Ômicron nos mostra o preço do negacionismo

Desigualdade na distribuição de vacinas e fake news afetam resposta à Covid-19

Ilustração: PT

As UTIs estão novamente lotadas em muitas cidades do Brasil, dado o avanço da variante Ômicron. Situação que está estimulando o movimento anti-vacina, no Brasil e no mundo, a atacar a ciência, na tentativa de desmoralizar o esforço de vacinação da população. O que eles não mencionam é que levantamentos atuais nos EUA e na Europa têm demonstrado que 80% a 90% dos hospitalizados são não-vacinados ou que tomaram apenas uma dose, sem a vacinação completa. No Brasil, isso está também se demonstrando verdadeiro . Lamentavelmente, nos faz lembrar de Olavo de Carvalho, negacionista convicto, internado na semana passada com Covid-19 e conectado ao oxigênio. Mas vamos às informações relevantes que interessam a quem procura informação confiável e baseada em evidências.

Esta semana completamos um ano do início da vacinação contra o Covid-19 e chegamos a mais de 310 milhões de doses aplicadas. (https://souciencia.unifesp.br/destaques/ciencia-em-pauta/um-ano-de-vacinacao-contra-a-covid-e-de-celebracao-da-ciencia). O Brasil tem hoje cerca de 70% da população vacinada (com o esquema vacinal completo, que pode ser de uma ou duas doses, a depender da vacina). Apesar do atraso no início da vacinação e das milhares de vidas perdidas devido a isso, o Brasil rapidamente se organizou e ampliou a vacinação em pouco tempo. Estamos começando a atingir um número de vacinados que deverá conferir proteção à população, ainda mais agora frente ao avanço da variante Ômicron.

Esta é uma variante que, como já sabemos, pode ser 3 a 4 vezes mais contagiosa do que a anterior e pode se alastrar rapidamente, conforme vimos acontecer inicialmente na África do Sul, depois na Europa e nos Estados Unidos. Ela chegou ao Brasil há poucas semanas, porém, é difícil saber com precisão quando, devido à pouca testagem específica para a Ômicron, bem como ao “apagão” de dados que ocorreu nos sistemas do Ministério da Saúde em dezembro e que durou mais de um mês.

Será difícil agora acompanharmos quantos casos tivemos de fato neste período, já que os cálculos ficaram inviabilizados Análises feitas por estimativas com o retorno de parte dos dados, ou por meio dos conselhos de secretários de saúde, fóruns, bem dos consórcios de imprensa, dão conta de que a Ômicron está amplamente disseminada. Claramente, os relatórios de monitoramente mostram que a Covid-19 correu solta pelo país , e a Ômicron já representa a maioria dos casos.

Em uma parcela significativa de pessoas, a Ômicron parece causar uma doença aparentemente mais leve, o que fez com que alguns mais entusiasmados declarassem que estaríamos próximos do fim da pandemia, que o vírus estaria sendo atenuado pelas mutações e que em breve a pandemia seria endemia . Porém, de verdade, não é bem isso que está acontecendo no Brasil e no mundo. Aqui, corremos um sério risco com o número elevado de casos que já estamos verificando em pouco tempo.

O estrondoso aumento no número de casos e de hospitalizações no mundo, fez com que a OMS mudasse novamente o discurso ao dizer que a pandemia não pode ser considerada sob controle ou próxima do fim . O fato é que, ainda não sabemos o que irá acontecer depois da Ômicron e previsões neste sentido deveriam ser mais cautelosas.

O coronavírus nos ensinou muitas coisas desde 2020, e utilizamos todo o conhecimento da ciência em favor das soluções, mas também fomos surpreendidos. Por isso, o melhor a fazer neste momento, é nos adaptarmos à situação. Não adiantará refutar, minimizar os danos ou distorcer os dados, como tanto gostam os que negam a Ciência. Teremos que combater a Ômicron com a perseverança e com o conhecimento que adquirimos até aqui. Graças aos estudos e à busca do conhecimento constante, temos mais ferramentas hoje do que há 2 anos atrás. Além disso, a prevenção continua e deve ser reforçada com o uso de máscaras adequadas, fugir das aglomerações e isolamento dos casos positivos.

E a Ciência continuará trazendo soluções. Dados compilados pelo pediatra e infectologista Filipe Da Veiga mostram que 90% dos que tomaram dose de reforço, possuem proteção contra as hospitalizações. Entre os adultos não vacinados há uma chance 13x maior de hospitalizações em comparação com vacinados. Por isso, cuidados maiores devem ser dados às pessoas acima de 65 anos ou com menor imunidade, devem continuar. Não custa repetir: não adiantará refutar a situação, minimizar os danos ou distorcer os dados, como tanto gostam os anti-ciência.

Temos ainda cerca de 30% da população brasileira que ainda não está completamente vacinada. Conforme mostrou levantamento do SoU_Ciência, somente 5,5% da população declarou que não pretende se vacinar em hipótese alguma . E somente 9 % da população confia nas informações que o Presidente Bolsonaro fornece sobre vacinas.

Entre os 25% ainda não totalmente vacinados temos algumas questões como as dimensões continentais do país, com locais onde as vacinas não chegam tão facilmente. Há Estados onde a vacinação está ainda abaixo de 50%. Mas, o pior de tudo, é a falta de diretrizes claras e unificadas por parte do Ministério da Saúde, já que o Programa Nacional de Imunização (PNI) encontra-se há meses sem comando. Com o PNI e o SUS em pleno vapor, poderíamos esperar campanhas maciças de informação, calendários bem definidos nos mais de 5 mil municípios, estruturas de testagem e, principalmente, de notificação.

Como se não bastasse, temos também que investigar e combater a contrainformação que vem de todos os lados, inclusive com ameaças aos cientistas e médicos, por meio de mídias sociais e outros mecanismos pouco transparentes. Tudo isso atrasa a vacinação, a exemplo do que ocorreu recentemente com a vacinação infantil.

A vacinação no Brasil trouxe dados inequívocos de que que produziu a diminuição no número de casos graves e de óbitos pela covid-19. Frente à Ômicron e com a dose de reforço, será uma das barreiras mais importantes para evitar a hospitalização e a doença grave. Junto com as máscaras, será a única forma de evitarmos o prolongamento da dor e do sofrimento da doença. Na ausência de política pública clara de saúde, nos apoiaremos nas evidências científicas e faremos a nossa parte. Contra os antivacina e todos os disseminadores de informações falaciosas, vamos seguir a Ciência! Ela nos trouxe respostas até aqui e ela nos ajudará a chegar em algum momento futuro onde tanto queremos: ao fim da pandemia.

Publicado originalmente no blog Sou Ciência