Como a América Latina reage à guerra na Ucrânia

Enquanto uma maioria se alinha ao Ocidente no repúdio à Rússia, Venezuela, Cuba e Nicarágua defenderam a legitimidade da defesa russa. Crise econômica pesa sobre posicionamentos.

Vladimir Putin em encontro com Daniel Ortega e Rosario Murillo no aeroporto de Manágua, em 2014. Foto: Divulgação/Presidência da Nicarágua

O pontapé inicial na fase armada das tensões entre Ucrânia e Rússia teve reações em cadeia por parte de presidentes e lideranças latino-americanas. No geral, a maioria dos países da região seguiu a tendência ocidental e rechaçou o uso da força, clamando pela paz e sugerindo a baixa das armas e a transposição do conflito para uma rodada de negociações – embora nem todos tenham ido pelo mesmo caminho ao apontar um principal culpado pela escalada das hostilidades.

Colômbia, Argentina e Chile pediram nesta quinta-feira a retirada rápida das tropas russas da Ucrânia. Alguns países latino-americanos foram menos contundentes em suas críticas. Foi o caso do México e Peru.

Pesa sobre o caso a crise causada pela pandemia desde 2020; para os países latinos, que têm lidado com um declínio de índices socioeconômicos nos últimos dois anos, novos impasses globais não são bem-vindos. Na economia, o temor mais imediato na região, após uma escalada dos preços do petróleo Brent, é a possibilidade de um agravamento da inflação com o aumento dos custos ao longo da cadeia produtiva.

Quanto à guerra em si, os posicionamentos vieram dos respectivos presidentes ou por meio de notas oficiais publicadas pelos Ministérios de Relações Exteriores. Mas não foram necessariamente uníssonos: se nos casos de Paraguai, Uruguai e Costa Rica, por exemplo, as mensagens mencionavam “violência” ou “ataques” contra os ucranianos, Bolívia e Honduras, mesmo contrárias à escalada de Putin, optaram por um tom mais neutro diante do conflito. 

A principal dúvida, porém, pairava sobre os países abertamente aliados a Moscou. Venezuela e Nicarágua passaram os últimos dias defendendo a causa russa na disputa, mas demoraram a se pronunciar de forma oficial após a invasão efetivamente começar na madrugada europeia de quinta-feira (24).

Daniel Ortega disse na segunda, dias antes do avanço das tropas, que o envio militar russo para a região de fronteira era justificável à medida que era uma “garantia de segurança” para as regiões separatistas – cuja declaração unilateral de independência foi reconhecida por Putin na antessala do ataque. O líder sandinista também culpou a União Europeia e os EUA, a quem acusou de estar “ameaçando a Rússia desde 2014”, no contexto da anexação da Crimeia

No caso venezuelano, o presidente Nicolás Maduro só divulgou um comunicado no final da quinta-feira, lamentando o agravamento da crise na Ucrânia, mas reiterando seu apoio à visão de Moscou, que aponta para Washington como a dona da maior parcela de culpa: “a República Bolivariana da Venezuela […] lamenta […] a quebra dos Acordos de Minsk por parte da OTAN, com apoio dos Estados Unidos da América”. 

Em sua última fala antes da invasão, Maduro afirmou que “a Venezuela está com Putin”. O número dois do governo, Diosdado Cabello, também deu duras declarações a favor da Rússia após a invasão. No mais, além das relações comerciais entre os dois países, em especial no setor energético, há um mútuo interesse em matéria de segurança: Moscou vê Caracas como um importante ponto estratégico militar na América do Sul, enquanto a potência respalda o governo caribenho em sua oposição aos EUA. 

Cuba também entrou no debate. De forma menos contundente e pedindo a manutenção da paz internacional, Havana fez críticas às pretensões da OTAN na região do conflito, acusando nações ocidentais de promover “propaganda contra a Rússia” e de aplicar “sanções injustas” (veneno do qual os próprio cubanos são forçados a beber há 60 anos).

À margem dos acontecimentos, outro fato corrobora para o posicionamento cubano: na quarta, horas antes do ataque à Ucrânia, o presidente Miguel Díaz-Canel se reuniu na capital insular com Vyacheslav Volodin, presidente da Duma (a câmara baixa do legislativo russo). O encontro veio dias após Moscou decidir adiar até 2027 os prazos de pagamento da dívida que Cuba tem com os cofres russos. De Havana, Volodin seguiu para Manágua, onde tinha encontro marcado com Ortega, assinalando que as relações russo-nicaraguenses também não foram abaladas pela escalada bélica.

O Presidente da República de Cuba Diaz Canel reuniu-se com o Viacheslav Volodin, Presidente da Duma da Assembleia Federal da Russia

Fora dos gabinetes, a largada do conflito armado também teve seus efeitos práticos. Até este sábado (26), Uruguai Equador já haviam anunciado planos para repatriar em segurança seus cidadãos vivendo em zonas ameaçadas, enquanto o Brasil – que passou as últimas semanas minimizando os riscos e enviou até o presidente Jair Bolsonaro para se reunir com Putin às vésperas da invasão – admitia não ter qualquer plano de retirada de compatriotas que vivem na Ucrânia e agora estão em risco.

Os últimos acontecimentos também levaram a uma alta histórica de produtos como trigo e petróleo, o que deve impactar negativamente a vida de consumidores latino-americanos. Em países que já vêm com um longo histórico de crise financeira, como a Argentina, analistas apontam que o enfrentamento no Leste Europeu deve atrasar a retomada econômica. Mesmo a própria Nicarágua, que toma partido no caso, tem muito a perder com os efeitos colaterais no mercado mundial, principalmente por conviver com um dos preços de gasolina mais caros da região, alertam especialistas. 

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que recentemente se encontrou com Putin em Moscou, não mencionou a crise na Ucrânia em um discurso de quinta-feira aos apoiadores. Bolsonaro sofreu fortes críticas dos EUA por dizer durante sua visita que era “solidário com a Rússia”, sem dar mais detalhes. Mas seu vice-presidente Hamilton Mourão disse que as sanções econômicas podem não ser suficientes e que o Ocidente pode precisar usar a força contra a Rússia. Bolsonaro desautorizou a declaração do general Mourão.

Na noite de sexta-feira (25), o Conselho de Segurança da ONU apoiou por ampla maioria uma resolução condenando a invasão russa, com direito a votos favoráveis de México e Brasil, os dois latino-americanos que ocupam assentos temporários no grupo (no que foi o primeiro posicionamento oficial de Brasília contra Moscou desde o início das hostilidades).

Mas, embora tenha sido a única a votar contra, a Rússia tem poder de veto e derrubou a resolução contra si mesma.

Com informações do Giro Latino

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