Congresso derruba veto à distribuição de absorventes e derrota Bolsonaro

A medida vai beneficiar estudantes carentes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias. Derrubada de veto torna obsoleto decreto oportunista de Bolsonaro.

O Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes carentes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.

Todos os partidos, à exceção do Novo, orientaram pela derrubada do veto. Na Câmara dos Deputados, houve 426 votos contra o veto; e no Senado, 64 votos. A favor do veto, opinaram 25 deputados (sendo 13 do União, 7 do Novo, 2 do PSD e um do PL, Republicanos e MDB) e o senador Zequinha Marinho (PL-PA).

A distribuição gratuita de absorventes era um dos trechos vetados do projeto (PL 4968/19) que originou a lei de criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/21). O Congresso decidiu nesta quinta-feira (10) que todos os trechos vetados serão incorporados à lei.

O Projeto de Lei 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE), foi aprovado em agosto do ano passado pela Câmara e em setembro pelo Senado.

Na sessão de hoje do Congresso, a deputada afirmou que a bancada feminina se empenhou em unir todos os parlamentares em defesa da proposta. “Conseguimos transformar essa questão em uma causa do Brasil, que mostrou para a sociedade o que tantas meninas e mulheres passam todos os dias e que necessita de uma política pública”, disse a autora.

Conforme a lei, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual tem o objetivo de combater a precariedade menstrual – ou seja, a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários ao período da menstruação.

A norma prevê que o programa será implementado mediante atuação integrada entre todos os entes federados, em especial nas áreas de saúde, de assistência social, de educação e de segurança pública.

O texto já publicado obriga o poder público a promover campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a saúde da mulher e autoriza os gestores da área de educação a realizar os gastos necessários para o atendimento da medida.

Justificativa do veto

A principal justificativa do governo para o veto aos trechos agora restituídos foi de que a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos “não se compatibiliza com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino”.

Também foi citada a não indicação da fonte de custeio ou de medida compensatória, o que violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O governo alegou ainda que a medida, “ao estipular as beneficiárias específicas, não se adequaria no princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS”.

Na última terça-feira (8), após a pressão, no entanto, o governo recuou e mudou de posição e foi assinado um decreto presidencial que prevê a distribuição gratuita de absorventes e itens de higiene menstrual a mulheres pobres. Com isso, o governo tenta fazer parecer, mais uma vez, que uma medida a que resistiu para aprovar, é de sua paternidade.

A líder da bancada feminina no Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA), disse que a definição do programa de promoção da saúde menstrual por decreto, como fez o governo Bolsonaro nesta terça-feira (8), traz insegurança jurídica a uma política pública.

O deputado Pedro Uczai (PT-SC) afirmou, no entanto, que o decreto presidencial não aponta recursos para financiar a distribuição de absorventes. “Tem que ser uma lei, pois se trata de direitos das mulheres e adolescentes mais pobres”, defendeu.

Fundo penitenciário

Com a derrubada do veto pelo Congresso, outro ponto que será incorporado à lei concede preferência de aquisição aos absorventes higiênicos femininos feitos com materiais sustentáveis.

Quanto aos absorventes a serem distribuídos às presidiárias, deverão ser usados recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). A justificativa do governo, ao vetar esse dispositivo, era que a lei de criação do Funpen (Lei Complementar 79/94) “não elenca o objeto do programa no rol de aplicação de recursos do fundo”.

Com a mesma justificativa, havia sido vetado ainda artigo que prevê a inclusão de absorvente higiênico feminino como item essencial de cestas básicas entregues pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Nesse caso, a justificativa foi a incompatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino e a não indicação de fonte de custeio ou medida compensatória.

Repercussão

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) comemorou a derrubada do veto. “Apesar de Bolsonaro, seguimos em resistência. Com a derrubada desse veto, fica assegurada a distribuição de absorventes nas escolas públicas. É garantir saúde menstrual a estudantes do Brasil inteiro!”, disse ela. Outra liderança do PCdoB, a vice-presidente do partido Manuela D’Ávila também celebrou a vitória. “Grande vitória da luta e mobilização social: foi derrubado o veto e o acesso à absorventes menstruais passam a ser um direito no Brasil”.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) aproveitou para criticar o decreto de Bolsonaro para tentar reverter a impopularidade de seu veto. “O Congresso mostrou que a dignidade menstrual das meninas e mulheres merece uma lei e não um decreto sem prazo, sem orçamento e excluindo quem precisa. O Congresso disse NÃO ao veto de Bolsonaro! Vitória da luta das mulheres!”

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) considerou “lamentável” o veto, já que a falta de acesso a produtos de higiene gera doenças ginecológicas e impede a plena circulação das meninas em idade escolar. “Uma em cada quatro meninas brasileiras têm dificuldade de acesso a produtos básicos de higiene”, afirmou.

O líder do PT, deputado Reginaldo Lopes (MG), disse que a proposta caminha para a dignidade das mulheres. “Temos aproximadamente 6 milhões de mulheres que, pelo baixo poder econômico, necessitam desse apoio. O veto demonstra falta de sensibilidade do governo Bolsonaro, e o Congresso agora vai fazer um acerto de contas e criar uma política pública fundamental para as mulheres”, declarou.

Eliziane Gama apontou que, na falta de absorventes, muitas mulheres usam jornal, miolo de pão, tecidos e panos. “Em média, 23% das nossas adolescentes faltam a um período de aula exatamente pela falta dos absorventes higiênicos”, disse.

A senadora destacou ainda o esforço de articulação das parlamentares para lançar luz em um tema até então tratado como tabu: a pobreza menstrual. “Esse veto caiu sobre um projeto que é sobretudo uma causa humanitária nacional”, afirmou.

Com informações da Agência Câmara de Notícias