Bolsonaro traz a fome de volta ao Brasil, por Vanessa Grazziotin

“O país, que havia saído do mapa da fome em 2014, teve um grande retrocesso nos últimos anos, resultado das crises econômicas, do desemprego e do desmonte das políticas públicas”

São Paulo prepara estrutura de acolhimento de pessoas em situação de rua, que enfrentam frio extremo e fome em plena pandemia de covid-19. Fotos GovSP

O Brasil é um país cheio de contradições. Mas uma delas mostra bem o estágio em que nos encontramos: a produção do campo brasileiro é imensa, mas boa parte da população vive sem acesso suficiente aos alimentos, a chamada insegurança alimentar, que abrange desde a má qualidade da alimentação, passando pela instabilidade no acesso aos alimentos e o estágio pior, a fome.

Nos últimos anos, essa palavra, fome, voltou a fazer parte dia a dia dos brasileiros. Além dos números, nos chocam as cenas nas ruas, nos centros das grandes cidades, nas periferias, com pessoas à procura de restos, sobras, carcaças, farelos, lixo; nas filas dos açougues para comprar osso a quilo quando até algum tempo, era descartado ou doado.

Um estudo da Universidade Livre de Berlim, publicado em abril do ano passado, mostra que o percentual de insegurança alimentar no Brasil é de 59,4%; e no campo, é ainda mais séria. Nas áreas rurais, 38% dos domicílios estavam em situação de insegurança alimentar leve (marcada pela incerteza no acesso aos alimentos e qualidade inadequada da alimentação) ao fim de 2020; 19,9% passavam por insegurança moderada (quando há redução na quantidade de alimentos disponíveis para os adultos) e 27,3% enfrentavam insegurança alimentar grave.

A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), formada por pesquisadores, estudantes e profissionais de diversas áreas, divulgou em dezembro de 2020, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (VIGISAN) no Brasil. Os números impressionam: mais de 116 milhões de pessoas conviviam com algum grau de insegurança alimentar, dos quais 43,3 milhões não tinham alimentos suficientes e 19 milhões passavam fome.

O país, que havia saído do mapa da fome em 2014, teve um grande retrocesso nos últimos anos, resultado das crises econômicas, do desemprego e do desmonte das políticas públicas.

Mas a contradição que salta aos olhos e nos faz refletir: o Brasil é um país com grande capacidade agrícola, que poderia ser autossuficiente na produção de alimentos. No entanto, as políticas governamentais só favorecem os latifundiários, os ricos, os grandes fazendeiros, os que detém a terra e os meios de produção que acabam plantando só o que dá mais dinheiro, mais lucro, como é o caso da soja, muito valorizada no mercado internacional e comprada com dólar. A política cambial desse governo favorece a exportação de soja e desvaloriza a produção de alimentos para o sustento dos brasileiros.

Mudar essa realidade é uma tarefa urgente. E para isso, precisamos tirar esse (des) governo do Planalto. Um governo comprometido com os brasileiros e com o desenvolvimento do país, priorizando o bem-estar dos brasileiros, com emprego e políticas públicas que garantam comida na mesa; precisa melhorar o câmbio, equilibrando a necessidade de exportações com as necessidades do mercado interno, possibilitando que a produção agrícola seja diversificada, de modo a incrementar a balança comercial brasileira e também garantir que os produtores de alimentos de subsistência, a agricultura familiar e orgânica possa se desenvolver.

E no que concerne à agricultura brasileira, é urgente rever a política dos pesticidas, que está levando veneno para a mesa daqueles brasileiros que ainda conseguem comprar comida.

Autor