Senado aprova a Lei Paulo Gustavo, de apoio ao setor cultural

Projeto prevê repasse de R$ 3,8 bilhões para ações emergenciais

Senadores comemoram aprovação da Lei Aldir Blanc de fomento à cultura, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

O Senado aprovou hoje (15) projeto de lei (PL) que repassa R$ 3,8 bilhões para ações emergenciais no setor cultural em todo o país. Pela proposta, os recursos virão do atual superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC). A União terá de enviar o dinheiro aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para que ser aplicado em iniciativas que visem combater e reduzir os efeitos da pandemia de covid-19 no setor cultural. O texto segue para sanção presidencial.

Aprovado no Senado em novembro do ano passado, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados. Lá, sofreu alterações pontuais e, por isso, retornou ao Senado. O relator do projeto na segunda passagem pelo Senado, Alexandre Silveira (PSD-MG), fez apenas um ajuste em um dos artigos alterados pelos deputados: em caso de reprovação na prestação das informações dos gestores, haverá ressarcimento ao erário apenas quando houver comprovada má-fé do beneficiário.

A descentralização dos recursos, com os estados e municípios podendo decidir autonomamente sobre os projetos a serem apoiados, é uma qualidade da lei, pois assim será possível fazer os investimentos chegarem a todas as cidades do país.

O senador Paulo Rocha (PT-PA), que foi o autor do projeto, destacou esse ponto do projeto, afirmando que ele vai fortalecer as economias locais. Ao cumprimentar Alexandre Silveira pela relatoria, ele exaltou o papel da cultura na formação de memória e de identidade da sociedade brasileira.

“Nesses últimos tempos, em momentos de crises, o Senado Federal tem respondido à altura. A relatoria não foi apenas uma análise do projeto em si, mas entremeou a valorização e a importância que têm aqueles que fazem a cultura. Eles resgatam o valor do povo e mantêm viva a sua história, pela arte, teatro, poesia, música, desenhos, fotografia”, afirmou.

Na leitura do relatório, Silveira destacou a importância do setor cultural para o país. Para o senador, o incentivo à cultura é fundamental para o desenvolvimento do país. O relator criticou qualquer debate que divida a cultura em esferas políticas e ideológicas.

“Cultura tem a ver com a nossa tradição, com raciocínio crítico, com a forma de se expressar e se manifestar de um povo. Por isso, temos que valorizá-la tanto. O país não aguenta mais essa discussão estéril, infrutífera, e até mesquinha, que prega que não devemos mais investir em cultura para não beneficiar lado A ou B. Cultura é arte, educação, enriquecimento intelectual”, afirmou Silveira.

Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Zenaide Maia (PROS-RN) salientaram que o setor cultural foi um dos primeiros a sofrer os efeitos econômicos da pandemia, porque teve que ser o primeiro a paralisar suas atividades e o último a retomá-las. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que a decisão do Senado atende a um “clamor” da sociedade.

Estados, Distrito Federal e municípios serão responsáveis pela indicação das ações beneficiadas com a verba. Em sua fala, Silveira destacou o valor que caberá aos estados do Amazonas (R$ 86 milhões), Ceará (R$ 178 milhões), Santa Catarina (R$ 125 milhões) e Goiás (R$ 129 milhões).

A proposta foi batizada como Lei Paulo Gustavo em homenagem ao ator, que morreu de covid-19 em maio de 2021. Durante a votação, senadores fizeram homenagens ao ator. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) referiu-se a Paulo Gustavo como “um dos maiores artistas” que o país já teve.

A Lei Paulo Gustavo é a segunda aprovada no Congresso para auxiliar o setor cultural, cuja receita caiu drasticamente com a chegada da pandemia de covid-19 e a consequente suspensão de atividades culturais, como shows musicais e peças de teatro. A primeira foi a Lei Aldir Blanc, de autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) criada como um auxílio emergencial ao setor cultural e também batizada com o nome de um artista. Nesse caso, um escritor e compositor, também vítima da covid-19.

Contrapartidas

O projeto determina que os beneficiários dos recursos cumpram contrapartidas, que podem ser a realização de exibições gratuitas; atividades destinadas a estabelecimentos das redes pública e privada de ensino, que tenham estudantes do ProUni, além de integrantes de grupos e coletivos culturais e de associações comunitárias.

Também está prevista a prestação de contas sobre uso dos recursos.

As contrapartidas, tanto para o setor audiovisual quanto para os beneficiados por meio de editais do FNC, terão que ocorrer em prazo determinado por governos e municípios, de acordo com a situação epidemiológica e as medidas de controle da covid-19.

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A execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo poderá ser feita até 31 de dezembro de 2022. Se houver algum impedimento em razão de ser ano eleitoral, o prazo será automaticamente prorrogado pelo mesmo período no qual não foi possível usar o dinheiro.

A maior parte da verba (R$ 2,797 bilhões), vinda da arrecadação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), deverá ser aplicada no setor de audiovisual.

Desse montante, R$ 167,8 milhões serão distribuídos somente entre os estados e o Distrito Federal para apoio às micro e pequenas empresas do setor; para a distribuição e o licenciamento de produções audiovisuais nacionais a fim de exibi-las em TVs públicas; e aos serviços independentes de vídeo por demanda cujo catálogo de obras seja composto por pelo menos 70% de produções nacionais.

As produtoras devem ser empresas brasileiras independentes, e as distribuidoras devem ser controladas por 70% de capital em posse de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos, vedadas aquelas vinculadas a concessionárias de radiodifusão.

O restante do apoio para o audiovisual será dividido metade para os municípios e metade para os estados. Entre as cidades, 20% do total serão rateados segundo os índices do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 80% proporcionalmente à população. Entre os estados, 20% pelos índices do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 80% pela população. O Distrito Federal participa da distribuição junto aos estados e junto aos municípios.

No entanto, o projeto separa esse montante em três valores conforme o tipo de uso:

  • R$ 1,957 bilhão para o apoio a produções audiovisuais, de forma exclusiva ou em complemento a outras formas de financiamento, inclusive aquelas com origem em recursos públicos ou financiamento estrangeiro
  • R$ 447,5 milhões para apoio a reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema públicas ou privadas, assim como cinemas de rua e itinerantes, incluindo o custo para adequação a protocolos sanitários relativos à pandemia de Covid-19
  • R$ 224,7 milhões para capacitação, formação e qualificação, apoio a cineclubes e à realização de festivais e mostras, para a memória, a preservação e a digitalização de obras ou acervos, ou ainda para apoiar observatórios, publicações especializadas e pesquisas.

Ao receber o dinheiro, o beneficiário deverá pactuar com o gestor cultural contrapartida social, incluindo obrigatoriamente a realização de exibições gratuitas dos conteúdos selecionados, com acessibilidade de grupos com restrições e direcionamento à rede de ensino da localidade.

No caso das salas de cinema, haverá obrigação de exibir obras nacionais em um número de dias 10% superior ao estabelecido pelo regulamento da Medida Provisória 2.228-1/01. Para o grupo alvo, o regulamento estipula um mínimo que varia de 27 a 41 dias ao ano de exibição de filme nacional por sala.

Do total a ser liberado pelo Poder Executivo, outro R$ 1,065 bilhão será repartido igualmente entre estados (50%) e municípios (50%), com rateio pelos mesmos critérios (FPE ou FPM e população). Sem especificar um valor para cada grupo, serão contempladas ações de:

  • Apoio ao desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária
  • Apoio a cursos, produções ou manifestações culturais, inclusive que possam ser transmitidas pela internet ou redes sociais e outras plataformas digitais
  • Desenvolvimento de espaços artísticos e culturais, microempreendedores individuais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social para enfrentamento da pandemia de Covid-19.

O texto define como espaços culturais todos aqueles organizados e mantidos por pessoas, organizações da sociedade civil, empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas com finalidade cultural e instituições culturais, com ou sem fins lucrativos.

Para esses espaços, o repasse, a título de subsídio mensal, poderá custear despesas gerais e habituais, vencidas ou a vencer até 31 de dezembro de 2022, e relacionadas a serviços recorrentes, transporte, manutenção, atividades artísticas e culturais, tributos e encargos trabalhistas e sociais, além de outras despesas comprovadas.

De acordo com o projeto, os instrumentos de seleção deverão estar disponíveis em formatos acessíveis, como audiovisual e audiodescrição, e outros específicos para pessoas com deficiência, como braile, daisy e libras.

São listadas várias atividades passíveis de serem contempladas pelos editais, como artes visuais, música, teatro, dança, circo, livro, leitura e literatura, artesanato, carnaval, escolas de samba, blocos e bandas carnavalescos e toda e qualquer outra manifestação cultural.

No caso dessas outras ações culturais, as contrapartidas gratuitas deverão ser na forma de atividades destinadas, prioritariamente, aos alunos e professores de escolas ou universidades públicas, assim como universidades privadas com estudantes do Programa Universidade para Todos (ProUni).

Outro público prioritário são profissionais de saúde, preferencialmente aqueles envolvidos no combate à pandemia, e pessoas integrantes de grupos e coletivos culturais e de associações comunitárias. Esse público contará ainda com ingressos gratuitos em intervalos regulares em exibições públicas.

Todas as contrapartidas previstas no projeto deverão ocorrer em prazo determinado pelo respectivo ente da Federação, observadas a situação epidemiológica e as medidas de controle da Covid-19.

O projeto concede prazo de 60 dias para estados, Distrito Federal e municípios apresentarem plano de ação após abertura de plataforma eletrônica federal referente ao repasse. O prazo é aplicável inclusive para municípios que queiram somar suas parcelas no âmbito de gestão consorciada na área de cultura.

Quando um determinado município ou consórcio não pedir a verba no prazo, o dinheiro deverá ser redistribuído pela União aos municípios que realizarem o pedido com os mesmos critérios de partilha estabelecidos na distribuição original. Os municípios que receberem os recursos deverão incluí-los em sua programação orçamentária em 180 dias, contados do repasse, sob pena de devolução aos respectivos estados.

No caso dos estados e do DF, o prazo será de 120 dias, sob pena de devolução à União.

Os estados deverão ainda estimular a desconcentração territorial das ações apoiadas, contemplando em especial as cidades que perderem o prazo de solicitação e os municípios que devolverem recursos aos fundos estaduais.

Com informações das agências Senado e Câmara