Proteína da variante ômicron dificulta reconhecimento imunológico

Alterações celulares do vírus se somam à densidade geográfica e comportamento da população, explicando recente alta no número de casos

A ômicron é a única variante que pode ser transmitida antes mesmo dos primeiros sintomas da doença – Foto: Pixabay
Rodrigo Stabeli – Foto: LinkedIn

Após um período de queda no número de casos da covid-19, o Brasil viu as infecções voltarem a subir com a chegada da nova variante ômicron, atingindo uma média de 260 mil infectados diariamente no fim do mês de janeiro.

Esse cenário, segundo o pesquisador titular da Fiocruz e líder da Vigilância Genômica de Vírus Respiratórios para as Américas pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), Rodrigo Stabeli, é potencializado pelo comportamento da população e a alta densidade demográfica. Mas o pesquisador leva em conta ainda a própria característica da variante ômicron, que é considerada a mais transmissível.

Segundo ele, a evolução do vírus levou a uma seleção natural em que a cepa ômicron é dez vezes mais transmissível que a original, inclusive pela perda do medo da população em se proteger do contágio. “Esse alto índice da taxa de transmissão pode implicar num futuro próximo no risco de desabastecimento de cuidados intensivos e de enfermaria nos hospitais, uma vez que as exceções necessitam de internação, o que estressa o sistema de saúde”, diz o representante da Fiocruz.

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Benedito Antônio Lopes da Fonseca – Foto: FMRP-USP

Também em entrevista, o professor Benedito Antônio Lopes da Fonseca, virologista do Hospital das Clínicas (HC-FMRP) e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, explicou que a ômicron é a única variante que pode ser transmitida antes mesmo dos primeiros sintomas da doença. 

A nova variante “mudou a proteína de superfície, de uma maneira em que a especificidade da proteína, da variante e do receptor dela na célula ficaram mais intensos”, conta Fonseca, adiantando que esse resultado acaba oferecendo uma maior transmissibilidade ao vírus.

A nova variante também dificulta o trabalho de reconhecimento do sistema imunológico e com sua capacidade de evadir o sistema imune. Ela não é controlada pelas nossas defesas do organismo como se fazia com as outras, porque ela também mudou as proteínas de superfície. “Por isso, os anticorpos que a reconheciam não necessariamente a reconhecem da melhor maneira agora, assim, essa contenção da infecção não é tão boa quanto era com as outras”.

O professor explica que o sucesso de uma variante está nestes fatores de boa transmissibilidade e capacidade de evadir o sistema imune, elementos presentes na ômicron. Por outro lado, as pessoas vacinadas, mesmo não tendo a melhor resposta à variante, conseguem de alguma maneira evitar a infecção.

Segundo Fonseca, ainda é incerto dizer que a ômicron não é tão agressiva quanto as outras variantes. Avalia que o número de casos graves da doença caiu em função da vacinação. No Brasil, cerca de 70% da população já recebeu as duas doses e 46 milhões tomaram a dose de reforço ou terceira dose.

Dados de internação revelam que 90% dos casos graves são de pessoas não vacinadas. O professor afirma que a maioria das internações por casos graves da covid-19 está relacionada a pessoas que não possuíam o ciclo de vacinação completo. Alerta também para os idosos, que possuem uma resposta imunológica mais lenta e enfraquecida, e ressalta para a importância da terceira dose de reforço.

Continuar prevenindo

“A população arrefeceu às medidas de proteção e segurança em relação à transmissão da covid-19”, afirma o pesquisador Stabeli, que credita o fato ao longo período pandêmico e à falta de políticas econômicas para bem-estar social. Devido a isso, se instaurou um política pública de relativizar a importância da doença, o que levou ao fracasso do país no controle do agravamento da pandemia.

Stabeli também aponta a alta densidade demográfica do País, citando dados do Ministério da Saúde, que estimam para Ribeirão Preto “70 mil pessoas infectadas por milhão de habitantes até o dia 10 de fevereiro”. É um retrato muito triste de uma doença prevenível pela vacinação tendo muitos infectados provavelmente porque deixou de fazer o portfolio completo de imunização.

Edição de entrevista à Rádio USP Ribeirão Preto

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