados na Ucrânia levariam 4-5 minutos de tempo de voo até Moscou.

O que se torna mais grave dado que os EUA sob Trump deram fim ao Tratado INF (proibição de mísseis de curto alcance e intermediários), que preservou a paz na Europa por três décadas, e ao Tratado Open Skies, alicerces do sistema de segurança coletiva na região.

Propostas russas na mesa

Foram três as reuniões na semana passada em que as propostas russas estiveram sobre a mesa. A primeira, Rússia-EUA, aconteceu em Genebra, seguida pelo Conselho Rússia-Otan em Bruxelas e por uma reunião Rússia-OSCE (Organização pela Segurança e Cooperação Europeia) em Viena.

Na quarta-feira (19), em visita a Kiev, o próprio secretário de Estado, Anthony Blinken, voltou a acusar a Rússia de amontoar tropas na fronteira e poder invadir “a qualquer momento” a Ucrânia, insistindo em atiçar o conflito nas fronteiras russas.

Por sua vez o presidente norte-americano Joe Biden, em seu discurso de véspera do primeiro aniversário de posse, disse que os EUA poderiam “estudar” a segunda proposta russa de não posicionamento de armas na Ucrânia, e ameaçou Moscou com as maiores sanções já vistas em caso de ‘invasão’.

Pesquisa da Universidade Quinnipiac revelou que Biden conseguiu o feito de ser pior avaliado do que Trump em seu primeiro ano. A aprovação caiu para 33%. 54% disseram não confiar nele em política externa; 57% desaprovam a maneira com que Biden lida com a economia, e o desastre já se estende até ao combate à pandemia, em que é reprovado por 55%.

“Se os EUA estão genuinamente comprometidos em resolver o conflito na Ucrânia por meio da diplomacia, devem abandonar seus planos de fornecer mais armas a Kiev e se concentrar nas negociações”, disse a embaixada russa em Washington nesta quarta-feira. A CNN disse que os EUA autorizaram o fornecimento de US$ 200 milhões em armas a Kiev.

Há também centenas de “conselheiros militares” norte-americanos e britânicos já em solo ucraniano.

Contagem regressiva

No primeiro fórum da OSCE sobre segurança de 2022, o chefe da delegação russa a Viena, Konstantin Gavrilov, afirmou que “estamos ficando sem tempo. A contagem regressiva começou”, acrescentando que Moscou está convencida de que “com boa vontade e disposição para se comprometer em qualquer situação, é possível encontrar uma saída para soluções mutuamente aceitáveis”.

Konstantinov advertiu que “chega o momento da verdade quando o Ocidente aceita nossas propostas ou outras formas serão encontradas para salvaguardar a segurança da Rússia”.

É como disse o chanceler russo Sergei Lavrov: “estamos esperando e, como deixamos claro para os americanos, estamos esperando uma resposta adulta deles”.

O chefe da diplomacia russa lembrou que em 2009 a Rússia havia reivindicado a criação de garantias de segurança sob a forma de um compromisso político  juridicamente vinculativo e assinatura de um documento relevante mas teve como resposta que isso “não era da sua conta” e que tais garantias “são dadas apenas aos membros da Otan”.

Em última instância, é a prevalência da Carta da ONU, que deve valer para todos, sobre a da mal fadada “ordem mundial sob ordens”, a ordem unipolar sob domínio dos EUA, que está definhando a olhos vistos em todos os terrenos, da economia ao campo militar.

Segurança “coletiva e indivisível”

Foi também Lavrov que, em sua coletiva de imprensa de início do ano, na semana passada, deixou claro o que está em jogo na atual rodada de negociações Rússia-EUA.  Conforme a Carta da Segurança Europeia, assinada em Istambul em 1999, “é inaceitável minar a segurança indivisível europeia e reforçar a própria segurança à custa dos outros”.

“Tudo o que o Ocidente está declarando e fazendo é uma violação flagrante das obrigações que então assumiram”, reiterou o ministro russo das Relações Exteriores.

“A posição da Rússia apresentada aos norte-americanos e à Otan baseia-se apenas no equilíbrio de interesses. Esses documentos visam garantir a segurança na Europa como um todo e em cada país, incluindo a Federação Russa”, sublinhou Lavrov.

Já a posição dos Estados Unidos e seus aliados “é que eles querem assegurar o domínio na Europa e criar bases militares ao redor da Federação Russa e focos de tensão para nós ao longo de nossas fronteiras”, advertiu.

“Além disso, todos esses territórios estão sendo ativamente militarizados. Nossas propostas visam reduzir os confrontos militares e diminuir as tensões gerais na Europa, enquanto o Ocidente está fazendo o oposto”, acrescentou Lavrov.

“A OTAN está construindo suas tropas terrestres e aviação nos territórios diretamente adjacentes à Ucrânia. Os exercícios no Mar Negro cresceram em escala e frequência muitas vezes nos últimos tempos”.

O ministro russo explicou também que “não podemos aceitar algumas demandas relacionadas à operação das Forças Armadas em nosso próprio território”. Como lembrou Lavrov, “os estados membros da Otan, que estão exigindo que as tropas [russas] sejam enviadas para os quartéis, estão alegando simultaneamente que os movimentos de tropas no território da aliança não dizem respeito a ninguém, exceto a eles mesmos”. “O duplo padrão é óbvio”, enfatizou.

Protocolos e Minsk

Na segunda-feira, durante a visita da ministra das Relações Exteriores alemã, Analena Baerbock, a Moscou, o chanceler Lavrov disse que “só há esperança de que Berlim e Paris façam com que o sr. Zelensky [presidente da Ucrânia] cumpra o que prometeu várias vezes”, se referindo aos acordos de Minsk, pelos quais a Ucrânia deve conceder garantias constitucionais aos rebeldes do Donbass sobre autonomia, anistia e uso do idioma russo, negociando diretamente com eles o status final, o que será seguido por eleições e retorno do controle da fronteira.

Rússia, Alemanha e França são garantidores do acordo, alcançado via negociações no chamado Formato Normandia, que foi endossado pelo Conselho de Segurança da ONU. “Nossas abordagens são absolutamente fundamentadas. São claras e abertas”, disse Lavrov.

“Os Quatro da Normandia tiveram uma cúpula em Paris em 2019, onde as conversas difíceis terminaram com a formulação e aprovação por todos os participantes da cúpula de etapas específicas que o governo de Kiev, em primeiro lugar, deve tomar”, disse Lavrov. “Nada foi feito nesse sentido até agora.”

“Com base no texto dos acordos de Minsk, mostramos a necessidade de deter a sabotagem e começar a agir estritamente de acordo com a sequência selada neste documento”, explicou. “Tudo está claro lá e não pode haver interpretações duplas ou triplas”, acrescentou.

Golpe CIA-Neonazis

Na base dos conflitos na Ucrânia está o golpe de Estado CIA-neonazis-oligarcas, que derrubou um governo legítimo a um ano da realização das eleições, rasgou um acordo governo-oposição que levava a assinatura de Paris e Berlim, e desencadeou o culto ao colaboracionismo na II Guerra e promoveu a perseguição aos falantes de russo, chegando ao ponto de, em 2 de maio de 2014, queimar vivos meia centena de oposicionistas dentro do prédio da central sindical em Odessa.

Em reação ao regime neonazi, o Donbass se levantou e a Crimeia realizou um referendo que decidiu pela reunificação com a Rússia, como havia sido por três séculos.

A perseguição na Ucrânia aos oposicionistas e aos falantes de russo jamais parou desde então.  As pessoas que protestavam contra os neonazis no Donbass foram chamadas de “subumanos” – um termo próprio dos nazistas – pelo então primeiro-ministro, Arseny Yatsenyuk. Aliás, aquele que foi nomeado pelo telefone por Victoria Nuland, então subsecretária de Estado, e que chegou a estar pessoalmente na Praça Maidan, junto com o senador John McCain, para distribuir rosquinhas e notas de cem dólares.

Por sua vez o presidente ucraniano Zelensky – que se elegera prometendo a paz e respeito aos falantes russos e traiu -, recentemente tratou as pessoas do Donbass rebelado como “espécimens”, e disse que se eles se consideram russos, querem falar russo e promover a cultura russa, “devem pegar o caminho de volta para a Rússia”.

Limpeza étnica

Para Lavrov, tal conclamação para que os falantes de russo abandonem suas terras ancestrais é uma “ameaça direta”.

“E se [Zelensky] decidir seriamente usar as forças armadas ucranianas que se acumularam lá para expulsar os russos? Afinal, o Plano B está sendo discutido em Kiev”, disse Lavrov, que revelou que o ministro das Relações Exteriores de Kiev, Dmytro Kuleba, chegou até mesmo a consultar os croatas sobre a Operação Tempestade – a limpeza étnica de 200 mil sérvios da região da Krajina, onde viviam há séculos.

“Sugiro que, quando avaliarem quem está movendo tropas em seu território e para onde, nossos colegas ocidentais observem quais objetivos os radicais ucranianos, liderados por seu presidente, estão declarando, de fato, em relação aos russos e falantes de russo”. Segundo relatos da mídia, metade do exército de Kiev está na linha de contato atualmente – um número sem precedentes de tropas e armamentos.

Fonte: Hora do Povo