Repúdio à fala de deputado marca homenagens do Congresso às mulheres

Deputado estadual fez declarações machistas e misóginas sobre ucranianas

A homenagem repete-se anualmente: prédio do Congresso iluminado para o Dia Internacional da Mulher. Michel Jesus/Câmara dos Deputados

O repúdio à fala do deputado estadual por São Paulo Arthur do Val (Podemos) marcou a sessão solene em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, no Congresso, nesta terça-feira (8). A presidente da sessão, senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), classificou o comportamento do político paulista como abominável e inaceitável.

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou também moção de repúdio às declarações do deputado. O requerimento de moção (REQ 216/22) teve o voto favorável de todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados.

Arthur do Val foi à Ucrânia em meio ao conflito com a Rússia e postou uma foto nas redes sociais no qual mostra que estaria ajudando a produzir coquetéis molotov para o combate contra os russos. Ao deixar o país, na fronteira com a Eslováquia, o deputado enviou um áudio a amigos com declarações machistas e misóginas, comparando a fila de refugiadas ucranianas à fila de uma “balada” na capital paulista. Em um trecho do áudio vazado, Do Val diz que pretende voltar ao Leste Europeu porque as mulheres são muito bonitas e “fáceis” por serem pobres.

“É um comportamento inaceitável, um comportamento inadmissível, que precisa ser fortemente repreendido e punido. Dentro do Congresso Nacional, eu entendo que nós precisamos arrojar ainda mais a legislação para que posturas e posições como essas não se repitam na sociedade brasileira, sobretudo por quem deveria proteger a população, por quem deveria buscar e assegurar mais direitos às mulheres brasileiras”, destacou Eliziane.

Ainda na avaliação da senadora, “se não há espaço para guerras, também não deve haver espaço para o exibicionismo e para palavras proferidas com comentários sexistas”.

As deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC), por sua vez, pediram que, nas eleições, o voto não vá para candidatos com posições misóginas. Já a ex-senadora Marina Silva, que também participou da sessão, sugeriu que o eleitor questione se o candidato está comprometido com a proteção do meio ambiente, o combate ao racismo e à discriminação contra as mulheres, o combate à corrupção e à “polarização tóxica”.

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A coordenadora da bancada feminina, deputada Celina Leão (PP-DF), afirmou que a Câmara dos Deputados não pode se calar diante de atos que causam vergonha internacional. “São atos de um parlamentar que deveria defender toda a sociedade e nos envergonha internacionalmente. Essa moção de repúdio está sendo analisada em um momento simbólico”, disse.

Na mesma linha, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) condenou a fala do deputado estadual. Para ela, enquanto o mundo assistia chocado, perplexo, sem sequer entender o que está acontecendo, ao êxodo das famílias ucranianas onde, especialmente as mulheres, as mães, as avós, com crianças no braço, precisam deixar seus lares em busca de uma nova história, sem saber para onde ir, no Brasil, a fala do político repercutia.

De acordo com a senadora, quando ainda está se tentando traduzir “o que o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia quis dizer, na língua dele, que tem denúncias gravíssimas de mulheres ucranianas sendo violentadas e estupradas por soldados russos, eis que não precisamos de tradução para entender a fala de um deputado, que na língua pátria, em português, disse que as mulheres ucranianas pobres são fáceis”, criticou.

Simone Tebet se emocionou ao ler uma carta aberta do jornalista Jamil Chade ao deputado. Na postagem, Chade destaca que a violência sexual é uma das armas de guerras usadas para desmoralizar uma sociedade.

Já a senadora Leila Barros (Cidadania-DF) usou sua fala para se desculpar com as mulheres ucranianas pelas declarações do deputado. “O machismo e a falta de empatia que ele [Arthur do Val] demonstrou com as mulheres de uma nação que está enfrentando os sofrimentos de uma guerra desonram e envergonham esse país perante o mundo. Por isso, em nome da população brasileira e desse Congresso Nacional, apresento minhas sinceras desculpas às mulheres ucranianas”, disse a senadora.

Leila Barros acrescentou que as declarações de Do Val “não refletem o pensamento da nossa gente e que comportamento do deputado não nos deixa esquecer que continuamos sendo vítimas de machismo, misoginia e violência doméstica”.

Ao desembarcar em São Paulo, no dia 5, Arthur Do Val foi questionado pela imprensa sobre suas declarações. Ele afirmou ter cometido “um erro em um momento de empolgação”.

Cassação

Celina Leão defendeu a cassação do parlamentar estadual, que também foi defendida pela líder do Psol, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP). Ela afirmou que a moção de repúdio é o ato que cabe à Câmara dos Deputados, mas que espera a cassação do parlamentar para que ele se torne inelegível. “Ele não representa as mulheres. Foi machista, elitista”, condenou.

A deputada Soraya Santos (PL-RJ) afirmou que o deputado não pode ser autorizado a compor quadros políticos. “Esta Casa tem que fazer uma moção de repúdio, mas os partidos têm de fazer o compromisso de não ter mais esse nome em seus quadros”, disse. Ela destacou que os áudios do deputado se tornam ainda mais graves diante do momento de miserabilidade e vulnerabilidade das mulheres ucranianas.

Para a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), o deputado estadual paulista utilizou a vulnerabilidade das mulheres na guerra e ainda se referiu à pobreza das mulheres para avanços sexuais. “Está falando de mulheres fragilizadas diante de uma guerra em fuga com uma mala. Esse homem tem que renunciar”, disse.

Participação feminina

© Pedro França/Agência Senado

A sessão solene do Congresso Nacional também foi marcada pela defesa de cota para mulheres no Parlamento e pela cobrança de orçamento federal para o combate à violência contra elas.

Na mesma sessão, outros parlamentares destacaram conquistas femininas ao longo dos anos e ressaltaram a baixa representação feminina no Parlamento brasileiro.

Procuradora da Mulher da Câmara, a deputada Tereza Nelma (PSDB-AL) enfatizou que a data não é exclusivamente comemorativa, já que os níveis de desigualdade entre homens e mulheres nas esferas social, econômica e política são alarmantes no País, com altos índices de violência contra a mulher, precarização do trabalho feminino e sub-representação das mulheres na política.

Ela defendeu mais mulheres no Parlamento, repudiou a violência política contra as mulheres e pediu que as demandas das bancadas femininas no Congresso Nacional sejam levadas em conta o ano inteiro. Além disso, cobrou orçamento para ampliar a rede de proteção para a mulher vítima de violência.

“Em um país como o Brasil, com 5.700 municípios, nós só temos 381 delegacias especializadas de mulher. Num país com tantos municípios, nós só temos 139 varas judiciais especializadas da mulher. A grande maioria dos estados só tem uma casa abrigo para atender todas as denúncias que chegam”, afirmou.

Também convidada da sessão, a médica pneumologista Margareth Dalcomo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ressaltou o papel das mulheres médicas e profissionais de saúde ao longo da pandemia de covid-19, que “enfrentaram situações absolutamente inéditas”. Ela citou também a atuação das parlamentares.

“Lembrando que tudo no Brasil foi feito por grupos de mulheres. Muitos dos grupos de virologia que fizeram um trabalho extraordinário no Brasil, foram mulheres. Quero homenagear também as parlamentares que têm feito um trabalho extraordinário e acreditaram na ciência, acreditaram em nós. Então é em nome desse conglomerado da nossa população que eu agradeço e homenageio todas as protagonistas anônimas do Brasil e do mundo”.

A presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano, defendeu um sistema de cotas para que 50% das cadeiras políticas sejam ocupadas por mulheres. “A cota é um processo transitório para acertar uma desigualdade. E a diferença é muito grande ainda. São mais de 100 anos para a gente tentar igualar. O que é feminismo? É a igualdade entre homem e mulher. Duvido qualquer senador ou qualquer pessoa que vai ter uma filha ou uma neta não concorde que deve haver igualdade entre homens e mulheres. Uma igualdade de salário, uma igualdade de ideias”, destacou a empresária.

Também participaram da sessão solene as deputadas Adriana Ventura (Novo-SP), Carla Dickson (Pros-RN), Carmen Zanotto (Cidadania-SC), Dra. Soraya Manato (PSL-ES), Erika Kokay (PT-DF), Paula Belmonte (Cidadania-DF), Silvia Cristina (PDT-RO) e Soraya Santos (PL-RJ).

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