Da Empoli: pandemia revelou o “desastre absoluto” de Trump e Bolsonaro
“Uma vez que esses líderes baseiam sua popularidade em uma rejeição ao establishment, é mais difícil manter sua popularidade quando estão no poder”, explica o pensador
Publicado 07/02/2022 14:15 | Editado 07/02/2022 15:28
O cientista político franco-italiano Giuliano Da Empoli, autor de Os Engenheiros do Caos, prevê a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de outubro de 2022. Segundo Da Empoli, o presidente brasileiro não será reeleito porque – a exemplo do que ocorreu com Donald Trump nos Estados Unidos – a pandemia de Covid-19 neutralizou o discurso anti-establishment. No poder, Bolsonaro e Trump foram desmascarados diante da crise sanitária.
“Uma vez que esses líderes baseiam sua popularidade em uma rejeição ao establishment, é mais difícil manter sua popularidade quando estão no poder”, explica o pensador em entrevista ao jornal O Globo. “Para superar esse problema, alguns deles, incluindo Trump e Bolsonaro, tentaram manter a chama acesa, adotando um estilo subversivo de governo, focando em inimigos como o Deep State (estrutura global de poder que seria responsável pelas decisões econômicas, segundo a teoria conspiratória QAnon) ou o Poder Judiciário.”
Houve, no entanto, uma saturação. “Por um tempo, essa estratégia foi bem-sucedida, mas a Covid-19 pôs um fim nisso. Quando a pandemia surgiu, o instinto subversivo de Trump e Bolsonaro os pressionou a lutar contra o establishment médico e científico – e o desastre absoluto que se seguiu foi demais até mesmo para muitos de seus apoiadores”, afirma Da Empoli. “Pode ser difícil para Bolsonaro fazer uma retomada até outubro.”
Embora a “lógica da estratégia anti-establishment” tenha chegado “ao seu limite”, a superação da extrema-direita não está 100% garantida. Exemplo disso, na visão de Da Empoli, é a história recente da Itália. “Tivemos alguém como (o ex-primeiro-ministro Silvio) Berlusconi, que foi capaz de perder duas eleições nacionais e voltar tantas vezes. “Mesmo que ele tenha sido o líder que passou mais tempo no poder entre meados dos anos 1990 e o início dos anos 2010, conseguiu transmitir a impressão de que estava lutando contra o establishment e a ‘velha classe política’.”
Vitoriosos ou vencidos, esses governantes ultradireitistas deixarão uma marca perversa. “Infelizmente, a degradação das normas para o discurso e debate público será um dos legados mais duradouros desses líderes. Os jovens de hoje estão sendo introduzidos na política em um clima de abuso verbal e polarização que teria sido impensável há apenas dez anos”, avalia o cientista político.
De acordo com ele, “os apoiadores radicais têm um papel fundamental na estratégia desses líderes. Eles produzem o buzz constante, os memes, especialmente online, que alimentam sua ascensão”. É uma nova modalidade de comunicação política. “Em vez de tentar obter uma maioria, entregando mensagens moderadas sobre as quais a maioria das pessoas poderia concordar, líderes como Trump e Bolsonaro inflamam grupos extremos e tentam empilhá-los de modo que atinjam um número crítico para formar uma parcela majoritária.”
Por trás dessa fidelização de seguidores está uma “máquina” de propaganda política baseada no discurso de ódio, nas fake news e nas teorias conspiratórias. “A propaganda política online está ficando cada vez mais sofisticada e extrai o máximo não só do progresso tecnológico como do campo das ciências cognitivas. É claro que a política sempre foi baseada na exploração de emoções como ódio e medo – mas esta é a primeira vez que ela pode ser feita cirurgicamente, atingindo as pessoas uma a uma e enviando precisamente a mensagem certa que ressoará entre elas.”
Esse modelo permite que tais líderes atraiam segmentos opostos no debate público. “Durante a campanha do Brexit, a equipe responsável pela saída do Reino Unido da União Europeia foi capaz de dizer aos amantes dos animais que a União Europeia não protege animais o suficiente e aos caçadores que os protege demais. Você não poderia fazer isso no passado”, compara Da Empoli.